Agronegócio

Atuação feminina no agronegócio avança

Participação em Minas registra uma expansão de 46,2% em dez anos
Atuação feminina no agronegócio avança
As mulheres vêm investindo em cursos de capacitação gerencial para assumir a gestão de atividades agropecuárias | crédito: CNA

A participação das mulheres no agronegócio de Minas Gerais e do Brasil é crescente. Além de atuarem no campo, conduzindo a produção, elas também estão assumindo a gestão dos empreendimentos e de entidades representativas do setor.

Mesmo enfrentando os mais diversos desafios, até mesmo a desconfiança por parte dos homens, as mulheres estão se capacitando cada vez mais e ingressam nas atividades em cargos de liderança envolvendo também os demais familiares, o que é importante para estimular a sucessão no campo. 

Em Minas Gerais, segundo os dados divulgados pela Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), em 10 anos, a participação da mulher no agronegócio cresceu 46,2% no Estado.

Baseada no último Censo Agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Seapa explica que, em 2006, eram 59,3 mil estabelecimentos agropecuários liderados pelo gênero feminino no Estado. Já em 2017, as mulheres somavam 86,7 mil. No segmento, o aumento de mulheres à frente da tomada de decisões foi de 28%, entre 2006 e 2017. 

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Não há fronteiras para o sexo feminino no agronegócio; elas se capacitam mais em produção, manejo e gestão | Crédito: Wenderson AraujoTrilux

De acordo com a gerente da Gerência da Mulher, do Jovem e da Inovação do Sistema Faemg Senar, Silvana Novais, anos atrás, as mulheres quando apareciam nas atividades agropecuária eram coadjuvantes ou nem apareciam. 

“A situação vem mudando. Estamos trabalhando para uma maior participação das mulheres no setor. A nossa atuação foi iniciada nas Matas de Minas, trazendo e estimulando as mulheres para participarem de cursos, da gestão e de tudo relacionado à produtividade. O foco da nossa gerência é fazer das mulheres as protagonistas dentro do agronegócio, não só dentro da propriedade mas também ocupando espaço dentro do setor como um todo. Também estamos trazendo estas mulheres para dentro do sistema sindical”, explicou.

Ainda segundo Silvana, um amplo trabalho tem sido feito para engajar a participação das mulheres dentro dos sindicatos.

“Nosso objetivo é fazer e estimular a formação de novas líderes, para que elas possam trabalhar liderando o desenvolvimento social, o empreendedorismo e permitindo que elas ocupem o espaço merecido”. 

A gerente reitera  que a participação das mulheres é importante porque elas não atuam sozinhas. Normalmente, envolvem os demais membros da família, principalmente os filhos e as filhas, uma ação fundamental para o desenvolvimento dos negócios e também para estimular a sucessão familiar.

“Sabemos que as mulheres não vêm sozinhas, elas trazem juntamente a família . Isso traz um benefício muito grande e ajuda a superar um dos maiores desafios do setor agropecuário, que é o gargalo da sucessão familiar. A mulher quando que se envolve na atividade tem um olhar estratégico novo, faz mudanças e estimula os filhos a participarem da produção. Isso é importante porque favorece uma sucessão mais natural”.

Mulheres estão também em setores relativamente novos como produção de azeites | Crédito: Gabriela Azevedo

Desafios e preparação

Apesar do crescimento da atuação no campo e dos resultados positivos alcançados, as mulheres ainda enfrentam desafios. Entre eles, ainda estão a visão de que não são aptas a ocuparem os cargos ou funções no campo e a desconfiança e desobediência dos funcionários masculinos. 

A gerente da Gerência da Mulher, do Jovem e da Inovação do Sistema Faemg, Silvana Novais, explica que, muitas vezes, as mulheres precisam se impor para conquistar uma posição. É uma conquista que demanda tempo, mas muitas já estão se sobressaindo. 

“As mulheres ainda enfrentam muitos desafios no agronegócio. Muitos têm o olhar de que elas ainda são de outra função. Escutamos vários casos em que funcionários questionam quando uma mulher desenvolve algum serviço, assume um cargo ou a gerência de um negócio no campo. Muitas vezes, elas são desafiadas por funcionários e precisam se posicionar mesmo”. 

Investimento na capacitação é crescente

Para enfrentar os desafios, as mulheres têm investido na capacitação, o que tem favorecido o crescimento em diversas áreas do setor, desde a produção de cafés, grãos, frutas, olericultura, apicultura, pecuária de leite, corte até as atividades mais novas no Estado, como os azeites e os vinhos. 

Segundo Silvana, a participação do público feminino é crescente em diversos cursos técnicos voltados para produção, manejo, colheita e até mesmo pelos de gestão, empreendedorismo e mercado. 

