Lúpulo mineiro: a caminho de ganhar o País
O mercado crescente das cervejas artesanais em Minas Gerais está estimulando toda a cadeia produtiva. No Estado, que tem produções tradicionais como o café e os queijos, uma nova cultura vem ganhando espaço. Com clima e solo favoráveis, a produção de lúpulo já é uma realidade e as estimativas são muito favoráveis. Com estudos e desenvolvimento de tecnologias próprias, a Mundo Hop, em Mateus Leme, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, vai produzir, em 2023, 15 toneladas de lúpulo, colhidas de 10 mil plantas. Para o ano que vem, a área em produção será mais que dobrada.
De acordo com Gabriel Purri, que, juntamente com o sócio Thiago Fenelon, fundou a Mundo Hop, o lúpulo é uma cultura que ainda tem uma produção pequena no Brasil e Minas Gerais desponta nesse cenário. Com o crescimento do mercado de cervejas artesanais e o desenvolvimento de técnicas que permitem o cultivo, a cultura tende a se expandir.
Purri explica que a produção na Mundo Hop começou em 2019, estimulada pela oportunidade de negócio, já que o lúpulo usado no País é 90% importado, e também por ele e o sócio gostarem da cerveja artesanal. O início foi difícil, uma vez que não existiam no País máquinas, tecnologias e insumos apropriados.
Ao longo dos anos, eles investiram em pesquisas, desenvolveram tecnologias e fizeram diversos testes, incluindo o replantio do lúpulo, utilizando variedades mais adaptadas às condições.

Na unidade produtiva foi construído e implementado um sistema de irrigação de ponta. Uma colheitadeira de alto nível foi importada da Alemanha e instalados LEDs para regulação da iluminação em campo aberto.
Sem modelos disponíveis, foi projetada e construída uma secadora e desenvolvida uma nova peletizadora de lúpulos. As adequações permitem que a Mundo Hop produza sete variedades de lúpulo: Comet, Cascade, Chinook, Saaz, Triumph, Triple Pearl e Zeus.
Cerca de R$ 3 milhões foram aportados no desenvolvimento da produção e, hoje, os fundadores da Mundo Hop já colhem resultados positivos.
“Existe uma grande demanda de lúpulo por parte das cervejarias. Nossa ideia era desenvolver um modelo de produção que realmente conseguisse levar um lúpulo fresco e de qualidade para as cervejarias. Em 2019, fizemos o teste em um hectare, enfrentamos muitos desafios e buscamos as soluções adequadas. Em 2021, arrancamos todos os pés e plantamos novas cultivares. Descobrimos que o lúpulo precisa de luminosidade para se desenvolver e passamos a iluminar os campos, o que tem dado certo”.
Hoje, a Mundo Hop tem 4 hectares plantados, que são responsáveis por uma produção que gira em torno de 15 toneladas ao ano. A colheita é escalonada e acontece três vezes ao ano, o que garante uma oferta constante e um produto fresco destinado às cervejarias.
“A gente quer produzir em escala e oferecer um produto fresco ao mercado, que compra cerca de 90% do lúpulo do mercado externo. O lúpulo chega ao Brasil com mais de um ano produzido”, explica Purri.
Com o lúpulo da Mundo Hop chegando ao mercado sempre mais fresco, um dos resultados é visto na produção das cervejas, que ganham mais qualidade.
“Em Minas, é possível colher três vezes no ano pelo clima e nossas adaptações, como o uso da iluminação no inverno, que tem dias mais curtos. Estamos escalonando os quatro hectares e pretendemos colher entre janeiro e fevereiro, maio e junho, e em setembro e outubro”, aposta.
A boa expectativa de mercado, já que algumas cervejarias já produziram a bebida com o lúpulo da Mundo Hop e aprovaram, é ampliar a produção. Para 2024, a projeção é passar dos atuais quatro para 10 hectares.
“O mercado vem melhorando muito nos últimos meses. Ainda há um preconceito de que não é possível produzir lúpulo no Brasil, resultado de testes anteriores que não geraram resultados positivos. Mas estamos rompendo essa barreira. Vamos produzir em volume e ofertar o lúpulo o ano todo. Isso é importante para atender a escala das cervejarias maiores, que precisam da oferta regular para construir as receitas. As cervejarias estão testando e estão gostando. No momento, várias estão fechando contrato com a gente”, explicou Purri.
Entre as cervejarias que já utilizaram o lúpulo da Mundo Hop estão São Sebastião – a primeira a produzir com o lúpulo mineiro -, Capapreta, Caraça, Krug Bier, Viela, Tarin e Verace.

