Turismo

Guardiã do barroco, Ouro Preto celebra quatro décadas e meia de título global

Confira a entrevista exclusiva com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Tecnologia de Ouro Preto, Felipe Vecchia
Guardiã do barroco, Ouro Preto celebra quatro décadas e meia de título global
Ouro Preto, berço da mineiridade e guardiã do barroco brasileiro, preserva em cada rua de pedra, igreja e casarão o peso da história | Foto: Reprodução Adobe Stock

Patrimônio Mundial, berço da mineiridade, museu a céu aberto, matriz e guardiã do barroco brasileiro ou simplesmente o lugar em que todo mineiro se reconhece. São tantos os títulos que é impossível resumir Ouro Preto, na região Central, em poucas palavras.

Neste mês, a eterna Vila Rica comemora os 45 anos do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Para falar sobre a responsabilidade, os desafios e os benefícios que essa honraria traz à cidade, o Diário do Comércio conversou com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Tecnologia de Ouro Preto, Felipe Vecchia.

Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a conquistar o título de Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O que isso trouxe e ainda traz para a cidade? E quais os desafios para manter esse título?

Temos uma cidade viva, e gosto sempre de ressaltar isso. Ouro Preto é Patrimônio da Humanidade, destino turístico e um dos 65 destinos indutores do turismo no Brasil. Hoje, o setor arrecada mais impostos que a mineração. A cidade abriga uma universidade federal com mais de 10 mil alunos, cerca de 80 mil habitantes e 12 distritos. Seu território é 2,5 vezes maior que o de Belo Horizonte e guarda um vasto patrimônio também fora do Centro Histórico. Preservar essa memória viva do Brasil, do nosso povo e da nossa identidade é um desafio diário. Ouro Preto foi uma das cidades mais importantes da América e, no auge do ciclo do ouro, chegou a ser a quinta mais populosa do mundo. Essa herança nos foi deixada e cabe a nós preservá-la. Enfrentamos dificuldades, mas o prazer de manter viva a memória do Brasil e de Minas Gerais é maior.

Manter o casario é muito caro, e construir em Ouro Preto também é difícil. Não se trata apenas do Centro Histórico, mas de todo o perímetro que pode interferir visualmente no patrimônio tombado.

A população entende a importância de onde está, mas enfrenta dificuldades do dia a dia, como a instalação de internet. Somos a primeira cidade com um modelo de internet pensado para centros históricos, mas a vida cotidiana ainda impõe desafios.

A visibilidade que o título trouxe para Ouro Preto certamente extrapola os limites da cidade e reverbera nas vizinhas que também viveram o ciclo do ouro. Como vocês trabalham a política regional?

Ouro Preto tem a função de destino indutor. Recebemos o turista – contamos com um grande parque hoteleiro – e temos a missão de distribuir esse visitante para que conheça os distritos e outras cidades, cumprindo inclusive as políticas públicas nacional e estadual de roteirização. Precisamos fazer com que esse turista permaneça na região por mais tempo. O período médio de visita em Ouro Preto é de 2,5 dias. No Nordeste, geralmente, os turistas ficam mais tempo, cerca de uma semana. Portanto, não precisamos aumentar demais o fluxo, mas sim que eles fiquem mais tempo e que o fluxo seja melhor distribuído ao longo do ano e em toda a região. Dessa forma, vamos continuar preservando nossa história e nossa cidade, sem grande impacto do acúmulo de turistas nos finais de semana.

Falamos muito de patrimônio e muita gente ainda tem uma visão antiga de que preservação não combina com modernidade. Mas Ouro Preto mostra que não, e tem uma cena efervescente no setor de tecnologia, não é mesmo?

A Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) faz um grande trabalho, e também temos parceria com o Instituto Federal (IF). Junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ao Ministério da Cultura, desenvolvemos um grande trabalho de inovação em tecnologia. A pessoa consegue entrar nas igrejas, ver os detalhes, se aproximar de Ouro Preto e da história e sentir-se presente aqui também. Tudo isso vem sendo trabalhado em Ouro Preto, uma cidade que preserva seu passado, suas tradições e a origem do nosso País, mas que pensa o tempo inteiro em ser boa para quem vive aqui.