“Um diferencial é que as mulheres também têm buscado sobre inteligência emocional, formação de pessoas, estão querendo mudar de postura”. 

Nas culturas e regiões onde as mulheres se destacam há mudança importante de visão. Segundo Silvana, onde existe uma participação mais ativa delas, há uma busca maior por capacitação, o trabalho acontece de forma mais coletiva e há divisão do conhecimento com maior facilidade.

“Uma característica que observamos onde as mulheres já atuam com maior força é o desenvolvimento em grupos, em associações. Apesar delas terem a comercialização individual dos produtos, elas se ajudam mais. Elas também estão formando mais associações, para se organizarem”.

Mudanças também têm acontecido nas famílias rurais. Se anteriormente na maior parte dos casos somente os filhos homens eram estimulados a participar ativamente da produção, hoje, as filhas também ganham espaço. 

“Em muitos casos, a mulher era vista como uma pessoa que não dava muita opinião. Mas estão procurando se posicionar mais. Hoje, a gente tem muitas propriedades onde as filhas é que vão continuar os negócios. Os pais estão envolvendo-as para participarem desde mais novas, estimulando a formação em profissões mais ligadas às atividades da família. Isso, com o objetivo de continuar o legado”. 

Renata Borges planta grãos e cria gado de corte na Fazenda São Bento | Crédito: Arquivo Pessoal

Veterinária, produtora rural e presidente de sindicato

A médica veterinária, produtora rural e presidente do Sindicatos dos Produtores Rurais de Lagoa Grande, na região Noroeste de Minas Gerais, Renata Guimarães Teixeira Borges, é um exemplo de que quando estimuladas, as filhas – com dedicação e vontade – conseguem se sobressair e conquistar espaço e liderança no campo.

Desde pequena, Renata explica que participou de forma ativa na produção de leite, estimulada pelo pai, o produtor Antônio Teixeira de Araújo. “Meu pai, que é produtor de leite, sempre me colocou para frente. Ele fazia questão que a gente enxergasse o negócio e conhecesse cada serviço na fazenda para que eu pudesse avaliar e mandar outras pessoas fazerem e também pensando em uma sucessão familiar”.

Ainda segundo Renata, mesmo com a experiência na fazenda do pai, ainda enfrentou desafios.

“Sou veterinária e quando eu comecei a atender, às vezes chegava em uma fazenda com outra pessoa e o produtor me mandava para a cozinha tomar um café com a esposa. Achava que outra pessoa ia atender. Então, até a gente criar credibilidade, mostrar serviço, mostrar que a gente é capaz, passamos por essas dificuldades até que aceitem que a mulher pode e é capaz de fazer o mesmo serviço”.

Produzindo grãos e gado de corte desde 2015 na Fazenda Agropecuária São Bento, Renata assumiu há três anos a presidência do Sindicato dos Produtores Rurais de Lagoa Grande. Entidade que irá presidir, pela segunda vez, por mais três anos. 

“Meu pai foi um dos primeiros presidentes e eu o acompanhava no sindicato. Depois, acabei fazendo parte da diretoria. Há três anos, em 2020, fui convidada a assumir o sindicato, que passava por muitas dificuldades. Aceitei o convite e venho trabalhando muito para superar as dificuldades e atender, da melhor forma possível, os produtores rurais”.

Renata explica que o desafio tem sido grande. Segundo ela, mesmo durante a pandemia de Covid-19, os resultados foram mais positivos. Uma das iniciativas implementadas e que ajudou a melhorar os resultados foi a realização de leilões virtuais, que ainda fazem parte das atividades promovidas pelo sindicato.

“Agora, vou continuar por mais três anos. Os sindicatos passam por muitas dificuldades, principalmente de renda. Mesmo assim, queremos atender os produtores da melhor forma. As pessoas que trabalham comigo estão sempre passando por treinamentos, para ficarem cada vez mais qualificadas e ajudarem os produtores a resolver os problemas”.

A produtora rural ressalta que, mesmo com receio ou enfrentando dificuldades, as mulheres devem se capacitar e assumir cargos de lideranças no agronegócio. 

“A cada dia mais mulheres estão assumindo cargos de liderança. Eu acho que isso é muito importante porque a mulher tem uma sensibilidade diferente do homem, esse ponto faz a diferença. A mulher é mais sensível, tem capacidade de enxergar mais detalhes, então, quando ela tem conhecimento, tem capacitação, ela começa a enxergar a coisa de um modo diferente, o que, muitas vezes, é o gargalo do homem”.

