Economia

Adoecimento mental no trabalho custa bilhões à economia e causa danos irreversíveis

Problemas de saúde mental já tiraram 4,7% do PIB brasileiro e desafiam empresas a investir em prevenção
Adoecimento mental no trabalho custa bilhões à economia e causa danos irreversíveis
Ilustração gerada por IA

O Brasil vive uma epidemia silenciosa que não é causada por vírus, mas pelas condições de trabalho. A escala do adoecimento mental mostra que os trabalhadores brasileiros estão exaustos, sobrecarregados e desmotivados, o que gera consequências para a saúde física, a qualidade de vida das pessoas e a economia do País.

O último estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) sobre o tema, realizado em 2023, mostra que problemas psicológicos causaram uma perda de 4,7% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, o equivalente a R$ 282 bilhões. A perda no faturamento das empresas brasileiras chegou a R$ 397,2 bilhões por ano, e houve uma redução de 800,7 mil empregos formais e informais no mesmo período.

Globalmente, a perda de produtividade associada a transtornos mentais gira em torno de R$ 1 trilhão por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade também estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos todos os anos apenas devido à depressão e à ansiedade.

Para o médico do trabalho e diretor de Relações Internacionais da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), Ricardo Turenko, o custo de não agir pode ser devastador não só para os trabalhadores, mas também para as empresas. 

Pessoa com fazendo cálculos em uma calculadora
Foto: Adobe Stock

“É fundamental desmitificar a ideia de que a prevenção em saúde mental é um custo. Na verdade, este é um dos investimentos mais estratégicos que uma empresa pode fazer. O custo de não fazer nada, refletido em perda de produtividade, despesas com afastamentos e presenteísmo, é infinitamente maior”, declara. 

A psiquiatra Renata Figueiredo, coordenadora da Comissão de Psiquiatria Relacionada ao Trabalho da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), lista outros exemplos das consequências da inércia: “Para as empresas, os efeitos aparecem em aumento do absenteísmo, da rotatividade e dos custos de substituição”.

Além disso, com a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) em vigor, as empresas podem ser judicialmente responsabilizadas pelo adoecimento de seus empregados. 

É o que explica o advogado trabalhista Conrado Di Mambro, conselheiro seccional da OAB-MG: “Se ficar comprovado no processo que o adoecimento decorreu de alguma condição de trabalho, a norma será utilizada como fundamento para responsabilizar civilmente a empresa pelos eventuais danos morais e materiais sofridos pelo empregado”.

Um ciclo virtuoso para a saúde mental (e para a economia)

Ainda segundo Ricardo Turenko, os benefícios trazidos pela nova NR-1 podem ajudar a criar uma espécie de “ciclo virtuoso”.

“Quando uma empresa gerencia proativamente os riscos psicossociais, as consequências diretas são a redução de novos casos de transtornos mentais, como burnout, ansiedade e depressão. Isso leva a uma queda nos índices de absenteísmo e presenteísmo. Mas vai além, pois um ambiente de trabalho saudável melhora o engajamento e a produtividade dos trabalhadores, melhora o clima organizacional e fortalece as empresas na captação e retenção de talentos”, observa.  O presenteísmo ocorre quando o colaborador está presente fisicamente, mas improdutivo por motivo de saúde ou estresse, impactando a produtividade.

Trabalhadores felizes produzem mais e o mercado de trabalho também colhe os benefícios. 

“A lógica é estratégica: dados consolidados da OMS demonstram que, para cada real investido em programas de prevenção e bem-estar, o retorno sobre o investimento (ROI) pode chegar a quatro reais. Assim, empresas que investem em programas de saúde mental não só cuidam das pessoas, mas também se tornam mais competitivas e sustentáveis”, completa Turenko.

