Mesmo com indicadores econômicos positivos, expectativa do mercado está em baixa; entenda

Mesmo com inflação abaixo do esperado, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima das projeções e a menor taxa de desemprego da última década, o cenário não contribuiu para melhorar a percepção do setor produtivo sobre a economia brasileira. Pesquisas de entidades empresariais mostram queda da confiança frente aos indicadores econômicos positivos.
Analista de risco político e fundador da Dharma Political Risk and Strategy, Creomar de Souza, aponta que a calcificação e a polarização política do País alimenta uma perspectiva negativa sobre a economia real, com questões envolvidas com a administração do Partido dos Trabalhadores (PT). Já o cientista político e sócio da agência de risco Arko Advice, Lucas de Aragão, afasta a hipótese de contaminação política e pontua o patamar da taxa de juros (Selic), o cenário externo e a insatisfação com a política fiscal do governo federal.
Para Lucas de Aragão, a taxa de juros ainda em um patamar alto impacta na expectativa dos empresários para impulsionar seus negócios com investimentos. “É preciso ter uma confiança absurda de que seu dinheiro vai render acima da Selic para contrair uma dívida”, disse.
Somado a isso, ele aponta que o Federal Reserve (o Fed, banco central dos Estados Unidos), tem adiado o início dos cortes nos juros, o que impacta a política de juros global e a taxa de câmbio brasileira. Taxa essa afetada também pelo receio dos investidores com a política fiscal do Brasil. “Tem um cenário econômico de juro alto e crédito caro, um cenário político de certa insatisfação com a política fiscal, com medidas econômicas de arrecadação”, afirma.
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Nos últimos meses o setor produtivo demonstrou insatisfação com o foco na arrecadação tributária do governo Lula III, em vez do corte de gastos públicos. Temas como Medida Provisória do PIS Cofins e desoneração da folha de pagamento ajudaram a aumentar o estresse entre empresários e União.
“O câmbio brasileiro esse ano desvalorizou bastante, isso tem impacto grande também na indústria – porque muita coisa é atrelada ao câmbio -, na inflação, no combustível, na energia. É outro fator também”, comenta Aragão. “São muitas variáveis que pressionam o setor produtivo, o consumo, pressionam a percepção de pensar o que afeta a economia do País”, completa.
Já para Creomar de Souza, a calcificação política, descrita no livro “Biografia do Abismo”, de Felipe Nunes e Thomas Traumann, gera uma polarização tamanha que faz o posicionamento político ser irredutível e que a realidade seja vista por lentes diferentes.
A partir deste ponto, é necessário observar o processo eleitoral. Souza afirma que a calcificação política e o fato dela ter se manifestado, eleitoralmente, nas escolhas de grande parte do empresariado no candidato derrotado, gera mal-estar de setores empresariais com o governo. “Isso me leva à hipótese de que a contaminação política e ideológica polarizada acerca dos rumos do País alimenta uma perspectiva sobre a economia real que é negativa”, analisa.
Ele aponta ainda dois agravantes que envolvem diretamente uma administração petista: um “exercício de memória” de boa parte do empresariado, que recorda negativamente do governo Dilma Rousseff, e por isso desconfia do atual; além das próprias mensagens do governo Lula sobre economia. “Tem uma resistência quase que semi-traumática acerca da capacidade de um ministro da Fazenda, do Partido dos Trabalhadores, tem de resolver problemas da economia ou destravar burocracias e coisas do gênero”, comenta.
Com um desafio complexo, dado pelo presidente de Lula, de expandir programas sociais sem cortar despesas, a agenda econômica de Fernando Haddad (PT) se volta para a arrecadação tributária. Em certa medida, aponta o analista, se assemelha com o governo Dilma.
O analista político explica que o conflito é alimentado ainda pelo fato do presidente Lula não indicar o presidente do Banco Central (BC), dessa forma, o chefe do Executivo do País acaba perdendo um instrumento de política macroeconômica logo nos dois primeiros anos de mandato, período de maior espaço para políticas sociais.
Assim, o problema agora é que, após sair de uma década de crise política, o País está numa transição da forma de fazer política para um cenário ainda indefinido, que gera tensão social.
“Haddad está há um ano e sete meses no Ministério da Fazenda numa luta diária para a conquista de confiança dos mais diversos setores da economia. Só que isso esbarra no próprio elemento de memória desses empresários. A somatória dessas variáveis cria uma condicionante que é muito difícil”, finaliza Souza.
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