Economia

Afroempreendedor lidera representatividade nos negócios, mas desafios ainda são enormes

Preconceito territorial, falta de oportunidades e pouco capital estão entre dificuldades enfrentadas por essa parcela da população do País
Afroempreendedor lidera representatividade nos negócios, mas desafios ainda são enormes
Crédito: Freepik

Afroempreendedor é um termo que, muitas vezes, não está somente ligado aos indivíduos cuja cor da pele é preta e que decide abrir um negócio próprio. O termo vem também de afrontamento, que se resume à força do “estar” e do “oferecer”, o que geralmente não é visto ou representado no mercado

Uma pesquisa realizada pela aceleradora de empreendedorismo negro no Brasil Pretahub apurou que a população afro-brasileira lidera, junto aos pardos, a maior representatividade empreendedora do País, cerca de 51%. Dentro deste cenário, 29% dessas empresárias e empresários priorizam outras pessoas pretas dentro de seus negócios.

Os dados, que também foram levantados junto ao líder global de serviços financeiros J.P. Morgan e a empresa de pesquisa e inovação Plano CDE, apontam que o cenário é inspirador, mas não deve ser glamourizado pela população. 

A especialista em Gestão de Pequenos Negócios de Periferia e também professora convidada da Fundação Dom Cabral (FDC) Juliana Morais afirma que tamanhos são os desafios existentes no País para quem busca empreender. No entanto, para quem é um afroempreendedor, os desafios que traduzem a realidade se tornam ainda maiores.

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“O nosso mercado já mudou muito e muitas foram as mudanças que aconteceram positivamente para quem vai empreender. Mas, historicamente, as pessoas pretas que buscam esse objetivo estão em aglomerados e favelas, começando a empreender normalmente por uma necessidade“. 

“Dessa necessidade nasce uma vontade de crescer, de ganhar liberdade financeira, de alcançar caminhos que, às vezes, se fosse para uma CLT, seriam quase que impossíveis. Esse é o pequeno negócio que nasce nas periferias e nas favelas”, avalia.

Em Belo Horizonte, comerciantes falam de seus ofícios

A administradora de empresas Kiria Oliver, já foi daquelas mulheres que tinha o costume de alisar os cachos desde de muito nova até descobrir o poder dos cachos. Foi se rendendo à transformação capilar que ela decidiu se especializar em corte e penteados. Logo em seguida, em 2012, ela abriu o Kiria Oliver Salão Afro, localizado no bairro Candelária, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte. 

“Eu sempre tive dificuldade em me reconhecer com cabelos crespos. Sempre sofri por isso. Mas, digo que a beleza em empreender, de ter o meu cantinho, de receber as minhas clientes que também são pretas, foi depois que comecei a me amar como eu sou, como vim ao mundo. Sem químicas, sem tristeza, sem perspectiva de vida. Hoje, sou uma mulher feliz e tento mostrar o mesmo para as minhas clientes. Quando saem daqui, elas não estão somente transformadas por fora, mas também por dentro. Sinto-me realizada, de verdade“, diz a cabeleireira.  

Dona há três anos de uma loja especializada em pizzas e kits congelados para encomenda no bairro Floresta, região Leste de Belo Horizonte, a comerciante Vanessa da Piedade Reis relembra o passado. “Eu sou filha com muito orgulho de pais pretos, neta de avós pretos, e tenho duas filhas lindas. Sempre fui muito bem orientada a não ter medo”, diz.

“O medo te impede de avançar em passos largos em rumo de um sonho que se quer alcançar. Hoje mostro para as minhas filhas esse mesmo valor que recebi dos meus pais. E, é importante que nós pretos e pretas não tenhamos vergonha ou medo de sermos quem somos. O preconceito existe, a desigualdade e indiferença existem, mas nós existimos e somos muito maiores do que qualquer barreira. Sou uma comerciante que muitos aqui compram na minha mão, pois sabem da minha competência, e que faço por amor os meus kits na cozinha. Isso é o mais gratificante” , acrescenta a proprietária.

