Agronegócio

Mineira assume OIC com missão de renovar e aproximar entidade do consumidor

Mineira assume OIC com missão de renovar e aproximar entidade do consumidor
Crédito: BSCA/Divulgação

A nova diretora-executiva da Organização Internacional do Café (OIC), a brasileira Vanusia Nogueira, terá como desafio promover a reestruturação e a modernização da OIC. Primeira mulher a ocupar o cargo, a mineira, que é neta e filha de cafeicultores, ressalta que é importante o envolvimento de toda a cadeia cafeeira para o desenvolvimento sustentável do setor.

Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, Vanusia ressaltou que ações em conjunto serão importantes para estimular o consumo de cafés especiais, principalmente, junto aos jovens. O incentivo à produção do café especial e a profissionalização do setor no mundo também serão um desafio. 

No Brasil, Vanusia, que ocupa há 15 anos o cargo de diretora da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), promoveu os cafés brasileiros no País e no exterior, destacando a qualidade e a sustentabilidade da produção. O trabalho foi essencial para a consolidação do produto nacional em parceiros tradicionais e para a abertura de novos mercados para o grão.

A votação que garantiu o posto na OIC a Vanusia ocorreu durante a 131ª Sessão do Conselho Internacional do Café. A decisão foi tomada pelos países-membros do principal organismo global cafeeiro nos dias 9 e 10 de fevereiro.

Vanusia Nogueira é Doutora em Administração, com ênfase em Marketing, pela Universidade Nacional de Rosario (Argentina). Formada em Tecnologia da Informação (TI) e Gestão pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), possui ainda mestrados em Gestão e em Gestão Avançada de Projetos pela Fundação Getulio Vargas (FGV), além de inúmeros cursos internacionais de especialização em Finanças, Gestão de Relacionamentos (CRM), TI, entre outros, concluídos nos Estados Unidos, Alemanha e Brasil.

Ao longo de sua carreira profissional, você imaginava ou se preparava de algum modo para ocupar o cargo máximo do principal organismo intergovernamental do setor cafeeiro?

Nunca pensei neste tipo de cargo, nunca cogitei a possibilidade de estar em uma posição como esta. Sou filha e neta de cafeicultores do Sul de Minas, mas tive toda carreira na área de consultoria, minha especialização foi em TI e depois gestão e marketing. Fiquei muito tempo fora. Há 20 anos, voltei para Minas Gerais, entrei no mundo do café e me apaixonei. Fui fazendo um trabalho dentro de crenças e princípios meus e tive apoio muito grande da BSCA e liberdade para atuar. Felizmente, as ações deram certo e trouxeram uma projeção muito grande para o café brasileiro lá fora. Ao longo dos anos, também estimulei os produtores a buscarem qualidade. Hoje vemos isso com muita naturalidade e produtores em busca da qualidade, mas há 15, 20 anos atrás não era assim, era um trabalho de minoria.

Qual o seu plano de atuação frente à OIC? Recebeu muito apoio do setor produtivo brasileiro para a candidatura à diretoria-executiva?

Penso que a OIC precisa ter uma forma diferente de trabalhar, precisa ser menos burocrática e trabalhar mais com o mercado, mais próxima do consumidor. Foi por este pensamento que os presidentes de cooperativas tiveram a ideia de me indicar ao cargo logo quando o atual brasileiro que está à frente da OIC comunicou que sairia este ano. Foi um susto danado porque meu negócio é ir ao mercado, às feiras, bagunçar junto com os baristas. Mas, segundo eles, é o necessário no momento atual. A OIC precisa de uma renovação. Conversei com minha família e recebi o apoio para testar meu nome, principalmente, da minha mãe. A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, me apoiou e o presidente Jair Bolsonaro referendou junto com o Itamaraty. Foi uma surpresa muito grande quando colocaram meu nome lá fora e a aceitação foi muito boa. Foi um processo muito longo, quase um ano, e resultou na minha eleição. 

Você pretende desenvolver estratégias para estimular o aumento do consumo, a melhoria da qualidade dos cafés no mundo e as condições dos cafeicultores? 

