Economia

Geopolítica, IA e clima pautam debates na 26ª edição do Congresso do IBGC

Governança e inovação dominam debates do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa em São Paulo
Geopolítica, IA e clima pautam debates na 26ª edição do Congresso do IBGC
26º Congresso do IBGC encara disrupção e insegurança global FOTO: Crédito: Hara Fotografia/Divulgação

Conflitos geopolíticos, mudanças climáticas e inteligência artificial pautaram a 26ª edição do Congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), realizada nos dias 8 e 9 de outubro, em São Paulo. Sob o tema “Governança em um mundo disruptivo”, o evento refletiu sobre como empresas e conselhos de administração podem se preparar para um futuro cada vez mais incerto e ainda celebrou os 30 anos do IBGC.

De acordo com a diretora-geral do IBGC, Valéria Café, o evento foi estruturado para enfatizar a importância da governança corporativa em um contexto de incertezas e desafios. O papel dos conselhos de administração, em especial, esteve no centro das discussões sobre como preparar as empresas para um futuro que, na verdade, já chegou. A grande pergunta foi qual é o papel das organizações na construção de um futuro resiliente, em um cenário de mudanças cada vez mais rápidas.

“O Congresso trouxe novos olhares muito interessantes. Tivemos, por exemplo, um palestrante indiano que abordou o significado de um mundo disruptivo e destacou a importância de estarmos atentos e abertos a ouvir o outro. Se não ouvimos o que o outro pensa, não temos como participar do jogo. Depois, um professor de uma universidade chinesa apresentou os planos da China para o mundo e para a América Latina. Eu preciso saber o que eles vão fazer e qual é o meu papel, como empresária, nesse tabuleiro. Por isso, é muito importante compreender todos os olhares”, destacou Valéria Café.

Os conflitos geopolíticos e suas consequências na organização do comércio global, nas relações entre países e no cotidiano das empresas, foram alguns dos temas mais debatidos na 26ª edição do Congresso do IBGC.

Para o fundador e CEO da GIST Impact, Pavan Sukhdev, que proferiu a palestra “Navegando em mares revoltos: governança para sobreviver às disrupções dos próximos cinco anos”, os principais fatores disruptivos que definirão os desafios dos próximos anos incluem a inteligência artificial (IA), os riscos crescentes à saúde planetária, as novas ameaças à saúde humana – entre elas a saúde mental – e a instabilidade geopolítica, com diversos conflitos em curso. Segundo ele, o desafio mais significativo é a mudança no contrato social.

“Esse é o contrato entre o indivíduo e o governo, entre o indivíduo e as instituições, entre o indivíduo e os poderes e direitos da sociedade. É muito significativo o que está acontecendo. Trata-se da ambiguidade e da incerteza que foram injetadas em nosso mundo, da democracia sendo desafiada”, afirmou Sukhdev. Como solução, ele defendeu: “Invistam no capital humano. Investir na saúde mental das pessoas permite proteger indivíduos e empresas contra essa tempestade na qual estamos tentando navegar.”

O novo tabuleiro geopolítico

No mesmo sentido, o professor de Relações Internacionais e copresidente (Co-Chair) do Comitê de Pesquisas Asiáticas e do Pacífico da Associação Internacional de Ciência Política, Alexandre Coelho, durante a palestra “O novo tabuleiro geopolítico”, analisou o papel do Brasil na construção de um futuro reconhecidamente instável e marcado por desafios climáticos e energéticos.

“Há muito tempo – e agora mais do que nunca – as empresas precisam observar atentamente os acontecimentos globais. As guerras, por exemplo, geram problemas no transporte marítimo, afetando a produção e a precificação. Anos atrás, dizia-se que o Brasil não precisava se preocupar por estar geograficamente distante dos grandes conflitos, abaixo do radar dos principais acontecimentos. O que ocorria no exterior parecia não impactar nossos negócios. Se isso já não era verdade antes, muito menos é hoje. As questões internacionais afetam diretamente a economia. O tarifaço de Donald Trump, por exemplo, prejudicou as exportações brasileiras e obrigou o País a buscar outros mercados em pouquíssimo tempo. A guerra na Ucrânia ou um conflito no Oriente Médio influenciam o preço do frete e do seguro, o que repercute na precificação do produto e em diversos problemas logísticos para o empresário brasileiro. Por isso, os conflitos geopolíticos precisam integrar a matriz de risco das empresas”, analisou Coelho.

Mas nem tudo em geopolítica se resume a guerras clássicas, com soldados e bombardeios. A ascensão econômica da China e o consequente aumento de seu peso político, observados há algumas décadas, alteraram o xadrez das relações internacionais.

Reglobalização para o desenvolvimento global

Ao abrir o segundo dia do Congresso do IBGC, o pró-reitor, professor de Finanças e diretor de dois centros de pesquisa da Escola de Economia e Gestão da Universidade Tsinghua, Ping He, demonstrou como a China está cada vez mais no centro do novo tabuleiro global.