Capapreta: resultados “impressionantes”
Há 10 anos produzindo cervejas, o sócio da Cervejaria Capapreta, Lucas Godinho, está apostando no lúpulo brasileiro. Até o final do ano, ele pretende substituir 95% do lúpulo importado pelo produzido na mineira Mundo Hop. A empresa, que tem sede no bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, importa o produto da Europa e dos EUA.
“O lúpulo sempre foi um desafio porque é um insumo que dependemos da importação, que era 100%. Existe um mito de que o Brasil não poderia produzir lúpulo em escala, mas estão rompendo o mito com tecnologia, pesquisa e muito trabalho. Estão tornando a produção uma realidade. Há menos de três meses, conheci a fazenda Mundo Hop e fiquei surpreendido. Vi as plantas, a produtividade, a capacidade de produção. Saí de lá com lúpulo no carro e, no dia seguinte, já estava produzindo a cerveja”, conta.
Ainda segundo Godinho, que firmou parceria com a Mundo Hop, na cervejaria está sendo realizada uma série de substituições, e a ideia é priorizar os produtos nacionais. A troca só não será total por algumas receitas demandarem lúpulos específicos e importados.
“Vamos substituir o que é possível. Já temos seis cervejas com o lúpulo da Mundo Hop, e os resultados são impressionantes. O frescor é um grande diferencial. O lúpulo colhido na sexta, entra para a linha de produção na segunda. É um frescor incrível se comparado com o lúpulo importado. Compramos dos Estados Unidos e da Europa e o produto chega aqui com dois anos e congelado”.
Além da melhor qualidade, Godinho explica que é importante valorizar os produtos brasileiros, principalmente o mineiro.
“A produção mineira vai ser revolucionária, vamos apoiar e incentivar. Estabelecemos o compromisso de trocar todo o lúpulo que for possível e está sendo muito legal. Estamos criando cervejas novas para explorar os mundos e sabores. É um movimento forte e acredito que não faz sentido não apoiar a cadeia, a cerveja sustentável apoia a comunidade local, a tecnologia, a pesquisa”, aposta ele.
Em relação aos custos do lúpulo brasileiro, Godinho explica que o preço se equipara ao internacional. As cervejas produzidas com o lúpulo do Brasil já estão nos bares da marca, localizados na Savassi, no Vila da Serra e no Buritis.
71 KM: primeira cerveja com a Hop
O mestre cervejeiro e um dos sócios da Cervejaria São Sebastião, com produção em Nova Lima, Augusto Franco, também está apostando no uso do lúpulo nacional na fabricação das cervejas.
Ele foi o primeiro a utilizar o lúpulo da Mundo Hop. Da fazenda à fábrica, são apenas 71 quilômetros, distância que deu nome à primeira cerveja fabricada com o lúpulo da Mundo Hop pela São Sebastião: a 71 KM.
“Nós, da São Sebastião, sempre tivemos um olhar para insumos brasileiros que, no caso do lúpulo, era um sonho distante. Sempre utilizamos produtos nacionais para dar característica às nossas cervejas, como rapadura, manga, entre outros”.

Franco explica que a primeira experiência foi feita com 12 quilos de lúpulo. A cerveja foi lançada no bar Odeon e foi bem aceita. “Foi sucesso, vendemos tudo em menos de três semanas. Foram cerca de 1,2 mil litros de chopp”.
A diferença no sabor da cerveja com o lúpulo nacional foi conquistado, segundo Franco, devido ao maior frescor, diferencial que o produtor internacional não oferece.
“Usamos 99% do lúpulo vindo dos EUA e da Europa. O produto que chega aqui foi colhido há pelo menos 1 ano e foi transportado por três meses em navio. Não tem como comparar com o frescor de lúpulo produzido a 71 quilômetros da nossa cervejaria”.
A expectativa de Franco é que a produção nacional do lúpulo cresça e se diversifique, porque ainda há uma diversidade pequena frente à demanda do mercado. Além da Mundo Hop, são usados na cervejaria lúpulos de fornecedores do Sul de Minas e do interior de São Paulo.
“Vamos substituir aos poucos. No mundo, são mais de 100 variedades de lúpulos e cada tem uma características única de terra, de clima, no sabor cítrico, frutado, floral, terrosos e que remetem a baunilha. Fazemos as misturas para chegar a composições de sabor”, acredita o cervejeiro.
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