Agronegócio enfrenta desafio na sucessão familiar

A sucessão familiar nas propriedades rurais ainda é um desafio. A organização do processo e a tomada de decisão em conjunto sobre o futuro da administração dos negócios é importante para a preservação patrimonial e para a redução de custos tributários. Dentre os desafios para que a sucessão ocorra está o receio dos fundadores e muitas vezes a falta de interesse dos herdeiros. Mas, é importante manter um diálogo aberto entre os familiares para incluir a nova geração, treinar, atualizar e evitar decisões que prejudiquem os negócios.
A advogada especialista em Direito do AGRO e planejamento sucessório na Advocacia LMR, Natacha Lima, explica que o processo de sucessão ainda é pouco trabalhado nas propriedades rurais, principalmente, nas unidades de pequeno porte. Mas, para que o patrimônio conquistado ao longo de muitos anos não se perca, é importante que os fundadores e herdeiros planejem juntos todos os detalhes.
“A sucessão familiar é um assunto atemporal. No agronegócio nós falamos de sucessão porque a estrutura de de empresa familiar é muito utilizada. As famílias constroem um patrimônio, se preocupam com a administração, mas têm dificuldades de realizar a sucessão ou não se preocupam com isso. Mas, é importante organizar a propriedade e adotar medidas de economia, proteção e segurança jurídica, profissionalização e a gestão da propriedade como um todo”.
Natacha explica que o planejamento sucessório consiste em uma avaliação e elaboração de um plano estratégico.
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“O objetivo é elaborar um plano estratégico para preservação do patrimônio e a transferência da titularidade para uma nova geração. Obviamente, este plano é direcionado por um estudo de viabilidade que engloba a análise e organização do patrimônio, firmar questões por meio de protocolo familiar e, quem sabe, a organização de uma gestão de uma empresa familiar, uma holding”.
O processo, muitas vezes, causa receios no fundador, que trabalhou durante muito tempo na propriedade e terá que “passar” a gestão. Mesmo com receios, a elaboração de um planejamento evita danos.
“Muitas vezes, o planejamento evita perdas, até mesmo com custo excessivo para fazer um inventário, que já é desgastante financeiramente e emocionalmente. Com o planejamento, o produtor rural poderá definir o que ele vai querer a longo prazo, não precisa passar para os herdeiros no momento do planejamento. O preparo da nova geração para dar continuidade ao legado só traz facilidades e prosperidade aos negocios”.
Outro desafio está ligado aos jovens, que muitas vezes não têm o interesse de atuar no mesmo segmento dos pais e dar continuidade aos negócios. Durante o planejamento da sucessão, isso também é discutido e alternativas podem ser adotadas.
“O planejamento sucessório também discute a próxima gestão, que pode ser definida entre os herdeiros mesmo ou muitas vezes pode-se pensar na terceirização dos trabalhos”.
Natacha explica ainda que a adoção do planejamento sucessório ainda é pequeno no setor agropecuária e que a maior parte dos processos acontece nas grandes empresas do setor.
“Os principais produtores do Brasil hoje já vem fazendo o planejamento sucessório. Estas empresas já contam com um conselho deliberativo. Mas, ainda é pouco. Um estudo da Fundação Dom Cabral, onde foram ouvidas cerca de 210 pessoas, mostrou que mais de 70% das famílias ainda não têm conselho de família formado. Então é uma questão que a barreira ainda precisa ser quebrada. Para isso, é fundamental o diálogo aberto entre familiares para incentivar que os herdeiros conheçam o negócio, para que possam acrescentar e até mesmo definir questões. Incluir a nova geração, treinar e atualizar será importante para evitar decisões equivocadas e até mesmo prejuízos”.
Exemplo na Zona da Mata
Despertar o interesse dos jovens pelas atividades desenvolvidas pelos pais e aceitar a participação e ideias é importante para que possa haver um plano de sucessão familiar. No Sítio Can Can, em Canaã, na Zona da Mata de Minas Gerais, Sarah Carolina Lopes, filha de Sebastião Assis Lopes, já está bastante envolvida com os negócios da família. A mãe, Maria das Dores Lopes, é responsável pela administração da casa, e a irmã de Sarah, Sofia Gabriela Lopes, que está cursando o ensino médio, também já ajuda na produção. O trabalho em conjunto tem sido importante e promovido a melhoria da produção, diversificação dos itens e tornado os processos mais sustentáveis.
Sarah explica que desde criança, sempre esteve presente no Sítio, mas o interesse pelas atividades começou apenas em 2020, após o início da pandemia de Covid-19. Fazendo faculdade de Educação Física, Sarah passou a ter aulas online e também a visitar com maior frequência o sítio da família, acompanhando o pai. Após concluir o curso, Sarah passou a se dedicar totalmente à produção na unidade.
“Estava isolada em casa por conta da pandemia e somente o meu pai saia. Comecei a ir para a roça com ele e gostei. Me interessei pela produção, pelos processos, ficava andando atrás do meu pai e aprendi com ele. Me encantei com a colheita do café e passei a participar da lavagem do café, aprendi a dirigir trator, ajudava virando saca. Encontrei um grande prazer em trabalhar na lavoura. Foi uma delícia”.
