Economia

Acordo China-Mercosul pode prejudicar a indústria e favorecer o agro

Confira a análise dos especialistas ouvidos pelo Diário do Comércio
Acordo China-Mercosul pode prejudicar a indústria e favorecer o agro
Com o acordo, máquinas agrícolas seriam facilmente importadas da China pelo Brasil, enquanto as exportações brasileiras para o gigante asiático também se multiplicariam Foto: Reprodução Adobe Stock

O livre comércio entre Mercosul e China pode beneficiar o agronegócio, enquanto a indústria deve ser prejudicada. Além da preocupação já externada pelas próprias lideranças industriais do País na última quarta-feira (25), especialistas consultados pelo Diário do Comércio concordam com os temores, mas ponderam a respeito de limites e prazos que ainda serão amplamente discutidos.

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O professor do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Una, Leandro Terra Adriano, por exemplo, acredita que o temor dos empresários é legítimo, mas lembra que acordos comerciais não são assinados “da noite para o dia”. “O acordo entre Mercosul e União Europeia está em discussão há 20 anos e só agora deve ser concluído”, comenta.

A probabilidade deste acordo acontecer até 2027 é baixa, na visão de Terra Adriano. Em um cenário otimista, “se houver muita vontade diplomática dos dois lados, se demorar três, quatro ou até seis anos já está muito bom”.

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Entretanto, na hipótese desse acordo ser firmado, ele não acredita em uma liberação total de taxas, no esquema tarifa zero. “O que se dá, normalmente, é uma troca de lista de produtos em que as taxas são zeradas e outras reduzidas, em comum acordo, e não necessariamente os mesmos produtos bilateralmente. Cada país apresenta sua lista de maneira a proteger mercados”, explica.

Na situação do Mercosul, que é um bloco com países de economias diferentes entre si, o professor cita a possibilidade de acordo bilaterais. “O Brasil pode participar de forma diplomática em algumas situações, sem dar isenção para determinados produtos”, completa.  

Assim, ele analisa que o processo de desenvolvimento econômico inclui a importação boa e a ruim. Na importação boa, o Brasil importaria maquinário, softwares e bens duráveis dos chineses, que participariam dos processos produtivos dentro das indústrias nacionais. “Teríamos acesso a esses bens com um custo menor e os usaríamos para produzir nossos próprios produtos”, diz.

Já a importação ruim, seria aquela em que o País importaria produtos manufaturados para uso e consumo. “Esse é o grande medo da indústria brasileira. Pois as fábricas não conseguiriam competir com o preço chinês, o que ‘mataria’ a concorrência dentro do Brasil. Esse seria um problema socioeconômico grave”, alerta.

O professor defende que existindo um acordo é preciso acompanhar e estabelecer corretamente quais produtos estariam em pauta, de fato, para não prejudicar as empresas brasileiras. “Politicamente, acho muito difícil que comecemos a zerar tarifas para a China de bens não produtivos ou para produtos de consumo”.

Haja vista o recém-episódio dos produtos de até US$50, em que o comércio e a indústria organizados em suas associações no Brasil, conseguiram colocar uma barreira nesses produtos. 

Setor agrário x indústria

Os benefícios para o setor agrário é o que fomenta a discussão. Especialidade forte do País, o setor é extremamente tecnológico e, como lembra o professor, essas máquinas não são produzidas em solo brasileiro. “Importaríamos esta tecnologia a custos mais baixos”, ressalta.

De maneira complementar e na via contrária, vale lembrar que o grande comprador do agronegócio brasileiro é a China. “As exportações se multiplicariam, seriam mais volumosas e chegariam com preços muito mais competitivos no mercado chinês”.

Trata-se de um conflito de interesses. Mas Leandro Adriano explica que, normalmente, o que é bom para o agronegócio no Brasil, é ruim para a indústria. E o que é bom para a indústria é ruim para o agro. “Tanto em questões de mercado e comércio, quanto em questões de direcionamento de investimentos”, afirma.

Concorrência desleal

A concorrência desleal entre os mercados é o fator que o professor de Gestão e Relações Internacionais do UniBH, Fernando Sette, ressalta como o problema mais importante. Ele defende que apesar do acordo ser bom para o consumidor final, uma vez que pode colaborar para baratear os produtos, a concorrência chinesa é desleal para com os empresários brasileiros.

“A forma de governo não é a mesma; a intervenção estatal é muito maior; e as relações de trabalho são diferentes. Todos esses fatores fazem com que o custo de produção chinês seja menor. A concorrência não é justa”, reforça.

O professor de Ciências Econômicas do Ibmec de Belo Horizonte, Hélio Berni, entende que se as discussões do acordo avançarem, o mesmo não trará benefícios significativos para o Brasil e poderá fazer com que o empresário brasileiro contenha e postergue os investimentos, entrando num compasso de espera. Isso acarretaria, na visão dele, em duas consequências graves no curto prazo.

Haveria um volume menor de criação de postos de trabalho neste período e um impacto negativo na balança comercial, segundo ele. “A balança comercial poderia sofrer uma deterioração”, completa.

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