O peso da liderança precoce

Jovem com as mãos na cabeça em sinal de desalento
Foto: Reprodução Adobe Stock

Além de gerar traumas, um trabalho que prejudica a saúde mental pode se desdobrar em doenças físicas irreversíveis. É o caso da advogada Amanda, de 25 anos, que pediu para não ser identificada nesta reportagem e será mencionada por um nome fictício.

Sob o peso da liderança precoce, ela acabou desenvolvendo a síndrome do intestino irritável, uma doença crônica. Mas melhorou consideravelmente após deixar um emprego de carteira assinada para seguir a carreira como profissional autônoma.   

A história de Amanda começa logo após se formar, quando conquistou o primeiro emprego em um escritório. “Eu não tinha expectativa de grandes cargos, era advogada júnior e só queria começar e aprender. Mas devido a uma experiência que tive como estagiária em um órgão público, fui colocada em um cargo de liderança”, lembra. 

Ela passou a liderar pessoas mais velhas e a tomar decisões sem bagagem suficiente. “Com 23 anos, estava dando ordens a pessoas mais experientes que eu, e é claro que elas não aceitaram isso muito bem. Não tive aquele momento de ter colegas, de fazer parte do time. Já cheguei ‘sentando na janelinha’. Vivia isolada ali, não tinha amigos e nem vida social fora do escritório. E dentro dele, havia aquele clima hostil. Ser advogada pesa muito porque estou lidando com a vida das pessoas. Uma decisão errada pode acabar com a vida de alguém. É uma carga muito grande para quem acabou de se formar”, desabafa. 

Mesmo assim, a carga de trabalho foi aumentando, junto às crises de ansiedade: “Era só virar a esquina para chegar no escritório que meu coração acelerava. Tinha crises de claustrofobia dentro da minha sala. Em agosto de 2024, a demanda do escritório quadruplicou e tudo recaiu principalmente sobre mim”. 

Foi quando começou a adoecer fisicamente. “Não estava dormindo direito, nem com medicação, e comecei a vomitar no escritório. Estava sempre passando mal, com uma dor de barriga absurda. Tudo o que eu comia me dava ânsia de vômito”. 

A advogada só entendeu o problema quando foi ao médico e recebeu o diagnóstico: uma síndrome do intestino irritável possivelmente gerada pela ansiedade e estresse por conta do trabalho. Foi o que impulsionou a decisão de pedir demissão

“Ainda fiquei mal por seis meses por conta dessa condição. No primeiro mês após minha demissão, continuava dormindo sem conseguir descansar. Passei 15 dias acordando em pânico achando que tinha perdido o horário do trabalho. Fiz terapia e fui diagnosticada com burnout, relata”. 

Com a sua saída do escritório, as funções que desempenhava foram distribuídas entre cinco pessoas. 

Quando o adoecimento muda o caminho profissional

Hoje, Amanda não trabalha formalmente, mas presta serviços a escritórios, auxiliando justamente na parte da organização e da distribuição de tarefas, para não sobrecarregar ninguém. 

“Faço controladoria jurídica, que é essa parte de organização interna, controle de prazos e alocação de tarefas. Mas sem ter vínculo e bater ponto de 9h às 18h. Com isso, consigo trabalhar de forma mais dinâmica”, comenta.  

Agora, com mais experiência, ela observa que, talvez, o problema da sobrecarga de tarefas e desorganização em sua área seja estrutural. “O que acontece é que só agora os escritórios de advocacia estão começando a entender que têm que agir como empresas, porque isso não acontecia antes. Então, há essa dificuldade em fazer a transição da empresa familiar para corporativa. Por isso tudo fica meio caótico nesse setor, é agonizante”, detalha. 

Trabalhar de forma autônoma permite à advogada, enfim, ter mais qualidade de vida.”É claro que há a incerteza de estar trabalhando de forma autônoma, com altos e baixos, mas isso me permite conciliar o trabalho a outras atividades, estudar para o mestrado que desejo fazer, ter tempo para a terapia e fazer atividades físicas. Me sinto muito melhor”, conclui, com alívio. 

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