Campos Neto afirma que o pior da inflação já passou

Brasília – O pior momento da inflação no Brasil já passou, disse ontem o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacando que o País está muito perto de finalizar todo o trabalho de elevação de juros para domar a alta de preços.
No Fórum Jurídico de Lisboa, Campos Neto disse que as ferramentas do Banco Central vão frear o processo inflacionário, repetindo que grande parte do trabalho do BC já foi feito.
“O Brasil tem uma memória de inflação muito maior e mecanismos de indexação muito mais vivos, isso denota uma preocupação maior para o Brasil. A gente vê que todos os países estão caminhando, subindo juros, o Brasil já está muito perto de ter feito o trabalho todo, alguns países estão no meio do caminho”, disse.
Há duas semanas, o Banco Central subiu a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, a 13,25% ao ano, e disse que antevê um novo ajuste, de igual ou menor magnitude, na reunião de agosto. A autoridade monetária não especificou na ocasião se esse seria o último ajuste do agressivo ciclo de aperto monetário iniciado em 2021.
Ao longo dos últimos meses, Campos Neto chegou a fazer algumas previsões de quando seria o pico da inflação no País, mas surpresas nos indicadores fizeram com que as estimativas não se confirmassem. Nesta segunda, ele indicou que esse momento passou, ponderando que é preciso avaliar medidas em discussão no Congresso para segurar os preços de combustíveis.
“Os últimos dois números (de inflação) acho que foram pela primeira vez dentro da expectativa. A gente acha que o pior momento da inflação no Brasil já passou, temos algumas medidas desenhadas pelo governo que precisamos entender qual será o efeito no processo inflacionário e ainda não está claro”, afirmou.
Em maio, o IPCA desacelerou e veio abaixo do esperado pelo mercado ao registrar uma alta de 0,47%. O IPCA-15, no entanto, voltou a acelerar em junho e ficou em 0,69%, acima do esperado sob o peso do reajuste dos planos de saúde, com a taxa acumulada em 12 meses permanecendo acima de 12%.
No evento, o presidente do BC citou desafios do cenário global para a inflação, ressaltando que um número crescente de países está adotando medidas protecionistas como forma de lidar com a alta de preços de alimentos.
Segundo ele, há uma desconexão nas áreas de alimentos e energia porque os investimentos nesses setores não estão subindo na mesma proporção das altas de preços dos produtos.
Sem mencionar diretamente críticas feitas por políticos à política de preços da Petrobras, Campos Neto disse que o governo tem que lidar com o problema das classes sociais mais baixas “mas a gente não pode desviar das práticas de mercado” porque, segundo ele, é o mercado que produz energia e alimentos.
Campos Neto afirmou que componentes como energia e alimentos contaminam a inflação como um todo. Citando que está havendo uma disseminação da alta desses preços para os componentes menos voláteis da economia no mundo, ele disse que o BC atua “de outra forma” quando a inflação está mais espalhada.
Em relação à atividade, ele afirmou que o Brasil é um dos poucos países que está passando por revisões de crescimento para cima. Para ele, o País provavelmente terá um resultado forte do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, ponderando que a atuação do BC vai gerar uma desaceleração no segundo semestre.
BIS reprova os subsídios aos combustíveis
São Paulo – O Bank for International Settlements (BIS), considerado o banco central dos bancos centrais, reprovou ontem a estratégia de países como o Brasil de tentar baixar impostos e subsidiar produtos como combustíveis para conter a inflação.
Para o presidente do BIS, o mexicano Agustín Carstens, esse tipo de medida acaba beneficiando muita gente que não precisa de subsídios, caso da gasolina. “O mais adequado seria reforçar programas [sociais] mais focalizados, para os que realmente precisam de ajuda”, disse.
Para tentar contornar o impacto da inflação na campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) avalizou o uso de quase R$ 35 bilhões em recursos públicos para subsidiar combustíveis. Mas seu governo mantém 700 mil famílias em situação de extrema pobreza (com renda mensal de até R$ 105 por pessoa) na fila de espera do programa Auxílio Brasil.
Outras 65,2 mil famílias em situação de pobreza, com renda mensal de R$ 105,01 a R$ 210 por pessoa, também estão habilitadas ao programa, mas ainda não tiveram o benefício concedido.
O BIS alerta que o atual surto inflacionário global pode ser persistente e duradouro. Em seu relatório anual, o órgão afirma que transições para ambientes de alta inflação raramente acontecem, mas são muito difíceis de reverter.
Segundo o BIS, muitas economias já estão vivendo isso, e recomendou que os bancos centrais não tenham receio de infligir até recessões em suas economias (via aumento das taxas de juro) para evitar um mundo persistentemente inflacionado.
Questionado pela Folha em entrevista sobre como conciliar aperto monetário e desaquecimento econômico com uma situação de aumento da pobreza e de fome como no Brasil, Carstens recomendou o reforço dos programas sociais.
Para o BIS, mais prejudicial para os pobres seria deixar que a inflação elevada persista, corroendo cotidianamente a renda, do que inflingir perdas no curto prazo para controlar os preços –daí a necessidade de amortecer a situação com o reforço de programas sociais.
Carstens elogiou o fato de o Banco Central brasileiro ter iniciado antes do que muitos bancos centrais o aumento dos juros para conter a inflação; e admitiu que os principais organismos de controle financeiro internacionais erraram em considerar que os choques provocados pela pandemia da Covid-19 seriam transitórios.
“O impulso das políticas monetárias [juros baixos] e fiscais [mais gastos] adotadas para evitar uma deflação [queda de preços; e possível recessão] passou a ser muito intenso e mostrou-se equivocado”, disse Carsterns.
Houve erro de avaliação também, segundo ele, em considerar que as interrupções nas cadeias produtivas seriam breves. “Achamos que os motores se apagariam e que ligá-los novamente seria fácil”, disse, a respeito da retomada lenta, e com problemas, na produção global.
O BIS afirma que o mundo passa agora por um choque profundo e “inerentemente estagflacionário (inflação com baixo crescimento)” devido aos preços mais altos das commodities, gargalos na cadeia de suprimentos e escassez decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia.
“Podemos estar chegando a um ponto de inflexão, além do qual uma psicologia inflacionária se espalha e se arraiga. Isso significaria uma grande mudança de paradigma”, diz seu relatório.
Tal mudança encerraria uma era de preços gerais relativamente estáveis, com alguns produtos mais baratos e outros mais caros -num contexto em que os bancos centrais podiam ignorar aumentos temporários nos preços do petróleo ou do gás natural, por exemplo, porque a inflação em geral permanecia sob controle. (Fernando Kanzian/Folhapress)
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