Yom Kipur e a política
Tilden Santiago*
A tradição judaica tem um amplo ensinamento, que ajuda os humanos de todas as nações, além dos filhos de Abrão, Isaac e Jacó, a superar o “mal-estar” da “civilização” frequentemente mais “barbárie” do que “civilização”. Não é à toa que Freud era judeu! Quem quiser provar dessa sabedoria milenar, visite, um “sabbat”, às 10 horas da manhã, a sinagoga messiânica liderada pelo rabino messiânico Marcelo Guimarães, ex-engenheiro da Mannesmann, que reuniu a seu pendor pela matemática e pela ciência, a vivência profunda de uma espiritualidade judaico-cristã, que sabe acolher e reunir semitas e gentios. Revivemos, ali, os tempos apostólicos e de Yeshua, no rumo da restauração da história e da sociedade hoje.
As sinagogas, messiânicas ou não, celebram, nesta semana, o Yom Kipur (Dia do Perdão), uma tradição de milênios. Ela nos concita ao quebrantamento, arrependimento e ao pedido de perdão pelos pecados, pelas fragilidades, pelas incoerências e erros coletivos da comunidade e dos indivíduos ao Absoluto e todos os irmãos e irmãs viventes! Também à Mãe Natureza. A liturgia termina com o Toque de Shofar pelo rabino, pela alegria e conforto que invadem os corações arrependidos, perdoados, esperançosos da harmonia do universo e da justiça e da paz a ser estabelecida entre os viventes e as nações do Planeta Terra.
Quem dera que o espírito do Yom Kipur penetrasse pelo labirinto da história contemporânea, especialmente do Brasil, que vive este momento eleitoral, fundamental para a restauração democrática do Estado e da sociedade brasileira – havendo inclusive o desafio de evitarmos a barbárie e/ou reimplantação de um populismo ineficaz, antidemocrático, cheio de contradições e congruências. Seja ele de esquerda ou de direita. No fundo, algo impopular contra o povo. Duplo risco, aliás, que vislumbramos pelas últimas pesquisas divulgadas.
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Não haverá restauração da Nação brasileira, nestas eleições, sem arrependimento e perdão recíproco das forças políticas presentes no cenário político-partidário. Mas arrependimento, autocrítica e pedido de perdão são conceitos pouco palatáveis à classe política da velha política, sedenta apenas de poder pelo poder. A prática desses conceitos deveria ser o prolongamento da concepção de “hegemonia democrática”, nascido da pena do prisioneiro-político italiano durante o fascismo Antônio Gramsci.
Ao contrário, corruptos de todos partidos parecem anjos, negando seus crimes e escapando de punições, tentando, inclusive, driblar, ludibriar, induzir e impedir a Justiça, especialmente os protegidos pelo execrável foro privilegiado. Quem são os responsáveis pelas trevas, que invadem hoje os corredores da sociedade, do Estado, dos partidos, da economia-política, das instituições, dos poderes da República? Com as consequências que sangram a vida de brasileiras e brasileiros: grande desemprego, criminalidade alta, diferença de poder aquisitivo, injusta distribuição de renda, queda de IDH, excesso de violência, moradores de rua, moradores sem-teto, insegurança, educação e saúde precárias, fome, miséria, rurais sem-terra, crimes contra a cultura e seu patrimônio, contra a Mãe Natureza, tranquilidade e sossego dos corruptos, apesar do avanço da Lava Jato – tão combatida por muitos políticos e ministros do STF.
O primeiro passo para a restauração da política e da República passa por uma autocrítica que começa com a consciência arrependida da situação, definição e punição dos responsáveis, políticos e partidos políticos, especialmente os dois que ocuparam o poder nestes 20 anos, tendo ambos dado carona a um terceiro. Com os três a palavra! PSDB, PT e PMDB. Mas na verdade todo o sistema político-partidário está envolvido, já que aceitaram e alimentaram uma transição lenta, gradual e segura desde a derrota do movimento Diretas-Já. Um Movimento cujos líderes políticos, empresários, sociais e sindicais e até religiosos proclamavam, Ulysses, Tancredo e Lula à frente: Não roubar! Não deixar roubar! Meter na cadeia quem rouba!
Nesta campanha, aqueles que demandam democraticamente, com todo direito, a Presidência da República, só se contentam em oferecer “receitas pontuais” para diferentes males da nossa população. Infelizmente, nenhum tem conseguido galvanizar, e convocar a Nação nestas eleições, para uma caminhada política realmente libertadora – deixando boa parte do povo brasileiro se estagnar na “indiferença” e no “apoliticismo” ou (certamente melhor) amadurecer a “indignação” dos que têm coragem e disposição para lutar. Já nos ensinava Guimarães Rosa: “O que a vida exige de nós é coragem”. Mormente num momento em que o País está dividido não em direita, centro e esquerda, mas em promotores da “barbárie” ou da “civilização democrática”.
* Jornalista e Embaixador
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