Desde então, Sarah tem se dedicado na lida junto ao pai. Ela fez diversos cursos voltados para a cafeicultura, gestão, produção de peixes, pitaya, morango entre outros.
“No Sítio, hoje em dia, vejo evolução muito grande. Meu pai começou com café e a granja, e hoje estamos melhorando cada vez mais. Renovamos nossa granja que ficou toda moderna e ampliamos a capacidade para 30 mil frangos. Temos a produção do café, meu pai plantou mais 45 mil pés. Com os meus cursos, ampliamos e diversificamos a produção de peixes. Implantamos o morango. Também investimos no plantio de várias espécies de pitaya. Temos uma horta que minha mãe cuida”, disse.
Sítio Can Can já tem certificação
Um dos princípios que norteiam os trabalhos no Sítio Can Can é a sustentabilidade. Além de uma ampla reserva ambiental, há uma grande preocupação com os processos e com o bem estar dos funcionários, que são considerados, por Sarah, como parceiros amigos. A propriedade conquistou a certificação do programa Certifica Minas Café, programa do Governo de Minas que promove a adoção de práticas sustentáveis, rastreabilidade, melhor qualidade do grão e remuneração.
“Buscamos a sustentabilidade, porque tudo que a gente tem vem do respeito à natureza, ela que nos proporciona a produção.Por isso, a gente tenta trabalhar a sustentabilidade, reaproveitamento de água, sem poluir solo. Com isso, temos produtos de qualidade, puros e saudáveis”.
O objetivo de Sarah é seguir na propriedade, contribuindo e buscando prosperidade para os negócios.
“Estamos realizando minas um sonho, que é ter uma casa no Sítio. Meu pai gostou muito quando decidi me dedicar ao Sítio. Ele construiu tudo e estava preocupado com quem tomaria conta. Hoje em dia, são muitos os casos de famílias que lutam para construir um patrimônio e quando os fundadores morrem vendem e pegam o dinheiro. Para mim, é uma realização muito grande, vou dar continuidade a história. Quero sempre buscar novas tecnologias, fazer cursos, ler artigos que possam me ajudar a realizar o trabalho da melhor forma. A melhor parte disso tudo é estar ao lado da minha família e poder ver o sorriso no rosto de todos e trabalhando para um mundo melhor”.
CEO administra empresa do agro
Outro caso de sucesso é da empresária Lu Romancini, CEO da empresa Romancini Troncos, com sede em Laranjeiras do Sul, no Paraná, e uma das filiais em Uberaba, na região do Triângulo, em Minas Gerais. Primogênita, Lu assumiu o processo de sucessão na empresa junto ao pai, após os dois irmãos abrirem mão dos negócios.
“Sou a primogênita de três irmãos. Meu pai, que hoje tem 71 anos, sempre foi muito tradicionalista e machista. Apesar disso, nos criou para que cada um tivesse a sua formação. Ele sempre disse que não sabia se ia conseguir deixar um patrimônio, que vida de empresário é complicada. Por isso, nunca tínhamos conversado sobre sucessão”.
De acordo com Lu, em 2015, o pai sentiu a necessidade de ter um sucessor, então convidou a filha mais nova que morava na mesma cidade e que já havia trabalhado na empresa. Porém, ela abriu mão. Logo depois, chamou o filho mais novo, que é médico e também não aceitou.
“Fui convidada e pensei por seis meses até que resolvi aceitar. Sou de área completamente diferente, me formei em direito, fiz mestrado em ciências sociais aplicadas e estava atuando com meu escritório e com uma carreira já consolidada em outra cidade. Mudei minha vida para voltar”.
Ainda segundo Lu, no início, o processo foi muito complicado. “Cheguei com ideias totalmente novas, sem conhecer o negócio. Passei um ano estudando para conhecer bem o negócio, enxergando o alcance da empresa, toda a força que a marca tem. Depois desse um ano, passei a ter meu posicionamento a respeito dos mais diversos assuntos, desde criação e lançamento de produtos, questão de marketing, de divulgação, de gestão dos processos dentro da empresa”.
O choque geracional causou uma ruptura na sociedade e, em virtude disso, o pai de Lu adquiriu a maioria das cotas da empresa.
“Após os entraves, os embates, hoje conseguimos encontrar o equilíbrio na relação pai x filha e companheiros de trabalho. A sabedoria vinda da experiência do meu pai hoje se atrela às ideias novas que eu trago e conseguimos chegar num resultado excepcional, com a empresa se consolidando como líder de mercado e dobrando o faturamento em quatro ano”.
Para a empresária, o planejamento da sucessão é importante para a continuidade dos negócios, mas, o mais interessante são os valores repassados de pai para sucessor.
“Ao planejar uma sucessão você tem a oportunidade de dar continuidade não só ao negócio, mas àquilo que ele representa, ao legado. Acho importante o autor da sucessão repassar os valores que aquilo representa, não apenas a parte econômica”, disse.
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