Barroso faz defesa da Constituição

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, foi o nome que marcou ontem o encerramento da primeira capacitação política promovida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Barroso defendeu a harmonia entre poderes, a Constituição, a democracia e uma percepção crítica a respeito da desinformação.
A cerimônia, realizada ontem, no Teatro Sesiminas, em Belo Horizonte, representou a conclusão de um ciclo de encontros híbridos com cientistas políticos, gestores públicos e estudiosos do direito. O objetivo da federação foi provocar reflexões sobre o papel de toda a sociedade e empresários mineiros no processo democrático, principalmente em um ano eleitoral.
De acordo com o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, o conteúdo do curso foi pensado para trazer às pessoas e aos empresários uma percepção mais adequada do processo eleitoral e da sua participação na vida política. Com o conhecimento, Roscoe acredita que a atuação cidadã é mais efetiva. “A política é a maneira mais nobre para melhorar e influenciar os destinos da nossa sociedade”, afirmou.
Em sua exposição, Barroso se debruçou sobre temáticas-chave convergentes a esse aprendizado defendido pela entidade e que contribuíram para o entendimento da democracia brasileira e de como a Constituição se faz presente no dia a dia dos cidadãos e também na prática jurídica institucional.
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Nesse sentido, o ministro da Suprema Corte conceituou importantes termos: o constitucionalismo, que surge, a partir das revoluções liberais dos séculos 17 e 18, como uma forma de limitar o poder daqueles que o exercem ao mesmo tempo em que impõe regras para toda a sociedade, governantes (estado de direito) e, ainda, protege os direitos à medida em que pressupõe que não só os direitos da maioria devem ser respeitados, mas de todos (direitos fundamentais).
À democracia cabe o sentido daquilo que se espera para outubro deste ano: o exercício da soberania popular por meio do voto. Esse regime político – ou arranjo institucional, como se referiu o ministro -, no entanto, é mais recente. Conforme lembrou Barroso, a democracia só foi alcançada no século XX, quando o sufrágio universal, o direito de participação de todos ao voto, foi alcançado.
A contextualização do ministro é parte fundamental para entender o papel do Supremo Tribunal Federal nas democracias. “A maior parte das democracias constitucionais do mundo, no seu arranjo institucional, institui a existência de uma Suprema Corte ou de um Tribunal Constitucional, cujo papel é, em ampla medida, arbitrar as tensões que existem entre democracia (governo da maioria) e constitucionalismo (estado de direito e direitos fundamentais), porque as maiorias com muita frequência têm uma propensão a abusar desse poder, mudando as regras do jogo ou violando os direitos fundamentais, sobretudo das minorias”, afirmou Barroso.
Rupturas democráticas
Barroso chamou a atenção também para três aspectos que jogam uma ideia de crise sobre os princípios democráticos e sobre os quais não só o Brasil atravessa neste momento, mas diversos países, sendo eles o populismo, o extremismo e o autoritarismo. Juntos, esses fatores contribuem para o que o ministro considerou uma erosão democrática.
“O populismo é uma forma de atuação política divisiva da sociedade em ‘nós e eles’, quando a Constituição e a democracia pretendem que a nação seja uma unidade, em sua diversidade. Não existe nós e eles. Mas o discurso populista tradicional é nós, representantes do povo puro, honesto e conservador, e eles, as elites corrompidas, cosmopolitas e progressistas”, explicou.
Para ele, no entanto, esse discurso apresenta problemas ao não considerar a pluralidade do povo e daquelas elites intelectuais que atuam em setores institucionais e da economia, por exemplo, e que buscam o desenvolvimento do País em seus diferentes campos. E é justamente por interpretar a Constituição e limitar o poder que o ministro aponta para as tensões que existem entre quem exerce poder o político majoritário e as Supremas Cortes em todo o mundo, sendo que, também nesse ponto, a democracia tem papel fundamental para que as divergências sejam absorvidas institucionalmente e civilizadamente.
Papel dos poderes e a internet
A separação dos poderes também foi tema da palestra do ministro Luís Roberto Barroso. No entanto, muito além do conceito do que está nas mãos de cada órgão, em suas funções principais, e na interface que os mesmos fazem entre si, o ministro do Supremo Tribunal Federal abordou, com exemplos práticos e que outrora foram motivos de polêmicas, as decisões que são tomadas no âmbito da Corte e que muitas vezes são vistas como arbitrárias.
A essa narrativa, Barroso lembrou que a Constituição Federal de 1988 estabelece as matérias sobre as quais o Supremo deve julgar em seu dia a dia e que por sua abrangência torna as relações mais sensíveis à incompreensão daquele público que se sente contrariado. Exemplo disso são as matérias de meio ambiente e a proteção dos povos indígenas, que são de responsabilidade do Supremo Tribunal Federal e, por isso, deixam de ser decisões políticas para se tornarem questões judicializadas.
Outro termo muito utilizado nos dias atuais é o “ativismo judicial”, que, para Barroso, é uma decisão necessária para a sociedade e que ainda não está prevista no ordenamento jurídico. Apesar de disseminada com caráter negativo, o ministro lembrou que poucas são as decisões do Supremo que partem de uma inovação (o ativismo político) para resolver questões que surgem no dia a dia dos julgamentos.
Como exemplo, ele citou o julgamento do reconhecimento de uniões homoafetivas, considerando que do ponto de vista do direito não havia como orientar, por exemplo, divisões de bens e outros pontos previstos em uniões estáveis convencionais.
Por fim, em relação ao protagonismo do Judiciário, Barroso explicou que, muitas vezes, por cumprir a legislação constitucional, o Supremo ganha holofotes do Brasil, uma visibilidade que parte das competências que a própria Constituição Federal determina para a casa. Dessa forma, ações contra autoridades parlamentares, por exemplo, são julgadas pela casa, situações em que os ruídos acontecem.
De forma geral, contudo, ele ressaltou que a harmonia dos poderes busca criar mecanismos para que nenhum dos poderes seja hegemônico no sistema democrático.
Eleições
Já em relação ao processo eleitoral deste ano e a participação das redes sociais e da internet no mesmo, ele lembrou que o mundo atual tem seus benefícios ao tornar o acesso ao conhecimento e ao espaço público mais democrático para todos. No entanto, lembrou que as mentiras não podem prevalecer em um espaço em que a multiplicação de inverdades acontece rapidamente.
“Eu queria dizer a todos que eu tenho o maior respeito por todas as posições políticas. Porque uma democracia tem lugar para liberais, conservadores e progressistas. Mas uma causa que precise de ódio, de mentira, de desinformação, de teorias conspiratórias não pode ser uma causa política. É preciso ter uma percepção crítica disso”, acrescentou ele.
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