Soja e café não promovem desmatamento

A decisão da União Europeia em aprovar uma nova lei com o objetivo de impedir a compra de produtos ligados ao desmatamento não surpreendeu os produtores de Minas Gerais. A medida é vista como uma forma de dificultar a comercialização dos produtos brasileiros com o objetivo de derrubar os preços. Mesmo diante do endurecimento das regras, produtores afirmam que, a princípio, os embarques não devem ser prejudicados, uma vez que a produção segue cada vez mais sustentável e atendendo à legislação brasileira, que é uma das mais rigorosas do mundo.
Para exportar para os países da União Europeia, com a lei aprovada, as empresas de soja, óleo de palma, carne bovina, cacau, café, borracha e madeira, ou mercadorias que contenham esses produtos deverão adotar um sistema de varredura que abranja as cadeias de fornecimento para continuarem a fazer negócios com o bloco.
O presidente da Associação Mineira dos Produtores de Soja, Milho, Sorgo e Outros Grãos Agrícolas (Aprosoja Minas), Fábio de Salles Meirelles Filho, explica que o setor ainda está estudando a decisão da UE, mas que o posicionamento do bloco não é novidade para o setor.
“Ainda estamos estudando o que se falou e o que se coloca como aprovado. Isso porque o documento na íntegra, oficial, ninguém teve acesso. Tem os dados e os levantamentos que foram propostos nessas reuniões. Mas isso já não é uma coisa muito nova. É uma insistência que vem de alguns países europeus há anos. Na comunidade Europeia foi estabelecida a data de 2020 como limite de desmatamento legal, o ilegal não se discute. Na Grã-Bretanha têm restrições, mas atende toda a legislação e não há questão de desmatamento legal. Tem ainda os Estados Unidos que estão estudando um regramento ambiental, inclusive para eles”.
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Ainda segundo Meirelles, o posicionamento da UE tem como objetivo provocar uma queda de preços dos produtos, medida que pode contribuir para controlar a inflação, que está elevada.
“Na realidade, essa conversa toda da Comunidade Europeia tem como objetivo conseguir baixar os nossos preços. Eles querem comprar o produto a um valor mais baixo já que a inflação está em disparada”.
Meirelles destaca ainda que a UE está tornando as regras para a importação de produtos mais rigorosas em relação às questões do desmatamento, mas dentro do território europeu, em função da crise energética, o desmatamento está avançando para áreas de florestas e de reservas.
“A Europa enfrenta uma crise por falta energia e os países estão comprando energia muito cara. Então, cobram dos outros para ‘tapar o sol com a peneira’. A Alemanha aumentou uma área de extração de carvão gigantesca. Já consumiu o campo na área de agricultura, consumiu algumas cidades e consumiu, agora, uma floresta de 12.000 anos. A França e outros países estão plantando em todos os lugares que podem, inclusive, em áreas de reservas que eles pediram licença. A questão é energética e comercial”.
A nova lei aprovada pela UE, segundo Meirelles, também é uma afronta à soberania brasileira. “A UE afronta a legislação brasileira, porque não há em nenhum lugar do mundo uma legislação tão dura quanto o Código Florestal Brasileirio e nós atuamos sobre ele”.
Meirelles explica que a pressão para a redução de preços já é sentida pelo setor nas negociações junto às tradings.
“No primeiro momento não temos nenhum impacto, porque o documento não chegou ao Brasil. Mas é uma preocupação muito grande porque tivemos a Conferência das Nações Unidas pelo Clima (COP) e já vimos a ação das tradings, mais ou menos, nesta linha. Impondo situações ao Brasil como se fossem senhores do ambientalismo. O produtor rural é o maior ambientalista, pois ele conserva grande parte da propriedade. Ele tem necessidade da preservação das nascentes e da água”.
A sustentabilidade da produção de soja, segundo Meirelles, já foi comprovada e a cultura gera créditos de carbono. Segundo ele, o posicionamento da Europa e das tradings pode estimular que produtores criem suas próprias tradings e passem a comercializar a produção com outros países.
“Nossa função é produzir, mas podemos começar a entrar no mercado internacional e vender os produtos, descartando os grandes tradings. Os países precisam de alimento brasileiro. Então, se eles não querem comprar, vamos sair e vender e não é só a soja, mas uma série de grãos que são plantados como rotação de cultura. Utilizamos o plantio direto, a rotação para dar estabilidade ao solo. Isso aí nos coloca como País de segurança alimentar internacional”.
