Agronegócio

Cafés cultivados com respeito

Crédito: Leonardo Morais
Nescafé fomenta agricultura regenerativa no Cerrado mineiro; Patrocínio tem caso de sucesso

O solo era considerado pobre, mas o clima era perfeito. A solução para tornar aquela região empobrecida em uma das maiores produtoras de café de Minas Gerais e do mundo veio do desenvolvimento da agricultura científica, na década de 1960 do século passado.

E foi assim que o Alto Paranaíba e, em especial, a cidade de Patrocínio, viveram a sua revolução verde. Estava inaugurada, então, para a cafeicultura, a região que se transformaria em uma verdadeira grife no século 21: o Cerrado Mineiro.

O que se vê hoje na cidade com cerca de 90 mil habitantes, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um centro comercial pujante, cercado por incríveis e intermináveis plantações de café arábica.

Na onda dos cafés especiais, Patrocínio passa por sua segunda revolução verde. O processo está começando e o grosso da produção ainda é voltado para a exportação e realizado com métodos bastante tradicionais dentro de toda a modernidade e mecanização inerentes ao agronegócio brasileiro. Mas, aos poucos, os produtores estão desenvolvendo algo de especial entre os especiais, baseados no conceito de agricultura regenerativa.

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Integrante do programa “Cultivado com Respeito” – o maior do mundo de sustentabilidade na cafeicultura criado por Nescafé, em 2010 -, Marcelo Montanari tem o firme propósito de difundir a cafeicultura regenerativa e alcançar novos mercados com isso. Embora guarde várias semelhanças, ele faz questão de ressaltar que o café regenerativo é diferente do café orgânico, mas que ambos se pautam pelo respeito à natureza e aos seres humanos.

“O orgânico já tem normas técnicas que devem ser cumpridas para que ganhe esse título. No caso não só da cafeicultura regenerativa, assim como de toda a agricultura regenerativa, isso ainda não existe. Nós adotamos práticas de produção que buscam o equilíbrio com a natureza, mas ainda não existe uma normatização sobre elas”, explica Montanari.

Quatro princípios

Essas práticas são regidas por quatro grandes princípios. Para o solo: ampliar o manejo integrado que ajuda a proteger a saúde do solo na busca por um sistema mais produtivo, equilibrado e sustentável. Água: Integrar práticas de conservação para aumentar a disponibilidade e qualidade da água. Ar: Integrar boas e para neutralizar e até afetar negativamente as emissões de gases de efeito estufa. Biodiversidade: Aumentar a biodiversidade do ecossistema acima e abaixo do solo.

Esses princípios são desdobrados em um conjunto de práticas formadas por um extenso rol de ações. As principais práticas são: solo vivo, compostagem, uso de remineradores, arborização, controle biológico, produção de água, energia renovável e visão holística.

Carbono Neutro

O programa é um dos pilares da linha Nescafé Origens do Brasil. Lançada em 2019, é o carro-chefe do café sustentável da Nestlé Brasil, que inclui o rol dos cafés de máxima qualidade (os chamados cafés especiais) produzidos no País.

Segundo a gerente de marketing e sustentabilidade de Cafés na Nestlé Brasil, Bárbara Velo, a ação se baseia em três categorias de atuação: Natureza, Pessoas e Conhecimento.

A Origens do Brasil acaba de conquistar a certificação de produto Carbono Neutro, de acordo com o The CarbonNeutral Protocol, principal framework global de neutralidade de carbono.

O resultado está diretamente ligado a quatro pilares de atuação da marca: implantação de práticas agrícolas regenerativas, plantio de árvores em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, redução da pegada de carbono em toda a cadeia de fornecimento e compensação das emissões remanescentes de gases de efeito estufa, por meio de créditos de carbono verificados e de alta qualidade.

Lavouras de café da família Montanari, em Patrocínio, têm sido referência na cafeicultura regenerativa do Cerrado | Crédito: Leonardo Morais

Certificadas pelos principais programas de sustentabilidade, como o AtSource e o Código Comum da Comunidade Cafeeira (4C), essas fazendas cultivam café usando práticas agrícolas regenerativas e emitem menos carbono equivalente por quilo de café do que as referências existentes na cafeicultura brasileira, sendo modelos para o cultivo de baixo carbono. A última safra de café arábica dessas fazendas apresentou redução de 70% da pegada de carbono em comparação com 2021, segundo a Agrobiota, empresa especializada na implantação de práticas regenerativas na agricultura.

