Alta taxação do mercado de apostas esportivas pode incentivar ilegalidade
Especialistas ouvidos pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO apontam que o governo precisa refazer os cálculos das taxas definidas para o mercado de apostas. É consenso entre eles que embora tardia, a regulamentação é importante. Porém, a possível taxação de 18% sem o acréscimo de outros impostos atribuídos à pessoa jurídica no País pode coibir futuros investimentos e contribuir para o mercado informal.
A medida provisória (MP) que dá início ao processo de regulamentação das apostas esportivas de quota fixa, o conhecido mercado de “bets”, foi editada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União. Até então, o mercado estava legalizado pela Lei 13.756/2018, que previa uma regulamentação em dois anos, prorrogáveis por mais dois, o que não aconteceu.
Em função disso, os sites e aplicativos de apostas em operação no País, desde então, operam com sede no exterior, onde conseguem as licenças para funcionamento. “As apostas ainda que fossem legalizadas no Brasil, não possuíam regulamentação, de modo que as empresas não conseguiam operar”, explica a advogada Mariana Chamelette, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
Para ela, que é advogada especializada em direito desportivo, a regulamentação é um avanço positivo, uma vez que não havia nenhuma regra a respeito do setor. “Agora, a gente começa a sair de uma zona cinzenta e começa a operar e fiscalizar melhor este mercado que já existe e vai continuar existindo”, avalia.
Outra vantagem na opinião dos especialistas, é a segurança jurídica que a regulamentação dá às empresas e aos apostadores. “Ao regulamentar, o governo oferece medidas que coíbem a atuação de sites ilegais e sem compromisso com o jogo íntegro e responsável”, defende o presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Wesley Cardia.
Para Magnho José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, um dos problemas da regulamentação está na elevada taxação. Com as mudanças, as empresas terão que destinar 18% da receita obtida com as apostas, já descontado o pagamento dos prêmios e dos impostos, a chamada Gross Gaming Revenue (GGR), ou receita bruta de jogos na tradução livre. “Somados os impostos, a tributação poderá chegar a 29% do total em municípios com alíquota de ISS de 2% e a quase 32%, quando o ISS for de 5%”, detalha.
O presidente da ANJL alega que taxar tanto os sites de apostas quanto os prêmios dos apostadores em níveis como os que têm sido discutidos, que superam a casa dos 30%, “pode gerar efeitos indesejados tanto pelos operadores quanto pelo governo”. Nas novas condições, o prêmio dos jogadores também será tributado em 30% pelo Imposto de Renda, a partir de R$ 2.112.
Ilegalidade e desincentivo
Outro ponto levantado por Arthur Silva, do Instituto Brasileiro de Jogos Responsáveis (IBJR), é o não incentivo atrelado à alta taxação e o possível aumento da ilegalidade. “O Brasil é um País com uma das maiores cargas tributárias do mundo e já tem a licença mais cara do mundo que, hoje, está em torno de R$ 30 milhões”, diz.
Ele explica que o problema é que a faixa de tributo que o Brasil está trabalhando pode não trazer para a formalidade a totalidade das empresas em operação ou até espantá-las. Ele usa o exemplo de países que já operam no mercado de apostas há algum tempo para explicar.
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“Portugal, que praticou taxas altas, não conseguiu trazer para o mercado regulado nem a metade das empresas que operavam por lá. A França, que também operou com taxas altas, chegou ao ponto de os operadores entregarem a licença após o acordo de dez anos porque não valia a pena. O mercado ilegal acaba absorvendo tudo”, exemplifica.
Ele explica que o desincentivo pode levar junto toda uma cadeia que se beneficia e já opera no mercado: publicidade, patrocínios entre outras atividades. “Nunca se pagou tão caro pelos patrocínios de camisas de times de futebol no Brasil. Mas temos que lembrar que elas não estão pagando impostos. Amanhã os impostos que entrarem, podem impactar”, ressalta.
Silva aponta que o mercado brasileiro demonstrou grande apetite para a aposta. “O mercado vai continuar, o governo vai arrecadar, mas é preciso refazer os cálculos. Na conta final, o governo não vai conseguir arrecadar os R$ 6 a R$ 12 bilhões que está projetando”, diz. Nessa linha, ele explica que estudos do instituto mostram que a partir do momento em que o país aplica taxas altas, sobe a participação do mercado ilegal. “Até chegar num ponto onde a metade não é legalizado”, informa.
Para ele, o Brasil pode estar abrindo uma porta perigosa para o mercado ilegal com taxas tão altas. “Não tem nenhum país que consegue dar certo com taxas tão altas. A não ser exceções como a Finlândia. Você acaba tornando a atividade ilegal muito atrativa”, analisa.
Saúde e publicidade
O texto da medida provisória estabelece ainda que as empresas de apostas deverão promover ações informativas e preventivas de conscientização de apostadores e de prevenção ao transtorno do jogo patológico. A iniciativa visa garantir a saúde mental dos apostadores, evitando que as apostas se transformem em um vício.
Já as regras de comunicação, publicidade e marketing, como horário de veiculação de propagandas e formato de anúncios on-line, serão elaboradas em parceria com o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar). O objetivo é garantir que as ações de marketing sejam responsáveis e éticas, contribuindo para um ambiente de apostas seguro e regulamentado.
Outra mudança importante que a medida traz é a proibição de que as empresas de apostas participem do mercado de direitos de eventos desportivos realizados no País, como transmissão, distribuição ou qualquer forma de exibição. Esta é uma das medidas adotadas pelo governo em busca da coibição da manipulação de resultados.
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