Regras fiscais: do Teto de Gastos ao Novo Arcabouço Fiscal – Parte 2

Guilherme Almeida*
Na última semana, falei sobre as possíveis regras fiscais, bem como dos atributos que um bom arcabouço deve possuir – simplicidade, previsibilidade, impositividade e poucas exceções. Conforme prometido, nesta segunda parte do artigo, analisarei o Novo Arcabouço Fiscal e a regra fiscal vigente que será substituída, o Teto de Gastos.
Respeitando a cronologia, começarei pelo Teto de Gastos. Em sua estrutura, a regra era simples: limitava o crescimento do gasto primário da União pela inflação oficial (IPCA) acumulada. Muitos afirmam que o Teto deve ser substituído porque não foi eficaz na conquista do seu objetivo. No entanto, essa afirmação não encontra respaldo nos números. Enquanto o gasto primário federal (gastos gerais, exceto juros da dívida) subiu de 14% para 19,9% do PIB entre 1994 e 2016, em 2021 foi de 18,3%, ao passo que, em
2022, foi de 18,2%. Decerto, interrompeu um ciclo de crescimento anual real médio de 6%.
Essa redução no gasto primário é destacada quando comparamos o desempenho fiscal do Brasil com outros países nos últimos anos (2019 a 2021). O País conseguiu melhorar o resultado primário (diferença entre receitas e despesas excluindo os juros) e teve um dos menores crescimentos na dívida pública em comparação com outros países emergentes.
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Como nem tudo são flores, o principal problema do Teto foi o excesso de flexibilidade, o que reduziu a sua previsibilidade e capacidade de ancorar expectativas em torno da sustentabilidade da dívida. Em geral, tínhamos uma regra simples e previsível, mas que perdeu espaço dado o excesso de flexibilizações, afetando sua impositividade. Ademais, a estrutura rígida impossibilitava que o governo adotasse políticas de promoção do crescimento econômico em tempos de crise, além de inviabilizar programas sociais.
O Novo Arcabouço Fiscal, por sua vez, carece da simplicidade do Teto. No projeto, há regras que estabelecem um limite para o crescimento dos gastos que, por construção, devem crescer menos do que as receitas. Adicionalmente, são definidas metas de resultado primário que demandam aumento da arrecadação. Muitas variáveis, não?
O projeto tramita no Congresso e, até o momento em que escrevo esse artigo, manteve a essência do texto original, mas com importantes modificações. O relator conservou o crescimento real das despesas, ou seja, acima da inflação. O aumento será limitado a 70% do ganho real da receita dos 12 meses encerrados em junho do ano anterior ao da Lei Orçamentária, ou 50% caso a meta de resultado primário não seja cumprida. Esse aumento não poderá ser inferior a 0,6% nem superior a 2,5%. Nesse ponto, o uso da receita realizada de junho, em vez da projeção até o final do ano, traz mais previsibilidade para a regra, o que é positivo. De forma didática, se a receita crescer 3% de um ano para outro, as despesas aumentarão 2,1% (70% x 3%) acima da inflação. Se a meta não for cumprida, o aumento será 1,5% (50% x 3%). Além disso, caso a banda superior do resultado primário seja superada, há um bônus que permite gastos adicionais, no montante excedente, em investimentos públicos. Com a modificação do relator, prevê-se que 70% do excedente possa ser destinado a investimentos, como obras inacabadas, e o restante (30%) ao abatimento da dívida pública, o que é bom.
À medida que os gastos aumentam menos que as receitas, evita-se um crescimento explosivo da dívida, e gera-se uma melhora fiscal. Isso está pautado, porém, no cenário de crescimento da economia e no cumprimento da regra. Como os cortes de despesas estão sendo feitos de forma gradual, o governo estabeleceu metas um tanto quanto ambiciosas de resultado primário, o que exigirá medidas para aumento de receitas.
Outra mudança importante proposta pelo relator é a redução no número de exceções e a adição de gatilhos (penalidades) que entram já no ano seguinte ao descumprimento da meta de resultado primário. Isso significa que, se o governo não cumprir a meta, estará impedido de promover reajustes salariais, por exemplo. Além disso, o governo deve avaliar, a cada bimestre, o comportamento das receitas e das despesas. Havendo risco ao cumprimento da meta fiscal do ano, terá que contingenciar os gastos não obrigatórios por lei. Se ainda assim descumprir, medidas de ajuste serão acionadas no ano seguinte.
No balanço, apesar de a impositividade sobre as despesas ter melhorado após a inserção de contingenciamentos e gatilhos, o Novo Arcabouço Fiscal não é simples, nem previsível. Depende de um bom desempenho da atividade econômica, do aumento de receitas e que se siga à risca as regras. De toda forma, temos um projeto com boas intenções. O desafio será a execução, afinal, o Brasil é bom em traçar regras, mas ruim para executá-las.
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