Acho que precisamos estimular o consumo, trazer essa pegada dos cafés especiais, da qualidade, para o mundo das commodities também. O café precisa se transformar em uma coisa legal, gostosa para a juventude como um todo. São eles que vão  manter o consumo do produtor. Então temos que estimular cada vez mais isso,  buscar formas de consumo. A partir disso, a gente vem de trás pra frente trazendo mais rentabilidade aos produtores. Na ponta do produtor, acho que é importante trabalhar a lição de casa com outros cafeicultores do mundo, uma lição que já fizemos no Brasil que são o profissionalismo e o menor custo de produção, através da produtividade, através de uma racionalidade da produção. De sair do lado romântico de que está no café porque é uma herança de família e passar a ser algo do tipo: estou no café porque é um negócio bom, rentável e que eu gosto. Já fizemos bastante isso no Brasil, mas é preciso levar para outros países produtores que ainda não fizeram. Isso é importante para que todos cresçam.

Como planeja avançar  nos temas da sustentabilidade social e ambiental tão cobrados pelos países compradores  e da sustentabilidade econômica dos produtores de café?

Acho que a veia da sustentabilidade é um lado que não tem mais para onde fugir. Precisamos dos três pilares (ambiental, social e econômico) e incluindo agora o conceito de governança do ESG. A gente tem que ser profissional, cuidar do meio ambiente, cuidar do social – que é muito a questão de relação de respeito, da inclusão e aceitação por todos -, e temos que estar buscando, obviamente, preços e condições justas para uma vida digna em todos os elos da cadeia, pensando no produtor e também lá na outra ponta, no barista, por exemplo. Temos que pensar em todos os elos porque é assim que a cadeia vai crescer, caso contrário, ela sucumbe e não é o que a gente quer. A pegada dos baristas, das cafeterias traz uma questão da atratividade do jovem, que é absurdamente importante.

Após a eleição, você disse que entre suas atribuições estarão a reestruturação e a modernização da OIC. Sendo assim, quais os principais desafios esperados neste início de trabalho como diretora-executiva da organização?

O desafio é o engajamento de todos e fazer com que a reestruturação e modernização sejam, realmente, dinâmicas e leves. Gosto de ver o lado bom, não o lado triste e chato, claro que sabemos que ele existe, mas precisamos continuar buscando renda para o produtor. Isso precisa ser uma coisa leve, que seja tratada de forma tranquila até para que a gente consiga fazer com que o consumidor se engaje nisso e se envolva no processo. Queremos que todos caminhem juntos; não pode ser de uma forma burocrática e chata, que não atrai os jovens.  

Como você avalia a gestão do agora ex-diretor-executivo da OIC, o também brasileiro José Dauster Sette? Será dada sequência em algum projeto iniciado por ele em seu mandato?

Acho que o Sette pegou e teve um desafio enorme ao assumir após a morte repentina do  Robério de Oliveira Silva. Então, foi um processo supercomplicado porque não houve transição. O Sette assumiu e ainda enfrentou o “problemaço” da pandemia de Covid-19. Para uma instituição que trabalha e tem como missão o diálogo entre todas as partes e todo mundo aprendendo a fazer diálogo por Zoom, foi tudo mais complicado. A economia no mundo está estagnada, isso trouxe dificuldades orçamentárias muito grandes para a instituição. Mas, dentro disso tudo, ele conseguiu estruturar a força-tarefa para trabalhar e dialogar junto aos governos, ao setor privado, às ONGs e toda a sociedade civil. Todos entraram neste diálogo. É um trabalho já iniciado e que começa a engrenar. Vou pegar e seguir em frente. 

O José Dauster Sette iniciou o processo de atualização do Acordo Internacional do Café (AIC). Qual a importância desta atualização e como dará segmento? 

O último Acordo Internacional do Café foi feito em 2007 e ele precisava ser atualizado e modernizado, e, agora, a gente consegue fazer com que ele começasse a ser trabalhado em formato diferente e para atender a nova realidade. O mundo mudou muito, o próprio negócio do café mudou e, isto tudo, precisa ser atualizado. Este acordo internacional é meio que a Constituição do café, ele que rege o setor. Estamos fazendo este trabalho e, se tudo der certo, o Sette já deixa uma versão do acordo bastante encaminhada ou até mesmo aprovada pelos países-membros. Sendo aprovada pelos países-membros no âmbito da OIC, ela precisa ser aprovada em todos os parlamentos. Não é um processo simples, porque tem que passar pelos congressos de todos os países, mas temos um tempo  para ser feito e ele já vem com um perfil novo, diferente, mais moderno, envolvendo o setor privado, a sociedade civil. Juntando todos aos governos.

