Agronegócio

Cacau avança no Norte de Minas e atrai produtores; entenda por que a região é promissora

Epamig inicia pesquisa inédita sobre cultivo em pleno sol e consorciado com banana no semiárido mineiro; região pode se tornar novo polo cacaueiro do País
Cacau avança no Norte de Minas e atrai produtores; entenda por que a região é promissora
Foto: Divulgação Rimo Agroindústria

Tradicional do Sul da Bahia e de regiões próximas a florestas, o cultivo de cacau ganha um novo horizonte no Brasil: o Norte de Minas. A cultura vem conquistando espaço entre os agricultores da região e, agora, é foco de um estudo da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que enxerga no cultivo em clima seco e ensolarado uma alternativa promissora, econômica e sustentável.

O projeto “Desempenho agronômico do cacaueiro cultivado em pleno sol e consorciado com bananeira no semiárido mineiro” é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Trata-se do primeiro estudo da Epamig voltado especificamente à cultura do cacau.

Em abril de 2026, a pesquisa será implantada nos campos experimentais de Mocambinho e Gorutuba e servirá para responder a uma questão central: o cacau precisa de sombra ou pode se desenvolver sob o sol pleno do semiárido? A resposta poderá definir o modelo produtivo da região.

Segundo a doutora em Produção Vegetal no Semiárido e pesquisadora da Epamig, Wlly Dias, o projeto nasceu de uma demanda crescente dos produtores locais.

“A pesquisa está sendo realizada justamente pela procura crescente pela cultura do cacau no Norte de Minas. O cenário é muito promissor, mas ainda há muito o que estudar. Este é o primeiro projeto da Epamig com a cultura e o objetivo é gerar conhecimento técnico e científico sobre o comportamento do cacaueiro em diferentes sistemas de cultivo”, explica.

A pesquisa vai comparar dois modelos de produção:

  • o consorciado com a bananeira, sistema semelhante ao adotado no sul da Bahia e no norte mineiro,
  • e o plantio a pleno sol, sem sombreamento.

“Vamos implantar os dois sistemas. No primeiro, o cacau será cultivado junto com a banana, que é a cultura mais produzida aqui no Norte. No segundo, o plantio será direto, com uso de um protetor solar nas folhas, capaz de reduzir até dois graus na temperatura da planta. A ideia é descobrir qual manejo é mais adequado, mais rentável e mais sustentável para as condições do semiárido”, detalha a pesquisadora.

Vantagem climática e estrutura de irrigação

O clima do Norte de Minas, antes visto como um entrave, pode se tornar um diferencial competitivo. Embora o cacau exija calor, a umidade excessiva em regiões tradicionais, como o sul da Bahia e o Pará, tem favorecido o surgimento de doenças fúngicas, como a vassoura-de-bruxa, que reduziu drasticamente a produção nacional em 2024.

“Aqui [no Norte de Minas] é quente, mas muito seco. Essa baixa umidade reduz a proliferação de doenças. E o problema da falta de chuva é compensado com irrigação, porque temos o Projeto Jaíba, o maior perímetro irrigado da América do Sul”, afirma Wlly Dias.

O Projeto Jaíba, localizado entre Jaíba e Matias Cardoso, utiliza a água do rio São Francisco para irrigar 29 mil hectares e tem planos de expandir para 100 mil. A infraestrutura de mais de 500 quilômetros de canais e adutoras sustenta a produção regional de frutas, hortaliças e grãos.

“Se o nosso desafio é a falta de umidade, a irrigação resolve. E sem a alta umidade que favorece doenças, o cacau encontra aqui um ambiente ideal para se desenvolver com estabilidade produtiva”, acrescenta.

Pioneirismo no campo

A experiência da Rimo Agroindustrial, sediada em Janaúba, ilustra a transição produtiva que começa a redesenhar a agricultura no Norte de Minas. Há mais de 30 anos dedicada à produção de banana-prata e pecuária de corte, a empresa passou a investir no cacau a partir de 2021, após enfrentar uma combinação de fatores climáticos e econômicos adversos.

“Nós tivemos uma seca muito drástica entre 2016 e 2019. A escassez hídrica e o aumento da produção de banana em outras regiões, mais próximas dos centros consumidores, reduziram nossa competitividade. Além disso, começamos a enfrentar o fusarium, fungo que causa o mal do Panamá e pode dizimar lavouras inteiras”, relata Geraldo Pereira, gestor da empresa e produtor.

Diante desse cenário, ele buscou alternativas e visitou a Fazenda Experimental da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), onde o professor Vítor Maia conduzia experimentos com cacau.

“Quando vi o experimento, percebi que era possível adaptar a cultura à nossa realidade. Aproveitamos a estrutura que já tínhamos — irrigação, sombreamento parcial e experiência com banana — e começamos o plantio do cacau”, explica.

O manejo adotado na Rimo combina as duas culturas. “A banana dá o conforto térmico que o cacau precisa nos dois primeiros anos, protegendo a planta jovem do sol e do vento. Reduzimos o número de bananeiras e passamos a consorciar o cacau, mantendo a irrigação e aproveitando a infraestrutura que já existia. Plantamos as primeiras mudas em 2021 e 2022”, conta Pereira.

Produção e retorno econômico

O cacau leva de dois a três anos para iniciar a produção, com aumento gradual até o quinto ano, quando atinge a maturidade produtiva.

“No terceiro ano, a planta ainda é jovem, então segura pouco fruto. A partir do quinto ano, esperamos alcançar em torno de 200 arrobas por hectare ao ano, o que é uma produtividade excelente para as condições locais”, projeta o produtor.

Além do potencial econômico, a transição tem permitido o fortalecimento da cadeia produtiva. “Começamos com uma estrutura artesanal de fermentação e secagem. À medida que a produção aumenta, ampliamos também a infraestrutura, criando um modelo que pode ser replicado por outros produtores”, observa.

O número de produtores de cacau no Norte de Minas, diante do cenário favorável, tende a crescer rapidamente.

“Muitas propriedades ainda não foram registradas. A expectativa é que até 2030 essa área triplique. Recebemos produtores quase todos os dias pedindo informações sobre irrigação, sombreamento e adubação. O interesse é grande e constante”, relata Wlly Dias.

Expansão e novos projetos

A Rimo integra o projeto Agro Mais Verde, iniciativa da Faemg, Senar, Cargill e do Instituto Antônio Ernesto de Salvo (Inaes), que incentiva novos plantios por meio do fornecimento subsidiado de mudas.

“Nós mesmos vamos ampliar nossa área em mais 80 hectares com o apoio desse programa. O produtor recebe as mudas e paga com amêndoas de cacau depois de cinco anos, sem correção. Isso facilita muito a adesão”, explica Geraldo Pereira.

De acordo com ele, a previsão para o Norte de Minas é de forte expansão nos próximos dez anos. “A estimativa é que cheguemos entre 10 e 12 mil hectares de cacau plantado nesse período. É um movimento que está apenas começando, mas que tem tudo para transformar o perfil produtivo da região”, afirma.

Pesquisa e futuro

Com o aumento da demanda mundial e a queda da oferta nacional causada por doenças nas lavouras tradicionais, o cacau se tornou uma oportunidade estratégica para o semiárido mineiro. Para Wlly Dias, o papel da pesquisa é garantir que essa expansão ocorra com base técnica e sustentabilidade.

“Queremos entender o manejo mais eficiente e criar tecnologias que beneficiem toda a cadeia, desde o plantio até o processamento das amêndoas. O Norte de Minas tem o clima, a estrutura e o conhecimento técnico para se tornar um novo polo cacaueiro no País”, conclui.

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