Economia

Concessões do setor de saneamento encontram resistência

Concessões do setor de saneamento encontram resistência
Dados do Snis mostram que cerca de 16% não têm água potável | Crédito: Divulgação / Sisema

Brasília – O acesso a serviços de saneamento básico precisa ser massificado até 2033, mas a meta definida pelo novo marco do setor corre risco diante da resistência de governadores e prefeitos em delegar os serviços de água, esgoto e coleta de resíduos à iniciativa privada.

Apesar de a população atendida por concessionárias privadas ter saltado de 4,5% em 2018 para 23% neste ano, a maior parte do investimento (81%) ainda continua concentrada em entes públicos. “Os estados e municípios precisam acelerar o ritmo das concessões”, diz o diretor-executivo da Abcon (associação das concessionárias de água e esgoto), Percy Soares Neto.

Dados da associação indicam que o investimento médio para que toda a população tenha acesso à infraestrutura básica precisa ser de R$ 75 bilhões por ano pelos próximos 12 anos -4,5 vezes o patamar atual (de R$ 16,5 bilhões).

Para Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B, consultoria que assessora grandes grupos de infraestrutura no país, não há mais espaço para o Estado nesse mercado: “Precisa de muito investimento e a escassez fiscal impede [a participação estatal]”, diz. “Em pouquíssimos anos, a iniciativa privada já demonstrou interesse [pelo negócio]. Mas, se o ritmo atual de investimento seguir como hoje, não vamos universalizar o serviço”.

Frischtak também considera que a questão é política. “Essas estatais são ineficientes e funcionam como cabides de empregos”, diz ele. E ainda continua: “Não há como universalizar sem que haja um plano robusto de concessões por governadores e prefeitos”.

O prazo para que os entes federativos publiquem o plano de saneamento – com diretrizes para o cumprimento da meta de cobertura – vence em 31 de dezembro. Até o momento, poucos cumpriram a exigência legal.

Os 26 leilões previstos no país até 2023 devem gerar mais de R$ 21,7 bilhões em novos investimentos contratados ao longo de 35 anos de concessão em 303 municípios – onde vivem 16% dos habitantes do país. Caso se concretizem, até lá, quase 40% dos brasileiros estarão sendo servidos pela iniciativa privada. Os principais projetos são de água e esgoto no Ceará, Sergipe, Rio Grande do Sul e Alagoas.

Análise

Um estudo recente do BTG Pactual mostra que o mercado tem apetite para financiar as novas entrantes. A receita da concessionária – líquida e certa – é a principal garantia de que as empresas honrarão o pagamento de possíveis empréstimos.

Os bancos também têm atuado na emissão de debêntures (títulos privados de dívida) das concessionárias. Somente as 12 principais já levantaram R$ 6,5 bilhões após a aprovação do marco.

No geral, as captações com debêntures passaram de R$ 5 bilhões, em 2019, para R$ 19,5 bilhões, em 2021. Neste ano, movimentaram R$ 14,7 bilhões até setembro. Entretanto, são números ainda inexpressivos diante do esforço que o país precisa fazer para atingir níveis aceitáveis.

Dados do Serviço Nacional de Informação de Saneamento (Snis) mostram que, em agosto de 2020, cerca de 16% da população não tinha acesso à água potável e 45% não era servida por esgotamento sanitário. Com esse desempenho, o país se iguala ao Peru e fica abaixo de outros emergentes como México, Rússia, Chile e China. (Julio Wiziack).

Novo Marco Legal pode ser discutido

Avesso a privatizações, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deixou o assunto para ser discutido com o futuro ministro das Cidades. No entanto, a equipe de transição recomendou a criação de um novo marco legal para o saneamento básico, dificultando concessões e barrando privatizações.

Até a aprovação da nova legislação, a equipe de Lula pede um “revogaço” de dispositivos da lei por meio de decretos para garantir, primordialmente, a possibilidade dos chamados contratos de programa, nos quais empresas estaduais de saneamento assumem contratos de prestação do serviço em prefeituras, sem licitação.

Hoje, segundo o relatório do BTG, mais da metade desses contratos está em situação irregular e a grande maioria não segue sob supervisão de agências reguladoras – que, por serem independentes, exigem o cumprimento das metas sob pena de multa e, no limite, a cassação dos contratos.

Uma das críticas de assessores do PT ao modelo de concessão definido pelo novo marco é que o preço pago pelos consumidores subiu demais. O levantamento do BTG, entretanto, mostra que o preço médio por metro cúbico de água e esgoto cobrado atualmente por empresas privadas é de R$ 4,63, contra R$ 4,72, por empresas públicas.

Ainda não se sabe como Lula conduzirá o assunto. Mesmo assim, oito associações ligadas ao setor já pediram em manifesto que o novo marco seja mantido. Além da Abcon, estão entre elas a Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib) e Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Somente em 2007, no segundo governo de Lula, é que o Congresso aprovou a Lei Nacional do Saneamento Básico com as diretrizes nacionais, modificadas recentemente pelo novo marco, que estabeleceu a competição (por meio de leilões) entre estatais e empresas privadas pelos contratos de prefeituras e estados. (JW/Folhapress)

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