O setor cafeeiro vem passando por uma grande transformação no mundo e também no Brasil com os cafés especiais trazendo um novo conceito para o consumo do grão. No País, você fez parte deste processo como diretora da BSCA por 15 anos. Como você vê essa mudança e de que modo ela influencia a cafeicultura brasileira?

Todo mundo está em busca dessa qualidade e do processo de profissionalização que fizemos no Brasil. O que mais ouvi após ganhar a votação foram os embaixadores pedindo para que eu fizesse pelos demais países o que eu fiz pelos produtores brasileiros. Acho que não existe reconhecimento maior que este, de todo mundo falando bem da nossa produção de café lá fora. Na busca pelo café especial, o produtor eleva o patamar de qualidade de forma geral, conseguindo vender melhor, ter preços melhores e ter melhor rentabilidade.

Apesar do mercado em expansão, a cafeicultura brasileira e a mundial enfrentam muitos desafios do ponto de vista financeiro e dos eventos climáticos, cada vez mais severos. Como sua gestão pretende contribuir para assistir os produtores de café, desde os pequenos até os grandes cafeicultores?

O que podemos fazer e o que uma organização como a OIC faz é exatamente juntar todos os envolvidos e verificar quais são os grandes problemas, onde estão sendo necessárias soluções e aí buscar recursos para viabilizar estas soluções. Agora, isso tudo, pra mim, tem cara de projetos, que precisa ter estrutura e recursos financeiros. Tem como investir, mas também tem objetivos e metas a serem cumpridas. Sempre trabalhei assim e vou continuar assim. Tem que ser tudo com muito profissionalismo. Vai conseguir ter investimento à medida que mostrar que está conseguindo ter resultados. Dinheiro a fundo perdido é, pra mim, assistência social e isso não pode. Se queremos ser produtores e andar de cabeça erguida e mostrando que sabemos fazer negócios temos que ser tratados de outra forma. O Brasil é privilegiado nesta questão, já que os produtores contam com os recursos do  Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé).

Na sua opinião, qual é hoje o status, em termos de grãos especiais, da cafeicultura mineira/brasileira perante outros grandes produtores de cafés como a Colômbia, Etiópia, entre outros?

A gente está muito bem, claro que tem espaço para melhorar. Costumo dizer que quem fala mal do café brasileiro é quem não quer pagar direito ou não conhece. Quem entende e sabe, não fala mal da gente. Estamos muito bem. 

Tomando por referência hoje, quais as principais metas você espera alcançar ao fim de sua gestão com êxito?

Quero aumentar a representatividade da OIC, para que ao final dos cinco anos a OIC esteja, realmente, representando todo mundo que produz e consome o café. Que a gente tenha pessoas do mundo inteiro participando dessas ações e dos movimentos para estarmos melhorando o consumo de café, crescendo o consumo no mundo para que todo mundo esteja participando cada vez melhor. 

Filha e neta de cafeicultores, quando você percebeu que o café poderia ser um caminho profissional a ser seguido? Já existia uma paixão anterior pela cultura devido à história de sua família?Eu vivo o café desde antes de nascer. Meu pai foi funcionário do antigo Instituto Brasileiro do Café, então, desde pequenininha vivo o café nas fazendas dos meus avós, com meu pai dentro deste contexto. Me lembro que quando pequena ia para a fazenda dos avós maternos em Santa Rita do Sapucaí passar as férias de julho, bem na época de colheita. A diversão era rodar café no terreiro para poder esquentar, já que era muito frio. Sempre foi isso. Mas, como sempre acontece, sou parte da  história que a gente vê na imensa maioria das famílias, que na  adolescência fui embora para estudar e não queria mexer com café. Estudei fora, trabalhei fora e, quando voltei, em 2002, a ideia era fazer um período sabático. Saí da sociedade da empresa de consultoria, recebi minha parte e saí falando: estou aposentada. Decidi plantar as flores e fui a Varginha visitar o porto-seco para exportar. Lá encontrei o presidente do Porto Seco, Cleber de Paiva, e conversei que queria exportar flores. Ele ouviu atentamente e disse que não tinha nada do que eu precisava, mas que o café estava precisando de mim. O café precisava de conhecimento do mundo do Marketing para achar nichos de mercado, já que a saca era vendida em torno de R$ 90. Ele me convenceu a mexer com o café. Passei a conviver com todos os amigos do meu pai profissionalmente e fui crescendo no processo. Deu certo. Fui muito bem aceita pela geração mais antiga. Tive a oportunidade de  trazer ideias novas e, dessa  experiência, o café virou um  vício.

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