Festa de invulgar fulgor

Cesar Vannucci*
… a história de um povo é o registro da incomparável energia que suas infinitas aspirações infundem nos corações dos homens.
(Maria Inês de Moraes Marreco, escritora)
A crônica acadêmica mineira registrou, dias atrás, um momento de invulgar fulgor. Na “Casa de São Francisco de Assis”, sede oficial da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, prestigiada por figuras de elevada projeção na vida cultural, aconteceu a posse, como integrante dos quadros da respeitável confraria, da escritora e professora Maria Inês de Moraes Marreco. A acadêmica empossada é mestre em Literatura, fundadora da Idea – Casa de Cultura e presidente emérita da Academia Feminina Mineira de Letras.
Magistrais pronunciamentos compuseram a agenda do encontro. Elisabeth Fernandes Rennó de Castro Santos, que acumula a presidência da Academia Mineira de Letras com a presidência do Conselho Superior da Amulmig, na saudação à colega acadêmica enalteceu a grandeza literária e humana que ilumina a trajetória de Maria Inês. Apontou-a como “artífice da palavra plena, estudada, burilada, expressividade do seu fazer literário denso e profundo.” Anotou, a esse propósito: “Ela escuta o silêncio. Ele a contempla com sussurros de encantamento.
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Mais adiante, na aplaudida fala, sublinhou: “Com a palavra usada em sua pureza e correção, as Academias são sustentadas nas suas realizações, na ascensão de uma força e de um patamar que as caracterizam, coroadas pelas vozes do construir criativo. Como visão mágica do mundo a palavra reúne o encantamento verbal e imagético em busca da plenitude.” (…) “O papel de uma Academia de Letras é conquistar e propiciar a visão global da vida adquiridas por suas promoções culturais, palestras, seminários, publicações, encimados pela dignidade humana, acima da vulgaridade e da repetição. Pela visão crítica e pela reflexão persegue-se um pensar mais profundo.”
Depois de referir-se ao belo e amplo currículo da empossanda, cujo conteúdo traduz capacidade e sabedoria, enumerando seus títulos, alentado acervo de publicações literárias, distinções e prêmios conquistados, Elisabeth Rennó anotou que “a Palavra, mais que o ensinamento formal, pelo caráter de arquipotência, dá origem ao ser integral e ao acontecer.” Exprimiu o anseio de “que a nossa Palavra, instrumental primeiro do escritor e do professor, esteja voltada para as exigências do corpo e do espírito, na acepção tomista de que o ser é composto de corpo e alma.” (…) “Os novos tempos impõem o questionamento às ideias que surgem desordenadamente na revolução dos costumes. Esta é a tarefa ingente que pesa sobre os ombros do educador: como oleiro, criar por suas mãos, o indivíduo responsável através do barro modelado pela Palavra.”
No mesmo requintado padrão de ideias impregnadas de sentimento humanístico e rica vivência cultural, Maria Inês de Moraes Marreco afiançou, no começo de seu discurso de posse, fazer-se imprescindível a arregimentação das “vozes do passado e seus valores para proclamação e a permanência da escrita”. Explicou que é missão da inteligência avivar, resguardar e registrar, “pela escrita, nossas lendas, nossos sonhos e nossas utopias, assegurando nossas culturas e a condição daqueles que nos precederam.” Frisou também constituir obrigação dos intelectuais investir no futuro, “impedir que nossas histórias sejam esquecidas pela pressa do cotidiano atribulado e negligente.” Noutro trecho de seu apreciado pronunciamento lembrou que “a história da nossa aldeia não deve ser menos importante que a história do nosso país, mesmo porque, uma não substitui a outra.” Aduziu: “Um povo que ignora seus antepassados desconhece os fatos mais importantes de sua história pátria e a história de um povo é o registro da incomparável energia que suas infinitas aspirações infundem nos corações dos homens.”
Ao apresentar relato da vida do Padre José de Anchieta, patrono da Cadeira que passa a ocupar na Amulmig, comentou: “No poliédrico contexto brasileiro, desde as diversas manifestações autóctones ameríndias moldadas pela imposição cultural do elemento colonizador ibérico, confrontadas com as várias culturas africanas, constituindo-se assim, as bases primordiais da miscigenação étnica e cultural conformadora da Nação brasileira – igualmente enriquecida a posteriori de outros eflúvios forâneos, notadamente europeus e orientais de médio e extremo oriente – escritores como José de Alencar debateram questões da nacionalidade no plano da criação literária com a clareza das temáticas apontadas por Machado de Assis, com destaque para José de Anchieta, natural de Tenerife, e não obstante, considerado o primeiro escritor brasileiro dentre tantos outros.” Assinalou que José de Anchieta, como nenhum outro de sua época, penetrou no coração do Brasil. Ao longo de 44 anos, dominou o alvorecer deste continente, “enquanto ia escrevendo na areia os poemas dedicados à Virgem que as ondas apagavam.” (…) “Cedeu à posteridade intangíveis recursos e a certeza de sermos personagens de nossa própria história.”
No arremate da eletrizante alocução, afirmou: “É provida de memórias e de emoção que envergo o título de acadêmica efetiva nesta instituição.” (…) “Eleva-me pertencer a esse núcleo cuja defesa dos valores civilizatórios soube manter intacta a tradição que se sabe moderna.”
Seja por derradeiro ressaltado que outras esplêndidas manifestações foram também ouvidas no curso da cerimônia. As duas que acabo de mencionar oferecem significativa amostra do que foi mais esta outra festa da inteligência e cultura, merecedora de aplausos, promovida no âmbito da valorosa Amulmig.
* Jornalista ([email protected])
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