Americanas: o que esperar agora após rombo bilionário?

A Americanas já sente os efeitos do anúncio do rombo no balanço – estimado em análise-preliminar – da ordem de R$ 20 bilhões. Ontem, a varejista viu seus papéis despencarem mais de 77% e seu valor de mercado cair em cerca de R$ 8,4 bilhões. Mas os problemas ainda poderão ser muito maiores e vão desde uma possível recuperação judicial a até mesmo ação cível e criminal na justiça.
O CEO da iHUB Investimentos, Paulo Cunha, afirma que as informações obtidas pelo mercado ainda são superficiais. Isso porque o rombo sinalizado pelo ex-presidente da companhia, Sérgio Rial, passará por auditorias para verificar qual o valor exato e o que aconteceu de verdade. Porém, ele diz que mesmo que seja difícil medir o impacto no momento, o efeito a curto-prazo, além do derretimento das ações, será a necessidade de um aumento de capital e da tentativa de reestruturação da dívida.
“O patrimônio líquido da empresa está na faixa de uns R$ 15 bilhões. Se subtraído pelos R$ 20 bilhões, ela fica com patrimônio líquido negativo. Isso não significa, necessariamente, que ela tenha que declarar falência ou entrar em recuperação judicial, mas significa que quase que, obrigatoriamente, ela terá que fazer um aumento de capital. Então, ela vai ter que chamar os acionistas para emitir mais ações do mercado de um lado e, com certeza, de um outro lado, também terá que tentar reestruturar a dívida junto aos credores”, afirma.
Segundo Cunha, no que diz respeito às ações, os analistas estão recomendando a quem tem não vender e quem está de fora não comprar. Ele afirma que, apesar de tudo estar muito incerto, a notícia foi extremamente negativa e afetou o humor do mercado. Ele ressalta que as ações de outras varejistas foram puxadas para baixo levando junto alguns papéis de bancos que, possivelmente, são credores da Americanas. Pontua ainda que as varejistas já passavam por um momento difícil com o cenário de juros altos e inflação alta.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de Minas Gerais (Ibef-MG), Julio Damião, o que houve com a Americanas foi muito grave e implica uma crise de confiança. Ele explica que, basicamente, o endividamento que a empresa disse que era um montante, na realidade é outro. Há grandes chances, segundo ele, de uma recuperação judicial caso a companhia não coloque dinheiro próprio.
“O sistema todo ‘roda’ com o banco financiando o fornecedor do varejista para o varejista pagar depois o banco. Se o banco não tem condições para pagar a operação da Americanas, vai parar de financiar o fornecedor, aí a Americanas vai ter que tirar dinheiro do bolso para pagar diretamente os fornecedores”, diz.
E continua a análise: “Tem um ano que a Americanas dá prejuízo operacionalmente. Como ela não faz dinheiro para ter lucro, não tem dinheiro para seguir o negócio. Então, ela corre um risco muito grande de recuperação judicial. Uma das perguntas que devem ser respondidas é se isso é uma prática comum. Se a Americanas fez isso, será que as outras varejistas não estão fazendo? Se for esse o caso, a Americanas é só a ponta do iceberg”, ressalta.
O presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-MG, Marcelo Marçal, salienta que as informações já divulgadas oficialmente ainda são insuficientes para tirar algumas conclusões. “Precisamos aguardar a análise do comitê independente para ver como isso vai impactar nos demonstrativos financeiros da empresa”, diz.
Ele ressalta que, no curto prazo, o que será observado é a queda brusca das ações. Já a longo prazo, duas consequências poderão ocorrer. A primeira se trata de ações que a companhia poderá sofrer para ressarcimento de danos materiais e até mesmo morais aos investidores que compraram ações baseadas em informações erradas, visto que acreditavam nos demonstrativos. A segunda se refere à possibilidade de uma instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para apurar uma eventual ocorrência de crime e até mesmo envolvimento dos controladores da companhia.
“Nós não temos hoje, baseado nos comunicados oficiais feitos pela companhia, nenhuma informação sobre conduta criminosa. Nós não sabemos se foi uma incompetência ou uma interpretação equivocada. Não sabemos o que causou essa inconsistência contábil. A partir de um processo investigatório será mais fácil identificar se pessoas físicas estão envolvidas de alguma forma ilícita e criminosa. Mas hoje não temos nenhum elemento para dizer se houve ou não crime”, salienta.
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