Adesão ao Open Banking pode ‘flopar’ caso juros realmente não diminuam

Após adiar em quase um mês a segunda fase do Open Banking, de 15 de julho para 13 de agosto, o Banco Central (BC) deu início à etapa em que os brasileiros podem autorizar o compartilhamento de seus dados entre instituições financeiras participantes do novo sistema.
De acordo com informações divulgadas pelo BC, os clientes que aderirem ao sistema financeiro aberto – o Open Banking – poderão “receber ofertas de produtos e serviços adequados ao seu perfil, a custos mais acessíveis e de forma mais ágil e segura”.
Esse benefício, segundo a autarquia federal, resulta em maior competitividade entre as instituições, já que elas não estarão mais limitadas a fazer propostas apenas para seus clientes, mas para usuários de outros bancos.
Spread bancário
Para o professor de economia e especialista em mudanças tecnológicas, Ricardo Machado Ruiz, existe hoje, no país, uma insatisfação em relação às altas taxas de juros para quem toma empréstimo dos bancos. As reclamações se estendem, ainda, àqueles que investem dinheiro nas instituições financeiras e recebem uma determinada taxação pelo aporte. A diferença entre essas taxas é chamada de spread bancário.
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É com esse movimento de captação de dinheiro e empréstimo que os bancos conseguem lucrar. “A população e as empresas que aplicam recursos e tomam empréstimos são a base de lucro dos bancos. Nas crises ou em momentos de crescimento, o spread é sempre considerado elevado, um vilão. Os financiamentos são controlados por poucos bancos de grande porte que dominam o mercado financeiro. Essa concentração bancária é extremamente rígida e elevada. As pessoas e as empresas ficam dependentes dessas poucas instituições financeiras”, explica Ruiz.
Mercado de informações
Ainda para o professor Ricardo Ruiz, essas instituições dominantes definem, por exemplo, quem pode ter acesso a um empréstimo. Com a mudança trazida pelo Open Banking, e que mostrará resultados apenas nos próximos semestres, criou-se agora um “mercado de informações financeiras”, fomentado pelo BC, e que tem como objetivo ampliar o número de instituições financeiras no mercado e acirrar a concorrência em busca de taxas menores.
Nesse sentido, o Open Banking nasce como uma tentativa de melhorar as relações entre as pessoas que tomam empréstimos e as instituições que oferecem crédito aos clientes.
“Antes do Open Banking, essa relação financeira era restrita ao banco do qual o cliente era correntista. Esse banco era o único que sabia o que aquele cliente precisava ou queria. Agora, com a possibilidade de o cliente transferir a informação, outras instituições passam a ver um cliente potencial que antes estava escondido nos registros de determinado banco. E essa nova realidade tende a pressionar o spread bancário e reduzir a taxa de juros”, aponta Ruiz.
Segurança dos dados no Open Banking
“O maior sigilo de dados que existe hoje no Brasil é do Open Banking.” Essa é a análise do professor doutor em direito e membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, Leonardo Netto Parentoni.
Segundo Parentoni, essa segurança no tratamento dos dados bancários se dá, principalmente, por serem informações sigilosas resguardadas até mesmo na Constituição Federal, o que garante a segurança dos clientes que optarem pelo compartilhamento de dados.
“A Lei Geral de Proteção de Dados, por exemplo, prevê que o prazo para autorização de tratamento de dados seja indeterminado. No caso do Open Banking, o prazo é de apenas 12 meses. E, caso o cliente não se manifeste ao final do prazo, o compartilhamento de dados entre instituições será suspenso”, avalia o especialista.
O sucesso do Open Banking
Pioneiro no sistema financeiro aberto, o Reino Unido acumula, desde sua implantação, em 2018, uma adesão de 3 milhões de usuários em meio a uma população de mais de 66 milhões de pessoas. No Brasil, conforme analisa Leonardo Parentoni, o sucesso do sistema irá depender dos ganhos reais para os consumidores.
“O fator chave para o sucesso do sistema no Brasil gira em torno da pergunta sobre o que o titular irá ganhar compartilhando seus dados. Caso haja uma efetiva redução de juros, vamos ter o mesmo sucesso do Pix, porque o consumidor tende a se engajar mais caso tenha alguma contrapartida”, avalia Parentoni.
Ainda segundo Parentoni, se não houver diferença, a adesão ao Open Banking no Brasil será muito baixa, conforme ocorreu, no início, com o Cadastro Positivo. Conforme aponta, a ferramenta antes tinha que ser autorizada pelo consumidor. Depois, com a baixa adesão e a LGPD, o BC entendeu que o cadastro podia ser liberado para todos.
“Daqui a alguns meses, caso o Open Banking não tenha forte adesão, esse pode ser um movimento também do Banco Central. Caso a instituição entenda que o sistema financeiro aberto tem importante função social, ele pode inverter a ordem e incluir todos os brasileiros, com exceção daqueles que se manifestem de forma contrária”, projeta o especialista.
Conforme explica o professor Ricardo Ruiz, a adesão será mais lenta por se tratar de um sistema mais complexo. “Diferente do Pix, no qual a população sabe o destino do dinheiro, o Open Banking deve gerar mais desconfiança por essa complexidade. O Pix gera familiaridade a todos enquanto o sistema financeiro aberto deve ter adesão, em um primeiro momento, para a população de renda mais elevada”, afirma.
Quem pode compartilhar os dados do Open Banking
Vale ressaltar que a fase de compartilhamento de dados cadastrais por parte dos clientes estará aberta até 24 de outubro de 2021, conforme calendário da 2ª fase divulgado pelo BC. Até 12 de setembro, primeiro período que compreende a etapa, apenas 0,1 % dos clientes – pessoas físicas e jurídicas – da instituição de origem dos dados poderão autorizar o compartilhamento das informações por eles consentidas — escalonamento pensado para garantir a estabilidade do sistema e a sinalização de ajustes necessários.
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