Com 80% dos prédios com até quatro andares, BH desperdiça potencial urbano, aponta urbanista

Após o anúncio de medidas da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para incentivar a construção de prédios mais altos e impulsionar a requalificação do hipercentro, a urbanista e ex-secretária de Serviços Urbanos da Capital, Branca Macahubas, alerta: BH sofre de um “subaproveitamento urbano estrutural”.
Segundo levantamento realizado por ela, 81% das edificações formais da cidade têm até quatro pavimentos — o que evidencia um modelo urbano pouco denso, mesmo em regiões com infraestrutura consolidada.
“Belo Horizonte possui um estoque interno gigantesco para requalificação e adensamento, mas que permanece paralisado por barreiras normativas. Em áreas centrais e consolidadas, onde já existe infraestrutura de transporte, saneamento e serviços, essa condição indica um potencial de transformação muito superior ao que se imagina”, afirma Branca Macahubas.
Com base nos dados do cadastro municipal de uso e ocupação do solo, a urbanista aponta ainda que o padrão de ocupação horizontal persiste por fatores históricos e culturais, mas sobretudo por uma legislação que restringe, na prática, a verticalização em áreas onde ela seria não só viável, mas desejável, como nos bairros centrais da cidade.
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“A mancha urbana de Belo Horizonte é praticamente a mesma desde a década de 1970, quando tivemos o nosso primeiro Plano Diretor. Foi a partir dele que se introduziram os limites construtivos, na época incentivados nas regiões central e centro-sul, enquanto no restante da cidade se manteve um estímulo mínimo ao adensamento”, explica.
O adensamento urbano é a concentração de mais moradores em áreas da cidade bem localizadas e com infraestrutura pronta, com ruas asfaltadas, linhas de ônibus, escolas, postos de saúde, comércio e serviços.
“De lá para cá, a cada mudança legislativa, as restrições foram se acirrando, afastadas da dinâmica da economia urbana. Assim, fomos perdendo, ano após ano, a oportunidade de garantir que o belo-horizontino pudesse morar e viver na cidade consolidada, sendo empurrado cada vez mais para as bordas metropolitanas”, continua a urbanista.
Esse padrão de ocupação, segundo ela, estimula mais de 800 mil viagens pendulares diárias, com impactos diretos no transporte público, no meio ambiente e na qualidade de vida.
“Medo de altura institucionalizado”

Na prática, Branca Macahubas aponta que, mesmo quando o zoneamento permite edificações mais altas, a combinação de exigências técnicas – como recuos, afastamentos e escalonamentos – inviabiliza o aproveitamento real dos lotes, principalmente os menores.
“O licenciamento urbanístico é lento e pautado por interpretações rígidas, o que faz muitos projetos serem redesenhados várias vezes ou abandonados, criando um desincentivo a grandes empreendimentos. A cidade fica refém de um ‘medo de altura’ institucionalizado”, detalha.
Branca Macahubas cita como exemplo um lote de 12 metros por 30 metros que, ao atingir seis andares, precisa afastar quase 4 metros de cada lado, restando um último pavimento com apenas 4 metros de largura.
“Em Nova York, um terreno de 600 m² pode abrigar uma torre com mais de 100 metros de altura. Em BH, um lote semelhante mal consegue abrigar cinco pavimentos, por causa do escalonamento de afastamentos. O resultado são os chamados ‘prédios bolo de noiva’, que vão se afunilando até desaparecer”, compara.
Flexibilização com critério e inteligência
Para a urbanista, a flexibilização das regras precisa ser planejada e calibrada conforme a infraestrutura disponível e a localização do lote. Ela explica que a inteligência está em customizar a regra ao contexto real, usando dados técnicos e diagnósticos dinâmicos.
“Um bairro servido por metrô ou corredor de ônibus deveria ter incentivos para maior altura e menor restrição de afastamentos. Já áreas frágeis ambientalmente podem e devem manter critérios mais rígidos”, defende.

PBH inicia debate, mas precisa ir além
Em entrevista ao Diário do Comércio, o secretário municipal de Políticas Urbanas, Leonardo Castro, afirmou que o objetivo da PBH é incentivar o adensamento em áreas com infraestrutura já consolidada, como o hipercentro, Barro Preto e região hospitalar. As propostas devem ser debatidas com a sociedade civil na nova plataforma BH Mais Participativa ainda este ano.
Branca Macahubas reconhece avanços no pacote proposto pela PBH, especialmente ao incluir estudos sobre retrofit (modernização de edificações antigas com preservação de suas estruturas), incentivos à ocupação do centro e revisão de parâmetros construtivos. No entanto, ressalta que é preciso revisar o Plano Diretor como um todo.
“A Prefeitura acerta ao abrir o debate e demonstrar disposição para atualizar a legislação. Entretanto, persistem gargalos invisíveis, como as rígidas regras de afastamento lateral e de fundos, que continuam a limitar a verticalização e o aproveitamento pleno dos lotes”, destaca.
Segundo ela, está na hora de BH abraçar sua vocação urbana e deixar o “medo de altura” para trás. “Quando entendermos que subir não significa desordenar, mas qualificar o espaço e aproximar as pessoas de onde a cidade já funciona, BH vai finalmente abraçar o seu potencial de altura e de vida”.
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