Apostas on-line levam quase 30% dos mineiros a atrasar o aluguel

O hábito de apostar em sites e aplicativos tem impactado as finanças de quem vive de aluguel em Minas Gerais. Uma pesquisa inédita da Loft, feita em parceria com a Offerwise, revela que 28% dos mineiros já atrasaram ou conhecem alguém que atrasou o pagamento do aluguel devido a apostas ou jogos de azar on-line. O levantamento ouviu 1.300 pessoas e mostra que o impacto é especialmente severo entre famílias de baixa renda e moradores do interior do Estado.
De acordo com a pesquisa, o problema atinge 38% das pessoas das classes D e E, e 36% dos entrevistados que vivem fora da Capital, enquanto 12% moram em Belo Horizonte e 30% na região metropolitana.
“O estudo mostra que o efeito das bets nas finanças dos mineiros se repete em todos os recortes de gênero, raça e escolaridade. Mas conseguimos observar uma maior influência de outros fatores como a renda familiar e a região onde moram”, explica o gerente de dados da Loft, Fábio Takahashi.
“As pessoas com menos estabilidade financeira e que estão mais distantes de grandes centros urbanos são claramente as mais vulneráveis”, completa Takahashi.
A pesquisa também indica que 52% dos apostadores começaram a jogar há menos de um ano, ou seja, trata-se de um comportamento recente, mas de crescimento acelerado. Cerca de 32% gastam até R$ 50 por mês com apostas, e 13% chegam a desembolsar até R$ 300. Mesmo entre as pessoas sem renda própria, 67% relataram prejuízo de até R$ 50, enquanto 33% perderam até R$ 100.
“O impacto na moradia ainda pode crescer, considerando que boa parte desses inquilinos começou a jogar há pouco tempo”, afirma Takahashi.
Endividamento e “fé no golpe de sorte” com apostas
Para o economista Jonas Henrique, o fenômeno vai além das finanças pessoais e revela uma vulnerabilidade estrutural das famílias mineiras.
“Não se trata apenas de um gasto excessivo. É o desvio de recursos destinados ao consumo de necessidades básicas para sustentar um consumo de risco. As apostas, vendidas como entretenimento, tornam-se um vetor de endividamento e vício”, afirma.
Segundo ele, o avanço das plataformas digitais de apostas, muitas vezes com pouca regulação e acesso facilitado por Pix e carteiras virtuais, cria um ambiente perfeito para o descontrole financeiro.
“O jogo está disponível 24 horas por dia, na palma da mão, com a promessa de ganhos rápidos. Isso reduz a capacidade de planejamento e compromete o consumo essencial”, explica.
O economista também chama atenção para um componente emocional e simbólico nas apostas. “Há uma fé projetada na promessa de mudança rápida de vida. Para muitas famílias, apostar representa acreditar que o acaso pode oferecer aquilo que o trabalho e o crédito não garantem. Essa ‘fé econômica’ aprofunda a vulnerabilidade sob qualquer contexto socioeconômico”, ressalta.
Risco crescente para o mercado imobiliário
A pesquisa mostra que 12% dos entrevistados admitiram pessoalmente já ter atrasado ou deixado de pagar o aluguel por causa de apostas, e outros 13% relataram dificuldades para arcar com o pagamento.
Para Henrique, esse tipo de gasto pode pressionar indicadores de moradia e crédito imobiliário. “O orçamento doméstico é finito. Quando parte da renda é desviada para apostas, falta para despesas básicas. Isso fragiliza a capacidade de pagamento e pode afetar tanto o aluguel quanto o crédito habitacional”, avalia.
Ele alerta que o fenômeno tende a crescer, à medida que o público das apostas se amplia e os gastos se tornam mais recorrentes.
“As apostas on-line funcionam como um dreno silencioso da renda disponível. Ao se somarem à inadimplência, criam um ambiente de instabilidade financeira que pode repercutir no mercado de moradia e até nos bancos”.
Percepção e regulação das apostas on-line
Apesar do impacto financeiro, os mineiros demonstram consciência crítica sobre o tema:
- 55% acreditam que as apostas são nocivas para a sociedade;
- 78% afirmam que elas aumentam o endividamento das famílias;
- 83% defendem regras mais rígidas para o setor;
- 81% reconhecem que a maioria das pessoas perde dinheiro.
Ainda assim, 30% veem as apostas como lazer saudável e 28% acreditam que podem ser uma forma de ganhar dinheiro extra, um dado que reforça, segundo especialistas, a ambiguidade entre entretenimento e risco financeiro.
“De todos os estados avaliados, Minas Gerais é o que apresenta opiniões mais negativas a respeito dos jogos de azar online; mas, na prática, os impactos negativos deles continuam afetando a vida da população em uma proporção similar à do restante do País“, conclui o gerente de dados da Loft.
“Sem regulação efetiva e sem educação financeira direcionada, a combinação entre fácil acesso e ausência de barreiras institucionais continuará produzindo um ciclo de endividamento, inadimplência e instabilidade social”, resume o economista Jonas Henrique.
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