Ainda segundo Meirelles, atualmente os preços da soja estão gerando margens muito baixas para os produtores, que enfrentam aumento significativo dos custos. A soja é negociada, em média, a R$ 150 a saca de 60 quilos, valor que para gerar lucro deveria estar em torno de R$ 200.
Café
Além da soja, o café também está entre os produtos que podem sofrer restrições com a nova lei europeia que inibe a compra de produtos ligados ao desmatamento. Porém, o presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), Silas Brasileiro, explica que as sanções impostas pelo Parlamento Europeu não devem impactar o comércio do café mineiro e brasileiro, já que a atividade não promove o desmatamento.
“Reiteramos que a cafeicultura não promove desmatamento. Muito pelo contrário. Nos últimos anos, avançamos substancialmente na produção sustentável. Hoje, o café regenera áreas, cuida das nascentes, recupera mananciais e preserva as matas ciliares. Portanto, a preocupação com desmatamento do Cerrado e de outros biomas, no caso da cafeicultura, é desnecessária”.
Silas explica ainda que a área utilizada pelo café vem sendo reduzida, fruto do maior investimento em tecnologias que permitem o aumento da produção através de uma maior produtividade.
“No café, nós temos diminuído, inclusive, a área cultivada. Temos investido muito na pesquisa, na ciência, no conhecimento, na tecnologia e, consequentemente, temos produzido mais café. Não temos nenhuma apreensão em relação à lei que impõe sanções sobre o café. Estamos explicando para o mercado – o que é nossa obrigação – como nós produzimos dentro dos princípios da sustentabilidade, respeitando o lado humano, social, a qualidade de vida e o meio ambiente. Portanto, não há nenhuma apreensão por parte de fornecimento de café para o mercado europeu”.
O CNC continuará acompanhando os desdobramentos da ação europeia e julga ser importante as demais instituições fazerem o mesmo.
“Como dissemos desde o primeiro dia, é hora de unir forças e lutar para que o embargo não seja mais político/econômico do que ambiental. O Brasil é o país com a mais rígida lei imposta através do Código Ambiental. Sugerimos que a iniciativa privada e o poder público devam se unir para combater qualquer exagero das sanções impostas”, disse Silas Brasileiro.
Em nota, o diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Matos, explicou que a entidade entende e respeita as crescentes e necessárias preocupações dos mercados consumidores internacionais com as questões relacionadas ao social e ao meio ambiente, mas vê certa preocupação com iniciativas e posicionamentos que fazem menção à cafeicultura brasileira, sem que haja o conhecimento do respeito aos critérios ESG e à Lei Ambiental que a atividade cafeeira nacional possui.
“Ao longo das últimas décadas, o Brasil investiu em pesquisa e tecnologia e, como consequência, a sustentabilidade ambiental se deu por meio da redução de 55% da área cafeeira do País, ao mesmo tempo em que a produtividade foi ampliada em mais de 400%. Mais do que isso, os índices de preservação ambiental estão acima daqueles exigidos pelo Código Florestal Brasileiro, uma vez que, nas regiões cafeeiras do País, são preservados 51,5 mil km2 de Reservas Legais (RL), matas nativas, Áreas de Preservação Permanente (APP), etc. Esse tamanho equivale, por exemplo, a 1,25 vez o território da Suíça”.
Como ação efetiva atrelada à mitigação do aquecimento global, o Projeto Carbono comprovou que a cafeicultura é carbono negativo, retirando da atmosfera 10,5 toneladas de CO2 e equivalentes por hectare com a adoção de boas práticas agrícolas. Mesmo na produção tradicional, a atividade é carbono negativo, retirando 1,63 tonelada.
“Os cafés do Brasil são importante ferramenta para mitigar a emissão de gases de efeito estufa e contribuir para a redução do aquecimento global. Diante desses fatos e de outros exemplos, o Cecafé entende como interessante o exercício da sinergia entre legisladores e parceiros comerciais europeus com governo e cadeia produtiva do Brasil, de forma que seja plausível a absorção da realidade sustentável da nossa produção e, consequentemente, continuarmos sendo importantes parceiros dos mercados consumidores comprometidos com o respeito à governança socioambiental”, finaliza o diretor do Cecafé.
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