“A preocupação da Nestlé com a responsabilidade ambiental é antiga. Temos como meta até 2030 reduzir 50% da nossa pegada de carbono globalmente. Mas não basta reduzir. Queremos reduzir criando ambientes muito mais produtivos e ter, como resultado, qualidade maior dos alimentos. Temos 35 famílias nesse projeto, em três diferentes regiões. Seis estão no Cerrado Mineiro. Cada lugar tem a sua especificidade e vamos além da agricultura regenerativa, também assistimos no viés de gestão. É um projeto 360 graus”, explica Bárbara Velo.

Para obter a certificação CarbonNeutral®, a Nestlé Brasil trabalhou com a Climate Impact Partners, especialista em soluções no mercado de carbono para ações climáticas. E, até 2026, pretende cumprir com mais um compromisso: plantar e cultivar 1,5 milhão de árvores na Mata Atlântica, região fornecedora de Nescafé Origens do Brasil. O projeto faz parte do Programa Global de Reflorestamento da Nestlé, que visa a plantar e a cultivar 200 milhões de árvores em todo o mundo até 2030. Em um bioma essencial para a cafeicultura brasileira, o projeto da Fundação SOS Mata Atlântica ajudará a restaurar ecossistemas florestais nativos e sequestrar aproximadamente 250 mil toneladas de CO2 ao longo de 25 anos.

Montanari substitui defensivos químicos por bioinsumos | Crédito: Leonardo Morais

Uma história que começa na Itália

A história da família Montanari com o café começa na Itália, ainda no século 19. A migração para o Brasil em busca de uma vida melhor trouxe a paixão e o conhecimento sobre o cultivo do “ouro verde” para a Zona da Mata. Entre ida e vindas, eles estiveram no Sul de Minas e também no Estado do Paraná até que a quarta geração se fixasse em Patrocínio.

Da agricultura rudimentar praticada pelo avô até o controle biológico desenvolvido hoje dentro das propriedades, o atual gestor, Marcelo, sente orgulho de uma história de muita batalha e projeta um futuro científico, tecnológico e feminino.

A filha Mariana Montanari, que assim como ele fez, estuda agronomia, já se prepara para suceder o pai e o tio à frente dos negócios. “Hoje, já estruturamos a sucessão como uma prática de governança e isso é um pilar da sustentabilidade. O olhar feminino da Mariana, que já está inserida no negócio, complementa a nossa visão. Acredito na diversidade e a experiência da própria empresa já mostra que ter mulheres ao longo do processo faz com que ele seja mais justo e eficiente e que vai produzir um futuro melhor para o nosso negócio, para a cafeicultura e para o mundo”, pontua o empresário que também é pai.

Enquanto esse futuro se aproxima a passos largos, o cafeicultor “limpa a estrada” por meio da cafeicultura regenerativa. Os bioinsumos que substituem os defensivos químicos, a arborização que protege os pés de café das intempéries climáticas e da ação do vento, o uso dos pós de rocha para o equilíbrio mineral do solo, a compostagem capaz de garantir ao solo umidade e, portanto, fertilidade, nos períodos de seca, entre outras técnicas são capazes de reduzir os custos de produção em até 30%.

A esse ganho somam-se as certificações que garantem um maior valor de venda no mercado, acesso a linhas de crédito mais baratas e acesso a um público crescente interessado em produtos produzidos de forma responsável e rastreável e disposto a pagar por isso.

“A responsabilidade é um investimento. É claro que dá trabalho, é preciso estudar e mudar velhos hábitos que eram bastante confortáveis. Mas vale a pena do ponto de vista do negócio, porque isso agrega valor ao produto e, principalmente, porque é bom para o planeta e para cada um de nós. A agricultura regenerativa ainda é algo novo para o consumidor, mas já está ganhando notoriedade e valor. Assim como aconteceu com os orgânicos, o nosso público vem crescendo e isso acaba atraindo outros produtores. Outros produtores da região que já vem me visitar, conhecer as técnicas e vários já começaram a implantar algumas. É um trabalho de longo prazo, mas vale a pena”, completa o produtor.

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