Morais lembra que, no Brasil, cerca de 17 milhões de pessoas estão inseridas em aproximadamente 5 mil favelas e de seis entre 10 pessoas dizem que desejam um dia ser donos do próprio negócio. “Esse é um desafio muito grande, pois iniciamos ali com a falta de grana. E, quando se começa por necessidade, não tem dinheiro guardado. Então o empreendedor afro-brasileiro precisa ir com a cara e com a coragem, e com o que tem, mesmo que com pouco, mas além de sua vontade, a coragem, a atitude, determinação e o foco. Essas são características importantes para quem vai empreender, mas que se não tiverem atrelada a um capital, uma grana, um dinheiro para se investir, fica muito difícil. Empreender é complicado, e para o afroempreendedor de periferia é complicado ao cubo“, pontua.

Preconceito territorial dificulta negócios

Diante de um cenário em que tamanhos são os desafios em empreender no País, muitos empreendedores lançados pela população preta sofrem preconceitos territoriais, conforme destaca Juliana Morais. “O produto que está sendo vendido, seja no Morro das Pedras, no Serra, ou em regiões periféricas de BH ou de qualquer outra cidade, é discriminado. A pessoa que fabrica ou produz aquele produto é discriminada. Se a pessoa tem a pele preta, a discriminação também se faz presente“.

“O apoio do governo é praticamente zero. Então, a galera vai cortando no dente mesmo e fazendo o corre conforme consegue e conforme as portas vão se abrindo. Agora uma característica muito importante dos afroempreendedores é que um acaba segurando a mão do outro. A ajuda vai surgindo aí, o que de certa forma ajuda muito a melhorar a confiança entre eles”, aponta a docente da Fundação Dom Cabral.

E, pelo cenário de força e de persistência para empreender, os cantores Djonga e Tássia Reis compuseram e disponibilizaram no mercado audiovisual um single que exalta o empreendedorismo negro. Intitulada de “Ostentação da Cultura”, a música tem sido uma inspiração para homens e mulheres pretos afim de apostarem em formas de fazer dinheiro.

A letra do rap, de forma clara, despreza todo e qualquer tipo de preconceito, validando as oportunidades de uma população que sonha em conquistar direitos e gerar fontes de renda sem ser julgada.

“(…) Ele vem de jatinho e sobrevoa

Enquanto meu povo sobrevive

Nós busca aprovação não sei de quem

Já viu usar corrente pra ser livre?

Juro que não é nada que a gente louve

Há quem diga que a gente até precise

Mas se é regra do jogo apenas venço

Minha carreira é um eterno aclive (…)”

Escola de Negócios da Favela

Hoje, o Brasil conta com vários programas de aceleração de carreiras, aceleração de empreendedores e de negócios. Em Minas Gerais, a Escola de Negócios da Favela, que é um programa da Fundação Dom Cabral em conjunto com a Central Única das Favelas de Minas Gerais (Cufa-MG), tem esse objetivo. A instituição social está entre as dez melhores escolas de negócios do mundo e possui respaldo tradicional no mercado. 

Negros ocupam o topo do desemprego em Minas Gerais

Mesmo com a melhora no cenário, um levantamento realizado pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) identificou que, em Minas Gerais, no segundo trimestre de 2022 foi registrada uma taxa de desemprego de 14,2% entre as pessoas pretas, frente aos 12,7% ocupados por pessoas brancas. Já a taxa de informalidade no mercado de trabalho, também no mesmo intervalo, entre as pessoas pretas, batia 43,2%. 

“Pelos números, a gente consegue ver como a falta de oportunidades colocam pessoas pretas e pardas nesse lugar de informalidade. A gente entende também como é importante que as empresas se posicionem e principalmente tenham compromissos. Que elas possam lançar compromissos públicos para a promoção da igualdade racial, tanto na contratação de pessoas negras, gerando mais oportunidades, mas, principalmente, também no desenvolvimento da carreira dessas pessoas, para que possam apoiar e para que a gente tenha cada vez mais pessoas negras em posições de cargos de liderança”, avalia o analista de Ações Afirmativas do Instituto Identidades do Brasil, Vinicius Archando.

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