Gostaria de lembrar que o nosso hub de inovação foi batizado Francisca Mina, que foi uma escrava que lutou no Espírito Santo. Homenageamos e reconhecemos o esforço dessas pessoas na formação da nossa cidade e ainda hoje na construção de uma cidade que é Patrimônio Mundial.

Ouro Preto é, talvez, a cidade mineira mais internacionalizada. Pesquisas mostram que cerca de 10% dos turistas que visitam a cidade não moram no Brasil. Qual a importância dos turistas estrangeiros para a economia local e como a cidade se prepara para recebê-los?

Pretendemos aumentar a presença de estrangeiros com a inauguração do hotel Vila Galé, em Ouro Preto, uma rede portuguesa presente em vários países. Há um esforço do governo do Estado e da Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo) para mostrar que o Brasil é muito mais do que sol e praia. Durante anos, o pouco que se investiu em turismo foi apenas nesse segmento. Quando comparamos com cidades da América, como as do México, vemos que o investimento em publicidade internacional é 100 vezes menor.

O potencial turístico do Brasil é gigantesco, mas ainda mal explorado. Para cada dólar investido no setor, retornam quatro dólares. O turismo é uma das atividades que mais gera retorno em curto prazo e faz o dinheiro circular diretamente na cidade. Ouro Preto não depende do turismo em termos de impostos, mas ele é responsável por grande parte dos empregos locais.

Quando Minas passou a reconhecer a dimensão de sua história e de seus atrativos turísticos, e a transformá-los em desenvolvimento econômico, emprego e renda, a realidade mudou. Nos últimos três anos, o Estado foi o que mais cresceu em número de visitantes no País, resultado de uma estratégia que tratou o turismo como matriz econômica e recebeu novos investimentos.

Não tenho dúvidas de que Ouro Preto é a cidade mineira que mais recebe estrangeiros. Basta andar pelas ruas e ouvir os sotaques. Além da presença constante de europeus, temos recebido cada vez mais japoneses e chineses.

Existem algumas reivindicações antigas, como o aeroporto de Lafaiete e uma linha expressa que ligue o Aeroporto Internacional de Belo Horizonte (BH Airport), em Confins, a Ouro Preto. Como andam essas negociações?

Será importante termos um aeroporto, mas sabemos que isso tem um custo muito alto. Enquanto isso, é fundamental contar com uma linha permanente que ligue o aeroporto às cidades históricas. A boa notícia é que já podemos comemorar a duplicação da estrada, cuja licitação foi publicada. Hoje, a via apresenta muitos problemas, sobretudo pelo intenso fluxo de caminhões das mineradoras. A mineração não é mais a principal atividade econômica de Ouro Preto, mas continua sendo vital para cidades da região. Por isso, sem a duplicação, e diante da expansão da atividade mineradora, seria muito difícil manter a qualidade do fluxo turístico.

A segurança também precisa ser considerada, pois impacta diretamente a experiência dos visitantes. A duplicação da estrada é essencial para a economia regional, tanto para o turismo quanto para a atração de novas empresas.

Minas Gerais foi contemplada com mais de 40 ações do Novo PAC, com aproximadamente R$ 236 milhões voltados à preservação do patrimônio cultural no Estado. Desse total, Ouro Preto receberá mais de R$ 32 milhões, destinados a 12 iniciativas de restauração e requalificação. Quais as principais ações previstas para os próximos meses?

Teremos várias ações na sede e nos distritos, mas a grande obra desse Novo PAC é a restauração da Igreja do Bom Jesus, localizada dentro do Colégio Arquidiocesano. É uma igreja linda que estava a ponto de cair, em situação crítica. A reforma será estrutural e também dos elementos artísticos. A obra já está em andamento.

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