“Novo normal” também chega ao mundo dos esportes

Eles são capazes de reunir centenas de pessoas na plateia e milhares e até bilhões – dependendo da ocasião – em frente à televisão. Espetáculo, arte, evento, eles são isso tudo e também paixão. E como toda paixão, os esportes exigem contato.
O isolamento social, imposto como medida preventiva ao Covid-19, de forma inédita, paralisou competições e silenciou as torcidas de todas as modalidades, no mundo todo. A doença foi responsável, até, pelo adiamento dos Jogos Olímpicos em um ano.
Emissoras de TV reduziram a cobertura e, por fim, reprisaram jogos antigos. A julgar pelos foguetes ouvidos pela cidade, a saudade era demais! Mas por quanto tempos as torcidas vão se manter mobilizadas e consumindo produtos licenciados sem jogos? E quantos torcedores se apertarão para entrar em estádios cheios de protocolos de biossegurança para assistir campeonatos locais?
O futebol voltou sem torcida e com jogos suspensos na última hora por contaminação de jogadores. A modalidade, considerada rica e organizada, conta com grandes patrocínios e capacidade de gestão, mas o que dizer dos esportes olímpicos e dos amadores?
O “novo normal” dos esportes promete ser digitalizado. Sendo dessa forma, essa seria a grande chance dos esportes virtuais (e-sports) se tornarem protagonistas e assumirem a preferência dos torcedores/consumidores?
A realidade e viabilidade dos esportes de alto rendimento no pós-pandemia deve alterar a rotina de milhões de trabalhadores no mundo inteiro – de roupeiros a atletas, passando por dirigentes, imprensa especializada até a “tia do cachorro-quente” nas proximidades do Mineirão e do Minas Tênis Clube. E aí, quem vai saber jogar no “novo normal”?
Prejuízo em toda a cadeia é estimado em R$ 1 bilhão
Entendido como uma atividade econômica, o esporte comporta uma imensa cadeia produtiva e é capaz de movimentar cifras astronômicas. Focando apenas o futebol brasileiro, estudo da consultoria EY estima um prejuízo superior a R$ 1 bilhão durante a pandemia.
Para o coordenador e professor da unidade Campinas do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), Artur José Squarisi de Carvalho, a perda de receitas e patrocínios é o que mais preocupa neste momento.
“Há uma quebra de ciclo tanto das atividades esportivas quanto econômicas, atingindo uma cadeia produtiva que envolve marcas, produtos, venda de ingressos, cotas de TV e folha de pagamento com altos salários. O atual momento é marcado por alterações e rompimentos de contratos que, invariavelmente, não têm como serem mantidos. O patrocínio é um dos pilares do esporte e estabelece relação com o marketing de grandes marcas. Na medida em que a economia sofre uma parada como essa, os patrocínios também são reduzidos e, em alguns casos, encerrados. Hoje, sem eventos, não há público, exposição na mídia e, consequentemente, divulgação das marcas”, explica Carvalho.
A retomada gradativa da economia deve trazer os patrocinadores de volta. Eles também precisarão do esporte para alavancar suas marcas e produtos. A estimativa é de que os impactos negativos perdurem por um ou dois anos, mas, à medida que a normalidade se restabeleça, os valores devem voltar a crescer.
“Nesse sentido, as tecnologias de comunicação, como streaming e dispositivos móveis, ganham força. Essas ferramentas deverão suprir algumas demandas que estão reprimidas e, ao mesmo tempo, contribuir para a retomada das atividades esportivas. Para isso, devem usar os meios tecnológicos para torcer por suas equipes e atletas favoritos. Plataformas para levar conteúdo não vão faltar”, pontua o professor.
Essa é também a aposta do agente esportivo Matheus Ornellas. Para ele, as estratégias de marketing dos clubes, ainda muito ligadas às transmissões via também vão ter que mudar. Os clubes terão que desenvolver estratégias para aproximar o torcedor nesses períodos em que a torcida precisa ficar afastada.
“Talvez a gente caminhe para a personalização da experiência. Os americanos da NBA são um bom exemplo. Eles têm uma preocupação em fazer a interação entre clubes, atletas e torcidas. Durante a transmissão você pode acessar informações e comprar produtos relacionados ao seu atleta favorito através da própria TV ou da tela do computador ou celular. Essa tecnologia não é nova, mas no Brasil isso nem engatinha”, destaca Ornellas.
Mudanças na gestão – Além da tecnologia, a gestão do esporte deve mudar como um todo, agregando profissionalização e enxugamento das estruturas. Transferências com valores astronômicos – que acontecem normalmente no futebol – devem se tornar bem mais raras e as categorias de base podem ser mais valorizadas.
“O principal é tornar o esporte mais barato. A saída que vejo é estudar maneiras de melhorar investimentos recebidos. São pagos salários exorbitantes para uma parcela ínfima e a conta não fecha. Investir na base dá retorno e temos que adequar o futebol à realidade do País. Hoje os clubes são dependentes de televisão e a receita pode estar dentro de casa”, avalia.
Missão é tornar atividade segura para equipes e torcidas
Patrimônio da cidade de Belo Horizonte, o Minas Tênis Clube é responsável por algumas das mais emblemáticas páginas de glória do esporte mineiro. Há cinco meses sem receber seus sócios e com as atividades esportivas de alto rendimento paralisadas, deixa órfãos uma legião de fãs e torcedores.
Para o diretor de Esportes do Minas Tênis Clube, Carlos Antônio da Rocha Azevedo – o Rochinha -, a missão que deve ser cumprida imediatamente é tornar o esporte seguro para equipes e torcedores. A adoção de protocolos genéricos e específicos para cada modalidade foi a primeira preocupação do clube. Em termos econômicos, até isso pode gerar novos negócios no pós-pandemia.
“Não adianta termos uma equipe competitiva se não existir uma organização com protocolos que deem sustentação futura para os eventos acontecerem. Eu promovo o atleta e o clube através das competições. A dúvida é sobre qual será o futuro dessas equipes. Teremos campeonatos nacionais e transporte aéreo para levar as equipes? O público vai frequentar os estádios? A mídia terá papel decisivo. Investir em segurança não significa aumento de custos. Daqui a pouco as patrocinadoras vão criar agasalhos antiCovid-19, por exemplo. O esporte é sempre uma vitrine, mas tem que ser feito de maneira financeiramente viável e economicamente responsável. Trabalhamos com a expectativa da volta, mas no Brasil pouco se discute a respeito”, avalia Rochinha.
O papel da comunicação para manter em contato atletas e torcedores e uma maneira saudável e produtiva é uma das preocupações do jornalista e proprietário da Cancha Assessoria de Imprensa, Gilmar Laignier. A empresa é especializada em atender atletas. Segundo ele, na era das redes sociais, é preciso ter responsabilidade e aproveitar o poder de influência dos atletas para causas nobres e promoção da sua marca pessoal e do clube.
“Com a pandemia, vejo que a comunicação esportiva sofreu com a falta de notícias, com a paralisação de jogos e treinos; e com a diminuição de espaço, com repórteres deslocados para a cobertura da pandemia. Não havia como e nem era apropriado colocar o esporte em evidência. Então era hora de fortalecer outros caminhos, sendo o mais óbvio as redes sociais. Os atletas gostam principalmente do Instagram. Hoje conseguir o selo da plataforma é um sonho e equivale ao velho ‘apareci na TV’ para muitos deles. O que tentamos fazer é que os atletas entendam a rede social como uma ferramenta de trabalho e não como um passatempo. Eles têm responsabilidade como pessoas públicas e com o clube e marcas com as quais se relacionam”, explica Laignier.
E-sports ganham um impulso com o isolamento social
Em franco crescimento, os esportes eletrônicos, ou e-sports, ganharam, ainda, mais impulso com jogadores e torcedores trancados dentro de casa. Hoje o Brasil está em terceiro lugar na audiência dos e-sports, perdendo apenas para a China e Estados Unidos. Em 2019 o número de espectadores de e-sports no mundo foi de aproximadamente 453,8 milhões (crescimento de 16,3% em um ano). Já no Brasil a audiência foi de 21,2 milhões espectadores. A expectativa é que esse índice seja superado facilmente em 2020.
Vários países já regulamentam o e-sports como esporte e alguns, inclusive, passaram a regulamentar profissões relacionadas, como Coreia do Sul e China. Malásia, Rússia e Finlândia já aceitam o esporte eletrônico como esporte e a Alemanha está em negociação com o governo.
No Brasil, o esporte eletrônico ainda não alcançou esse reconhecimento. Existem projetos de lei tramitando no Congresso que buscam, através de propostas de definição sobre o conceito da categoria, identificação dos jogadores como atletas, e reconhecimento no cenário desportivo nacional.
Os esportes eletrônicos têm deixado de ser passatempo para se transformar em opção de carreira para muita gente. E foi exatamente o que aconteceu com o ex-piloto de motovelocidade e agora piloto virtual, Carlos Rocha Pássaro. Formado em gestão e marketing e em isolamento social e percebeu a possibilidade de uma nova profissão.
“Escolhi do Gran Turismo por ser extremamente real. Para jogar on-line você tem que ter uma assinatura na plataforma correspondente. Isso me abriu o mundo e comecei a verificar os campeonatos no Facebook e no Instagram. No Brasil tem uns 10 mil campeonatos. Estou Liga Speed Way, com quase 200 pessoas. Funciona como no mundo real, você começa em ‘divisões’ inferiores e a medida que começa a vencer, vai para as principais divisões e campeonatos mais disputados e remunerados. É claro que a pandemia levou muita gente a jogar e que depois terá o esporte eletrônico só como diversão. Mas uma parcela deve se profissionalizar e descobrir que existe espaço para muitas atividades profissionais nesse campo, além de ser atleta”, afirma Pássaro.
Assim como no mundo físico, empresas de todos os tipos se interessam atrelar suas marcas aos eventos de esportes eletrônicos e atletas bem-sucedidos. Disputas de corridas de carros virtuais já atraem muito mais do que montadoras, e empresas de combustíveis e aditivos. E, também, da mesma forma, poucos são os atletas que conseguem contratos milionários, mas eles existem e viram celebridades nacionais e, até, mundiais.
Os dois mundos, claro, se misturam cada vez mais. “Durante a pandemia, sem treinar, os pilotos profissionais entraram em campeonatos virtuais. A própria Fórmula 1 está olhando pilotos virtuais para a corrida real. Especula-se que o Rodrigo Fraga, campeão mundial de Gran Turismo, seja o primeiro. O canal no Instagram ‘Fala Piloto’, do qual sou representante, vai promover uma corrida virtual para pilotos brasileiros e estamos buscando pilotos de campeonatos físicos pontuais que queiram se transferir para o virtual”, anuncia o piloto.
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