Chuvas no Rio Grande do Sul devem impactar a economia do País, apontam especialistas

As fortes chuvas que atingem o Rio Grande do Sul (RS) desde 27 de abril já trazem impactos para diversos setores econômicos. De produção agrícola, passando pela indústria, varejo e logística, as consequências são devastadoras, mas ainda sem dimensão apurada. Especialistas ouvidos pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO acreditam que a economia local será mais impactada que a nacional e que ainda é cedo para sugerir queda na produção do País ou possíveis alta da inflação nacional.
As chuvas provocaram enchentes em várias regiões do estado gaúcho, além da destruição de estradas e pontes. Serviços como o fornecimento de água, energia elétrica e telefonia foram afetados para milhares de pessoas. Na segunda-feira (6), cerca de 450 mil consumidores estavam sem energia, o número equivale a 10% das mais de 5 milhões unidades consumidoras cadastradas no estado gaúcho, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
De acordo com balanço da Defesa Civil do estado gaúcho, o número de mortos já soma 83, enquanto 111 pessoas seguem desaparecidas e outros quatro óbitos estão sob investigação. Ainda de acordo com a Defesa Civil, mais de dois terços das cidades do Rio Grande do Sul estão sendo afetadas pelos eventos climáticos, sendo 345 municípios atingidos, e mais de 121 mil pessoas estão desalojadas. São mais de 850 mil pessoas impactadas e 276 feridos.
Diante da situação provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já sobrevoou o estado por duas vezes nos últimos dez dias, assegurou ao governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), que a burocracia da máquina pública não impedirá a chegada de recursos para reconstrução do Estado.
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O cenário deixa o setor econômico e ambiental em alerta. Quais serão as consequências para a economia do Brasil? O que a sociedade precisa ficar atenta daqui para frente? O professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC) de Finanças e Governança, Jairo Procianoy, além de especialista do setor econômico, é testemunha do desastre. Residente da cidade de Porto Alegre, ele tem acompanhado a situação com o olhar profissional e pessoal e avalia economicamente o momento.
“O estado do Rio Grande do Sul tem uma relevância importante na economia do País, somos a quarta economia nacional, sendo responsável por 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Haverá perdas, talvez de 3 a 4 pontos percentuais no crescimento do PIB nacional a depender do tempo da retomada, mas é cedo para avaliar. Não acredito num impacto muito grande para o País”, comentou.
Na visão do professor, a economia do País está diversificada e menos interdependente, dessa forma ele acredita que o impacto maior será para o estado gaúcho. Em conversas com empresários, eles contam que chegam a sondar um impacto maior do que a pandemia. “Na pandemia estava tudo parado, mas era possível produzir. Agora, não. As indústrias e as plantações estão alagadas”, analisou.
Na avaliação dele, as vendas para o estado cairão, mas não faltarão mercadorias. Para o professor, produtos específicos advindos do RS poderão sofrer inflação. Outro setor que ele acredita que sofrerá impacto é o de laticínios (leite e queijo). A indústria moveleira também foi lembrada em função da forte atuação na região e a dificuldade do transporte. “A indústria moveleira é muito forte por aqui e terá dificuldade de fazer entregas”, comentou.
“Teremos também um impacto forte no varejo. As pessoas terão dificuldade para consumir porque foram muito impactadas. A indústria está parada, os centros de distribuição estão alagados e as estradas destruídas. Além de não ter como produzir, não há como escoar o que já tinha sido produzido e que não se perdeu”, analisou.
Na agricultura, o professor avalia que a produção de arroz não será fortemente afetada. Mesmo o estado gaúcho sendo responsável por mais de 65% da produção do arroz no País, ele não acredita num impacto forte. Isso porque, de acordo com ele, o produto precisa de muita água na produção. “Para o arroz, as chuvas não serão problema”, pontuou.
Já o milho e o sorgo poderão sofrer consequências na opinião do especialista, porque este mês é época da plantação para a safra de inverno e ela atrasará. Na pecuária, ele aponta que a região dos pampas não foi impactada, porém, ressalta que o fornecimento local de carnes pode sofrer pela dificuldade de escoamento da produção.
Para o coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec, Ari de Araújo, o impacto maior também será local, mas o impacto nacional é inevitável. “Não quero dizer que o impacto será grande, mas ele acontecerá”, disse.
Na visão dele, haverá um desabastecimento local, gerando alta nos preços. “As regiões vizinhas acabam sendo afetadas também. É difícil a gente avaliar valores ou quantificar as consequências, mas haverá um choque de oferta, ela poderá ser negativa”, comentou.
Na visão de Araújo, negócios que dependam da venda ou da compra do estado gaúcho sofrerão mais pontualmente. “A maior preocupação é com relação à economia gaúcha. Ela passará por um período de ajustes que ainda está por vir. Não sabemos o que vem por debaixo das águas”, ponderou.
Saúde é preocupação do futuro
Professor da Fundação Dom Cabral, Jairo Procianoy divide o processo de reconstrução do estado do Rio Grande do Sul em duas fases. Depois da reconstrução da infraestrutura e da economia, ele pontua o setor de saúde. “Quando uma tragédia desse porte acontece, temos consequências na saúde também. Proliferação de mosquitos, doenças por contágio de água contaminada, aumento da procura nos postos de atendimento, além dos impactos nos hospitais. Na cidade de Lajeado, 80% estão inutilizados. E o acesso está difícil”, comentou.
Em Porto Alegre, o professor conta que a previsão de estoque de oxigênio na cidade era até esta semana e a administração estava mobilizada para que não haja desabastecimento. “Não sabemos o que mais pode acontecer”, comentou.
Jairo Procianoy pontua que a maior preocupação é o tempo para tudo voltar à normalidade. “As cidades atingidas são responsáveis por cerca de 50% da economia do estado. A demora dessa reconstrução pode custar caro para a população”, analisou.
Catástrofe das chuvas no Rio Grande do Sul é alerta do meio ambiente
A professora de educação financeira e influenciadora digital, Nathalia Arcuri, publicou em sua conta no Instagram uma análise da situação. Para ela, é importante que a sociedade use o evento como alerta. “Eventos como esse serão cada vez mais frequentes e os dados têm mostrado recordes de tragédias e desastres em países como o nosso que não são conhecidos por tragédias naturais como furacões e terremotos. A crise climática já está acontecendo e a tragédia do Rio Grande do Sul é só a ponta do iceberg”, publicou.
Em 2023, o Brasil bateu recorde de ocorrências de desastres hidrológicos e geohidrológicos. De acordo com o Centro Nacional de Desastres Naturais, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foram registrados 1.161 eventos de desastres, sendo 716 associados a eventos hidrológicos, como transbordamento de rios, e 445 de origem geológica, como deslizamentos de terra.
Para a educadora financeira, situação deve fazer com que as pessoas fiquem atentas ao que estão consumindo. “Qual a quantidade você está consumindo? Você está pensando no futuro? E a quem nós estamos aplaudindo?”, alertou.
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