O que explica a crise do varejo?

Guilherme Almeida*
Americanas, Tok & Stock, Marisa, Amaro. Certamente, esses nomes são familiares para a maioria de nós. Tidas como âncoras tradicionais e símbolos de competitividade em meio a um setor pulverizado, hoje essas marcas passam por momentos difíceis. Para além destas, muitas outras, das mais diversas estruturas, já sucumbiram ou estão prestes a encerrar suas operações. Recuperações judiciais, falências e fechamentos de unidades compõem o novo cenário. Mas afinal, o que está acontecendo com o varejo nacional?
Antes de falarmos da conjuntura atual, é importante entendermos algumas características particulares de um dos setores mais importantes para o Brasil. O varejo nacional apresenta grande diversidade e fragmentação, isto é, uma ampla variedade de formatos e tamanhos de lojas. Apesar da crescente entrada de redes internacionais, o setor ainda é dominado por varejistas locais, que estabeleceram marcas fortes e têm uma compreensão profunda do mercado e dos hábitos de consumo dos brasileiros. Sua relevância é indiscutível: responsável por empregar diretamente 6,7 milhões de pessoas, o varejo é, muitas vezes, a porta de entrada para o mercado de trabalho para muitos jovens.
Nos últimos anos, porém, o cenário tem sido desafiador. Por atuar na ponta, diretamente com o consumidor final, o setor é altamente sensível às variáveis macroeconômicas, como inflação, taxa de juros, emprego e nível de endividamento. Nesse sentido, muitos fatores atuam, de forma coincidente, como obstáculos. Primeiramente, a combinação de endividamento alto e inadimplência da população tem impactado o consumo. Com muitas famílias sobrecarregadas com dívidas, o poder de compra é reduzido, levando a uma queda nas vendas. Para se ter uma ideia, em abril, 78,3% das famílias estavam endividadas. E isso é algo grave? Nem sempre. Ter dívidas não é necessariamente algo ruim, visto que todos nós temos compromissos financeiros. É preciso avaliar as características desse endividamento. E é aqui que reside o agravante: o cenário desafiador tem feito com que muitos desses endividados não honrem suas dívidas, levando-os à inadimplência. Atualmente, quase 30% das famílias estão com o “nome sujo na praça”.
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Esse quadro é agravado pela elevada taxa de juros, que se traduz em um crédito mais caro e dificulta ainda mais a capacidade dos consumidores de fazerem compras parceladas ou adquirirem bens duráveis, como eletrônicos, por exemplo. E esses juros elevados não afetam apenas os consumidores. Muitas empresas, especialmente aquelas que precisaram recorrer a empréstimos quando o crédito estava barato – com taxa próxima a 2% no período da pandemia – hoje encontram dificuldades para honrar os compromissos financeiros contratados e para obter novos recursos de terceiros. Isso se explica pelo aumento substancial da taxa básica de juros, a Selic, que saltou da mínima histórica para os atuais 13,75%. Para ilustrar os efeitos na prática, o custo médio do crédito para o capital de giro, aquele recurso necessário para manter as operações de uma empresa no seu dia a dia, saltou de 7% a.a., em outubro de 2020, para os quase 25% a.a. atuais.
Além dos fatores mencionados, há o desafio estrutural: o “custo Brasil”, uma preocupação constante para o setor. A carga tributária elevada e complexa, a burocracia e a infraestrutura precária, contribuem para o aumento dos custos operacionais das empresas. Esses custos adicionais impactam diretamente na competitividade do setor e limitam a capacidade de oferecer preços competitivos aos consumidores.
Por fim, não poderia deixar de citar a competição desleal com varejistas estrangeiros. Essas empresas, atuando fora do País, conseguem oferecer preços mais baixos devido à ausência de impostos e encargos, colocando varejistas locais em desvantagem.
Enquanto consumidores, muitas vezes vemos vantagem em adquirir, nas plataformas dessas empresas estrangeiras, um produto com relativa qualidade a um preço mais atrativo. Porém, você já se questionou qual é o impacto desse comportamento na economia nacional? Ao optar por comprar de empresas de fora, as nacionais veem sua receita diminuir, o que implica, em última instância, em uma perda de competitividade, no fechamento de pontos comerciais e demissões. Tudo isso pautado por uma concorrência desleal, em que empresas locais arcam com todo o “custo Brasil”, incluindo sua elevada e complexa carga tributária. A solução aqui não se trata de conceder medidas protecionistas, e sim garantir condições semelhantes para uma concorrência justa.
Desta forma, vimos que o setor varejista enfrenta uma crise impulsionada por uma série de desafios multifacetados. Fatores macroeconômicos, estruturais e regulatórios se entrelaçam, colocando em xeque a perenidade dos negócios. Os caminhos para a retomada são longos e dependem de muitos agentes. Resta saber como e quando esses irão agir.
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