“Nos últimos 40 anos, a China tem sido uma força determinante para a globalização, alcançando uma velocidade de desenvolvimento sem precedentes. Certamente, o País se beneficiou desse processo. No entanto, nos últimos anos, enfrentamos conflitos comerciais com os Estados Unidos, o que levanta a pergunta: o que está acontecendo? Em minha visão, o modelo antigo de globalização é falho e não será capaz de promover crescimento sustentável para todos os países em desenvolvimento no futuro. Precisamos agir conjuntamente para reformar a globalização, num movimento que chamo de reglobalização, em vez de desglobalização. Vamos construir uma rede independente de comércio, produção e cadeia de suprimentos, capaz de competir e cooperar com outras redes industriais. Esse modelo difere da globalização tradicional e busca promover cultura e serviços inclusivos, formando um novo modelo de cooperação econômica estável e sustentável, que pode ampliar o desenvolvimento global”, explicou Ping He.

Dessa forma, gestores e empresários precisam se preparar continuamente. A sócia da McKinsey no Rio de Janeiro e líder da prática de Pessoas, Organização e Performance na América Latina, Fernanda Mayol, durante o painel “Liderando a transformação: conselhos preparados para uma nova era”, destacou o papel dos conselhos de administração no apoio às empresas diante desse cenário desafiador.

“O conselho tem um papel catalisador, devendo instigar a alta gestão a lidar com a disrupção. Menos da metade dos conselheiros se sente à vontade para enfrentar esse conjunto de desafios. A agenda está mais extensa e é necessário repensar o volume de temas tratados. Os conselhos estão se dedicando mais à estratégia, que precisa ser ajustada com frequência. Um dado relevante é que 60% dos conselhos que enfrentam maior complexidade se aproximam da gestão, entregam mais valor à organização e influenciam a estratégia de futuro. As discussões no conselho precisam ser um espaço de debate capaz de elevar a ambição da empresa”, afirmou Fernanda Mayol.

Congresso do IBGC mostra que inovação pode transformar disrupções em oportunidades

Se, por um lado, a instabilidade socioeconômica global preocupa gestores e empresários, por outro, é possível tornar esse cenário mais favorável por meio da inovação. Antes, porém, é importante lembrar que inovar não se limita a processos produtivos ou novos produtos e serviços. Fazer uma gestão inovadora, que utilize as novas tecnologias como suporte para que as pessoas alcancem seu melhor desempenho, é fundamental.

De acordo com o sócio da McKinsey em São Paulo e líder da prática de Transformação no Brasil, Maurício Rebelo, durante o mesmo painel, o ritmo das transformações globais é muito mais acelerado do que o da transformação operacional das empresas, o que representa uma ameaça significativa para quem atua no mercado.

“Transformação é a capacidade de inovar. As empresas precisam ter um modelo operacional e uma cultura que permitam fazê-lo com agilidade. Esse processo passa por construir habilidades enquanto se faz uso delas. Não é simples – e a chave é levar a transformação para a ponta, para quem a executa no dia a dia. A transformação não acontece na sala do conselho. As empresas bem-sucedidas sabem que podem ser ‘disruptadas’, por isso se reorganizam e buscam novas trilhas de crescimento”, pontuou Rebelo.

No painel “Liderança estratégica e cultura de inovação: o papel das pessoas na transformação organizacional”, o presidente do Conselho de Administração da Suzano S/A, David Feffer, observou que o sucesso pode não ser um bom conselheiro para as empresas em tempos de incerteza.

“O sucesso pode ser o maior inimigo de uma empresa, porque inibe a inovação. O desejo do cliente por produtos mais baratos e melhores continua o mesmo – assim como o anseio das pessoas por crescimento e reconhecimento. Todos queremos viver melhor. Não é possível ter uma empresa saudável em uma sociedade doente. Precisamos ouvir e questionar se quisermos ser inovadores de verdade”, afirmou Feffer. Para o coordenador-geral do Capítulo Minas do IBGC, Luís Gustavo Miranda, é essencial compreender o cenário global para aplicar soluções locais adequadas às características e interesses de cada território.

“Vivemos em um mundo globalizado, mas também cercado de demandas regionais e locais. Minas Gerais está inserida nesse contexto: sofre consequências, mas também pensa e desenvolve soluções conectadas. Uma solução criada em Minas pode ajudar a resolver problemas em qualquer parte do mundo. O futuro começa com as ações de hoje. Um passo essencial para as empresas é o comprometimento e a participação em eventos como o Congresso do IBGC, que proporcionam letramento e conhecimento de alto nível, capazes de elevar o patamar de pensamento e abrir novos caminhos”, avaliou Miranda.

*A repórter viajou a convite do IBGC

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