Margarida Maria Camarini Santos (de óculos) e Leila do Carmo Lenes são sócias e cafeicultoras há quase 33 anos | Crédito: Divulgação

Sócias produzem cafés especiais na Mantiqueira

Há quase 33 anos na cafeicultura, as sócias Leila do Carmo Lenes e Margarida Maria Camarini Santos compraram o Sítio da Serra Cafés, em Cambuquira, na Mantiqueira de Minas.  Desde 2011, as sócias investem na produção de cafés especiais com o objetivo de agregar valor à produção. Os resultados foram positivos e o café é vendido para vários estados e também para o mercado internacional. 

Leila explica que pelo sítio ser do segmento da agricultura familiar, produzir café especial foi importante para o sucesso dos negócios. Hoje, os grãos especiais produzidos em Minas e no Brasil já são reconhecidos mundialmente.

“Nós começamos na cafeicultura há quase 33 anos. Estamos na agricultura familiar e temos uma área pequena de produção. Então, a gente não consegue trabalhar com o café commodity. Ao longo dos anos, fomos nos capacitando para poder fazer algo diferenciado. Foram muitos anos de estudos, verificação e a renovação é diária. O café não permite ficar sentado esperando”, explica.

Ainda segundo Leila, além da produção do grão especiais, as sócias também vendem o café torrado. “Nossa renda é complementada com a venda do café torrado. Para chegar a este ponto, tivemos uma ajuda muito importante da Emater-MG, que nos orientou a buscar certificações e a participar das chamadas públicas e das feiras”.

Mesmo enfrentando resistência por serem mulheres à frente de uma propriedade de café, Leila e Margarida são, hoje, exemplos na região. 

“As pessoas foram percebendo que nosso negócio deu certo e que ganhamos vários concursos de qualidade. Se no início enfrentamos resistência, com o tempo passamos a ser referência para os outros produtores da região”.

Para Leila, ser mulher é um diferencial muito importante na produção cafeeira, principalmente, pela habilidade de envolver pessoas.  

“O café traz muitas coisas boas, principalmente, as pessoas. As pessoas se ajudam e, isso, é que conta, faz você se apaixonar pela atividade e ter gratidão. A mulher tem esse poder de envolver as pessoas, é inerente a nós”. 

Fazenda centenária vai sediar hoje Encontro do Café da Região Vulcânica | Crédito: Divulgação/Sebrae

Café de área vulcânica

Da Mantiqueira de Minas para o Café da Região Vulcânica. Hoje, Dia Internacional da Mulher, será realizado o 2º Encontro das Mulheres do Café da Região Vulcânica, evento que reúne produtoras de café da região do entorno de Poços de Caldas, no Sul do Estado. O encontro será promovido na Fazenda Santa Maria, em Águas da Prata (SP), e é fruto da parceria entre Sebrae Minas e Associação dos Produtores do Café da Região Vulcânica.

Cerca de 8 mil mulheres estão envolvidas direta ou indiretamente na cafeicultura na região composta por 12 municípios mineiros e paulistas. Diante desse cenário, o encontro tem o objetivo de valorizar e dar visibilidade ao trabalho dessas mulheres no mercado cafeeiro. 

As palestras programadas para o evento serão ministradas somente por mulheres especialistas no setor. Cerca de 200 empreendedoras da cadeia do café – desde as que atuam em lavouras até em torrefadoras, cafeterias e empórios – vão participar do encontro. Serão 13 atividades, entre palestras, painéis e workshops, que abordarão temas como: técnicas e métodos de preparo do café, cultivo, fermentação, drinks a base de café, associativismo e cooperativismo.

De acordo com o analista do Sebrae Minas Ivan Figueiredo, o objetivo do evento é destacar os resultados da atuação das mulheres no comando dos negócios do setor na região. “A ideia do encontro surgiu devido ao aumento do número de mulheres atuando na cafeicultura da Região Vulcânica. A presença delas sempre foi marcante, sejam sozinhas ou acompanhadas de suas famílias. Por isso, é uma forma de valorizar, reconhecer e incentivar a participação de mais mulheresnoagronegócio,” explica.

A Região Vulcânica

A região está em uma área conhecida como caldeira vulcânica – onde acredita-se que há milhares de anos existiu um vulcão. Hoje, no local está a cidade de Poços de Caldas. O território tem altitudes que variam entre 700 e 1.300 metros acima do nível do mar, sendo formado por 12 municípios: Andradas, Bandeira do Sul, Botelhos, Cabo Verde, Caldas, Campestre, Ibitiúra de Minas e Poços de Caldas, em Minas Gerais, e Águas da Prata, Caconde, Divinolândia e São Sebastião da Grama, no estado de São Paulo.

Atualmente, a Associação dos Produtores do Café da Região Vulcânica conta com cerca de 12 mil produtores de café, entre homens e mulheres, sendo que 70% deles são da agricultura familiar. A marca “Cafés da Região Vulcânica”, projeto liderado pelo Sebrae Minas, foi lançada, oficialmente, em 2020, durante a Semana Internacional do Café (SIC).

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