Mercado de capitais promove sustentabilidade

Parte do sistema financeiro, o mercado de capitais é onde acontecem as transações referentes aos diversos tipos de investimento, como ações, títulos e debêntures. Lá dentro estão as corretoras, bancos de investimento e outras instituições. E, cada vez mais, no mercado de capitais estão, também, as discussões mais profundas e as decisões sobre as ações de sustentabilidade das empresas e dos setores produtivos.
Financiar empreendimentos responsáveis deixou de ser uma opção para se tornar uma obrigação de quem busca retorno financeiro. A pressão, que veio primeiro dos consumidores, alcançou os principais investidores, sempre atentos às tendências de mercado. E foi a partir de 2004 que esse assunto ganhou maior relevância no mercado financeiro, com a divulgação do termo ESG (environmental, social and governance) no relatório Who Care Wins (Quem se importa ganha) do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial.
De acordo com o coordenador-geral do Capítulo Minas Gerais do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e sócio do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados, Luiz Miranda, o mercado de capitais não só se interessa por sustentabilidade como tem o dever de promovê-la no setor produtivo.

“Todos fazemos parte do mercado porque somos consumidores. Hoje a vida é inconcebível sem o mercado, que é onde as pessoas fazem trocas. O mercado de capitais é um mercado onde as pessoas fazem transações com ativos financeiros, mas muitos empresários não o conhecem”, observa.
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Ele diz que existe uma série de produtos que são cada vez mais usados. “Ele é uma alternativa para as empresas que querem captar recursos mais baratos que os empréstimos bancários. Para atrair o investidor, a empresa precisa gerar interesse e, a partir do momento em que a sustentabilidade gera interesse, o mercado de capitais também se move para ela”, observa Miranda.
O executivo é autor do livro “Governança Corporativa, Deveres dos Administradores e Integridade (Compliance). A integridade como dever dos Administradores das Sociedades”, pela editora DPlacido.
Segundo o relatório “Retrato da Sustentabilidade no Mercado de Capitais”, publicado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em 2021, o mercado de capitais brasileiro está em uma fase de transição.
“Em graus muito distintos, a sustentabilidade vem entrando para a pauta das empresas. A pandemia de Covid-19 pode ter acelerado o processo, mas nada voltará a ser como antes”, diz o documento. A próxima edição do relatório está prevista para o final de 2025.
A pesquisa demonstrou, também, que o mercado é formado por instituições em diferentes níveis de maturidade no assunto, que existem diversos entendimentos sobre o termo “sustentabilidade”, que vão desde solidez até um compromisso integral, passando por filantropia e benevolência, além da percepção de muitas dificuldades em lidar com o assunto.
Foram identificados e qualificados cinco perfis com base na maneira com que compreendem e lidam com o tema:
- Desconfiados: 4,2%,
- Distantes: 35,5%,
- Iniciados: 32,1%,
- Emergentes: 21,5%,
- Engajados: 6,8%.
Para a fundadora e CEO da Fin4she, Carolina Cavenaghi – durante o 25º Congresso do IBGC, em São Paulo -, sem o engajamento dos profissionais de finanças é praticamente impossível levar a pauta da sustentabilidade para dentro das empresas.
“Sem dinheiro a agenda não avança. Precisamos trazer os profissionais de finanças para dentro dessa agenda. Investidores e empresas têm tempos diferentes, mas a verdade é que, como sociedade, não temos mais tempo. Se pensarmos apenas em 2024, com as enchentes no Rio Grande do Sul, a seca na Amazônia e as queimadas que arrasaram o País, fica claro o quanto precisamos acelerar essa agenda”, pontua Carolina Cavenaghi.
No mesmo evento, realizado em agosto do ano passado, a vice-presidente de Finanças, Estratégia, Governança Executiva e Escritório de Transformação da Natura, Silvia Vilas Boas, destacou como as tragédias climáticas aparecem nos resultados das empresas.
Para ela, todos, de alguma forma ou de outra, têm seus modelos de negócio afetados e estão vendo os impactos financeiros de perdas relacionadas a tudo isso. Na época da pandemia, a Natura criou um um protocolo de calamidade. E desde então, esse protocolo de calamidade foi acionado 20 vezes.
“Isso mostra a aceleração do que está acontecendo. Vou dar um exemplo de como usamos o protocolo: tínhamos, no Rio Grande do Sul, um centro de distribuição que ficou completamente debaixo d’água. Ele abastecia toda a região Sul, ou seja, isso impactou o negócio”, conta.
Ela explica que dentro dos canais da empresa há uma grande rede de venda direta. “Então, as nossas consultoras de beleza foram impactadas. A gente deu mais prazo de pagamento, perdoamos uma série de dívidas, demos auxílio para reconstrução de moradias. Com os nossos fornecedores foi a mesma coisa. Então, temos visto que os impactos financeiros são cada vez mais presentes, mais recorrentes e cada vez mais têm impactando os modelos de negócio”, avalia Silvia Vilas Boas.
Caminho correto e velocidade lenta para sustentabilidade dentro do mercado de capitais
Ao passo em que cresce interesse pelos compromissos ESG por parte das instituições financeiras, como mostra a pesquisa feita pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as discussões acerca das dimensões ambiental, social e de governança ganham importância, porém, não na mesma proporção.
Dificuldades práticas, como o próprio conceito de sustentabilidade, a inexistência de um “manual prático” sobre o tema e a difícil missão de transpor os conceitos para a realidade local ainda retardam o avanço da agenda entre as empresas e também entre investidores.
Luiz Mirada explica que o mercado de capitais pode ser uma alternativa mais barata para as empresas que querem captar recursos, mas para isso, elas precisam gerar interesse nos investidores. Ele a afirma que a partir do momento em que a sustentabilidade gera interesse, o mercado de capitais também se move para ela.
“A relação entre o mercado de capitais e a sustentabilidade é forte quando a gente compreende a regulação de comportamento, o que incentiva as pessoas. As empresas buscam sustentabilidade e integridade pela consciência ou por sobrevivência, mas todas vão buscar, é uma questão de tempo. Então, o caminho é a boa governança. É fazer o certo porque é certo e não por medo da punição”, ensina o autor.
Segundo o CEO da Sulamérica Investimentos, Vida e Previdência, Marcelo Mello, vem daí a importância de uma “remodelagem” da cultura organizacional do mercado de capitais com vistas a dar impulso à sustentabilidade como uma organizadora dos modelos de produção e consumo.
“Essa é uma jornada que a gente sempre fez com os skills de mercado de alocador de capital e provavelmente esses skills têm que ser diferentes. Quando a gente faz um report de impacto climático, quem está fazendo isso são os meus analistas que têm um background muito raso de questões climáticas”, observa.
Dessa forma, ele destaca que sabe que vai precisar ter climatologistas e engenheiros agrônomos e florestais para ajudar via uma consultoria ou via equipe própria. “Isso não tira a nossa responsabilidade de educar o investidor e de acelerar essa agenda. Eu acho que esse é o grande tema para entender que a direção é correta, mas o ritmo está longe de ser o adequado”, afirma Mello.
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