Agronegócio

Estudo aponta ameaça de desnutrição até 2030

Estudo internacional, que teve participação do Brasil, mostrou perda em espaço nas lavouras antes destinadas à alimentação direta para outros fins
Estudo aponta ameaça de desnutrição até 2030
Pesquisa alerta para importância de ampliar cultivo para consumo direto | Crédito: Divulgação

Uma pesquisa de cooperação internacional entre o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e um grupo de cientistas mapeou os dez principais produtos agrícolas do mundo e sua destinação. O resultado mostrou que a produção agrícola global não será suficiente para atender à meta de segurança alimentar da Organização das Nações Unidas (ONU). Isso devido à perda de espaço das lavouras antes destinadas à alimentação para os processados e commodities, acendendo o alerta da desnutrição até 2030 em vários países.

A solução para o problema é um desafio que depende de políticas públicas, pesquisa e tecnologia para ampliar a produção. Porém, a questão não se limita à oferta, também é preciso levar em conta o acesso à alimentação. 

De acordo com a pesquisadora do Ipam Andrea Garcia, em termos mundiais, foi percebida, do ponto de vista da produção, uma mudança bem significativa no modo de produção. Foram pesquisadas as culturas da cevada, mandioca, milho, óleo de palma, canola, arroz, sorgo, soja, cana-de-açúcar e trigo. Estas são as dez principais culturas globais e representam atualmente mais de 80% de todas as calorias das culturas em colheita. Porém, segundo a pesquisa, nem todas essas calorias e nutrientes colhidos são usados para consumo direto de alimentos por pessoas.

“No Brasil e na América do Sul, na década de 1960, a produção agrícola estava, majoritariamente, concentrada na alimentação humana e animal. Desde 2010, houve uma grande mudança e o Brasil passa a ser majoritariamente produtor de uma agricultura para o processamento e alimentação animal. Isso também aconteceu em outros países, como na Argentina e Paraguai”, explica a pesquisadora.

Ainda segundo Andrea, o movimento também é visto fora da América do Sul. “Vimos mudanças acontecendo em várias partes do mundo, como nos Estados Unidos, Ásia, Índia, entre outros”.

De acordo com o estudo, a fração de culturas colhidas para consumo direto de alimentos diminuiu, enquanto a colheita para processamento (ração animal, xarope de milho rico em frutose, óleos hidrogenados), exportação e uso industrial (etanol, bioplásticos, produtos farmacêuticos) aumentou globalmente.

Se a tendência continuar até 2030, apenas 26% das calorias globais colhidas poderão ser para consumo direto de alimentos.

O estímulo ao maior processamento vem do aumento da riqueza e da crescente demanda da classe média por alimentos processados. O movimento cria uma pressão crescente para que produtores rurais se especializem em culturas de alto rendimento, cultivadas para outros usos que não o consumo direto de alimentos. Os países mais pobres –  como regiões da África, América Central e Ásia – serão os mais afetados pela mudança. 

De acordo com Andrea, a solução é um grande desafio. Além da necessidade de se investir em pesquisa, inovação e tecnologias para ampliar a produção, seria necessária a criação de políticas públicas para modificar o cenário.

“As soluções serão variadas e irão depender de cada país. No geral, serão necessárias pesquisas e investimento no melhoramento das cultivares que são para alimentação. Isso é algo que tem que ser trabalhado. Além disso, serão necessárias políticas públicas que consigam trabalhar a destinação ou o cultivo dos diferentes produtos agrícolas com destinação mais acertada. A nossa conclusão é que o discurso de que a agricultura é voltada somente para a alimentação humana não existe mais”, afirma.

Acesso também é ponto de atenção

O Brasil é visto como uma grande potência para atender à demanda crescente por alimentos, mas, além da necessidade de levar as tecnologias já existentes para alavancar a produção em áreas degradadas ou com baixo rendimento, existe um desafio grande que é o acesso à comida, muitas vezes impedido pela falta de renda. 

O coordenador do Mestrado Profissional em Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), Felippe Serigati, explica que atender à demanda crescente por alimentos é, de fato, um enorme desafio, não só do Brasil.

“Os desafios são grandes. Em 2050, teremos 10 bilhões de pessoas para alimentar, é um desafio grande para o agronegócio, produzir comida, alimento. Mas, quando olhamos a deterioração do quadro de segurança alimentar, desde o início da pandemia, aumentou o número de pessoas passando fome. Não é um problema tão forte de oferta, mas de renda. Então o problema não é somente produzir alimentos no campo, é preciso também gerar renda, fazer com que a produção chegue ao mercado consumidor e que as pessoas tenham condições de comprar”, destaca.

No que diz respeito ao aumento da produção, Serigati explica que o Brasil tem condições de avançar. Isso porque são muitas as soluções já disponíveis e que precisam ser levadas a mais produtores. 

“Não precisamos ocupar novas áreas, temos muitas à disposição. Há muito espaço com baixa produtividade, isso vale muito para o milho, por exemplo. O cereal é produzido por uma quantidade muito grande de produtores, alguns na fronteira da tecnologia e outros não. A transferência de tecnologia é necessária para gerar maior produção. É preciso disseminar as tecnologias para todos os produtores”, afirma.

Outro ponto que pode favorecer a eficiência dos negócios e a produtividade é a organização dos produtores em cooperativas.

“As cooperativas conseguem transformar pequenos produtores, agrupando-os e transformando-os em gigantes. Em conjunto, consegue-se levar seguro ao campo, tecnologia, inovação, crédito, coisas que os pequenos não têm acesso. O  cooperativismo no agro funciona muito bem”.

Em relação às pastagens, há aquelas que não estão operando nas condições ideais, seja pela degradação ou pelo baixo rendimento. “Com tecnologias já disponíveis, é possível  melhorar a produtividade ou ocupar as áreas com lavouras para que sejam melhor utilizadas. Para um melhor resultado, também é importante compartilhar o conhecimento”, ressalta.

Para uma produção mais sustentável, o sistema de Integração Lavoura e Pecuária (ILP) e em áreas que seja possível a integração também das florestas pode ser uma opção interessante. 

Outra técnica que traz resultados é o plantio direto. O uso da palha, além de manter a umidade do solo, serve como fertilizante, reduzindo a demanda pelo nitrogênio.  

“O Brasil tem um papel muito relevante na produção de alimentos, mas, sozinho, não vai conseguir alimentar os 10 bilhões de pessoas até 2050. É importante frisar que segurança alimentar não é só quantidade de alimento, de produção, tem que ter distribuição, acesso e renda”, conclui.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas