A financeirização do mercado residencial
Crescente há anos, a vacância dos imóveis comerciais levava os fundos de investimento imobiliário brasileiros a planejar, para daqui a anos, uma mudança severa na composição de suas carteiras, hoje repletas de imóveis comerciais, a fim de seguirem o modelo de seus pares norte-americanos e europeus, donos de boa parte das residências em suas praças. Quando a Covid promoveu a vacância generalizada de escritórios, os FIIs, sem parte significativa da receita gerada por suas unidades e sem expectativas quanto a uma reversão da tendência, migraram maciçamente para outro segmento em meses.
Por mais que a taxa de juros atual explique o aumento das vendas de imóveis residenciais, é surpreendente que um setor que produz bens tão caros seja o que mais rápido se recuperou em meio a uma recessão. Talvez por isso a migração dos fundos e outros investidores profissionais para esse segmento seja pouco notada. Muitos dos que a percebem são críticos, mas ele traz novas métricas, métodos e tecnologias a um setor que, de diversas formas, é anacrônico.
Uma das faces deste atraso é tecnológica. Disponível há anos e capaz de localizar e elencar unidades por perfis para levá-las a interessados e, assim, reduzir a vacância de imóveis, o big data foi introduzido no mercado só recentemente por startups, que, dentre outras inovações, voltaram-se à oferta de um tipo locação diferente do tradicional, que não atendia à demanda de um perfil de consumidor avesso à burocracia e que, mesmo quando pode, não pretende adquirir um imóvel.
Até agora ignorado por quase todo o mercado, é este público que, pelo seu tamanho, serve de porta de entrada para fundos atuarem no segmento residencial como agentes que, para remunerar seu capital, atuam junto a incorporadoras e construtoras na concepção de novos tipos de ofertas.
Surgem em capitais os multifamily, condomínios que se caracterizam por terem todas suas unidades sob uma mesma gestão, em moldes hoteleiros, e seguem-se anúncios como o da gigante norte-americana Greystar Real Estate Partners, que, com Cyrela e o fundo de pensão canadense CPP Investments, construirá dez edifícios residenciais destinados à locação em áreas nobres de São Paulo.
Para fomentar entregas diferentes das tradicionais que têm demanda identificada, os fundos seguem também para as fontes que viabilizam as obras. Antes procurado apenas por pequenos investidores, o crowdfunding imobiliário possibilita a construtoras e incorporadoras obterem, via reunião de centenas aportes, as cifras necessárias para a execução de etapas de projetos que os financiamentos dos bancos não cobrem. Agora, investidores profissionais ingressam na modalidade, para direcioná-la a empreendimentos que lhe são estratégicos e quem têm demanda identificada.
Acelerado pela Covid, esse movimento traz arbitragem a um mercado onde o que é novo está inflacionado enquanto que bens antigos geram menos valor do poderiam. Como ocorria com seus imóveis onde até pouco tempo atrás funcionavam escritórios e acontece ainda, dentre outros, com galpões logísticos, esses investidores remuneram seu capital a partir da ocupação. Por isso, trazem novas métricas para a análise de indicadores para reduzir a vacância num segmento que, com o êxito nas vendas de lançamentos, segue alheio ao alto índice de desocupação – inferior ao do comercial, mas significativamente elevado. São mudanças que levam o setor a um novo patamar de profissionalismo, que viabiliza o surgimento de um mercado B2B e que estende benefícios a proprietários, compradores e inquilinos tradicionais.
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