IDEIAS | Produtos agropecuários certificados e o mercado

Há cerca de dez mil anos, o homem deixou de ser nômade, se fixou numa gleba de terra e passou a praticar uma agricultura ainda bastante rudimentar. O padrão de consumo se limitava aos poucos produtos que cada família ou tribo conseguia produzir, além daqueles extraídos da natureza.
Se, há muito tempo, os produtos eram comercializados e consumidos no local de produção ou próximo dele, o desenvolvimento da agricultura combinado com uma grande expansão no padrão de consumo fez com que os produtos agropecuários consumidos mundo afora tenham sido, cada vez mais, produzidos noutras regiões ou estados e, muitas vezes, noutros países ou continentes.
Também as preocupações mundiais mais recentes com questões de segurança alimentar e a conscientização para um consumo sustentável passaram a demandar informações sobre as condições de cultivo, acondicionamento, transporte, industrialização, armazenamento e distribuição desses produtos. Numa agricultura globalizada, era preciso reduzir as incertezas e insegurança no consumo de um produto.
Segundo a ABNT, “certificação é um processo no qual uma entidade independente (3ª parte) avalia se determinado produto atende às normas técnicas. Essa avaliação se baseia em auditorias no processo produtivo, na coleta e em ensaios de amostras”.
O que a ABNT define como Normas Técnicas consiste no habitualmente chamado de Código de Conduta (ou, simplesmente, Check List) nas certificações agropecuárias.
As certificações para produtos agropecuários geralmente optam por certificar a sustentabilidade socioambiental e econômica (assegurando a responsabilidade social e ambiental do processo produtivo e buscando a rentabilidade) e/ou a qualidade intrínseca do produto (assegurando certo sabor ou outra qualidade) e/ou a origem (vinculando o produto a um determinado lugar de produção). Essas dimensões podem ser exigidas em diferentes graus, a depender da filosofia e dos propósitos de cada certificadora, bem como dos nichos de mercado pretendidos.
As Normas Técnicas de uma determinada certificação são desenvolvidas segundo definição da própria entidade que a propõe. Caberá ao mercado consignar (ou não) valoração diferenciada ao selo correspondente, demandando e valorizando os produtos certificados sob aquele selo.
Os objetivos de um produtor quando procura por uma certificação são variáveis e vão desde uma simples e elevada postura cidadã, passando por minimizar o risco de autuações nas áreas ambiental e trabalhista e por melhoria nos processos de gestão para maior competitividade. Entretanto, legitimamente, o propósito da grande maioria é agregar valor ao seu produto, até porque geralmente ocorre aumento de despesas.
Se, mesmo em tempos de mercados ditos mais exigentes, a grande maioria de produtos agropecuários comercializados no mundo não tem certificação, significa que, salvo em nichos, não tem havido restrição importante de acesso a mercados para os produtos não certificados. Um mercado exigente autoriza pressupor sua disposição em pagar maior valor a produtos que carreguem os atributos que ele demandou ou, por outro lado, limitar o acesso a ele de produtos não certificados.
Soma-se a isto uma já antiga discussão sobre o grau de transparência que os diversos segmentos de uma determinada cadeia adotam na transferência dos prêmios pagos pelos consumidores até chegarem aos produtores.
A complexa relação que envolve a certificação de produtos agropecuários com componentes de natureza legal, conceitual ou filosófica, mas também mercadológica, indica que ainda existe um caminho a ser percorrido para um melhor clareamento e possível alcance de uma situação mais consolidada.
Excetuando-se os casos em que os produtores almejam objetivos não econômicos, que são igualmente legítimos e importantes, mas que representam tímida minoria, é desejável um reposicionamento dos consumidores e também dos demais segmentos do mercado para que certificação deixe de ser exceção e se consolide como norma.
Do ponto de vista puramente mercadológico, um efetivo prêmio aos produtos certificados e/ou alguma restrição de acesso aos mercados para os mesmos produtos não certificados podem significar o diferencial para esse clareamento, com possível reposicionamento de preços entre produtos certificados e não certificados. É assim que os mercados funcionam, e, em algum momento, essa escolha certamente precisará ser feita, sob risco de expressiva retração na oferta de produtos agropecuários certificados.
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