Redes femininas: conheça negócios e conexões que nascem e prosperam entre mulheres

Uma agência de publicidade que só contrata mulheres. Uma instrutora de autoescola especializada no atendimento feminino. Uma escola de dança que não permite a entrada de homens. Uma empresa de reparos e obras que só atende mulheres. Um grupo de trilha exclusivamente feminino. Em um mercado de trabalho ainda desigual, onde, segundo dados dos ministérios da Mulher e do Trabalho e Emprego, as mulheres recebem 20% a menos do que os homens em cargos equivalentes, as mulheres criam seus próprios ecossistemas laborais.
Em torno dessas redes formadas por e para mulheres, muitas trabalhadoras garantem o sustento da família, conseguem usufruir de serviços e atividades diversas com segurança, encontram apoio, empatia e, principalmente, espaço para crescer.
É o caso da agência de Comunicação e Marketing Sophí, de Belo Horizonte, que, atualmente, conta com 35 colaboradoras entre jornalistas, publicitárias, revisoras e profissionais da tecnologia da informação, todas mulheres.
A agência existe desde 2016, já majoritariamente feminina naquela época. Mas foi em 2019 que a empresa abraçou o conceito e a prática de priorizar a contratação de mulheres.
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“A gente queria trazer representatividade feminina no mercado publicitário, um espaço onde as cadeiras, principalmente executivas e criativas, são ocupadas majoritariamente por homens. Então, a ideia era criar uma agência em que a mulher fosse a principal escolha para assumir cargos de lideranças”, lembra a CEO da Sophí, Rhayda Rufino.

Não por acaso, o formato de trabalho da empresa casa bem com a realidade de muitas mulheres que vivem múltiplas jornadas de trabalho, como a função de cuidar da casa e dos filhos. É que a Sophí já nasceu no formato home office, mesmo antes da Covid-19. E foi por isso que a empresa se viu preparada para lidar com o trabalho na pandemia.
Em 2021, a agência saltou de 15 para 55 colaboradoras. “Acho que pelo fato de a gente ser home office desde sempre, a partir do primeiro dia de pandemia já estávamos preparadas. O mercado publicitário passou a exigir muito mais naquela época e nem todo mundo conseguia assumir as demandas rapidamente, porque os clientes precisavam aumentar o volume de comunicação de forma muito rápida”, lembra.
Hoje, a Sophí é responsável pelas contas das gigantes mineiras Araujo e Localiza, além de outras empresas nacionais.
“Somos mulheres diversas e isso impacta diretamente na qualidade do trabalho que entregamos. Muitas de nós não teriam oportunidade em outras agências por várias questões. Hoje, os clientes percebem o quanto o nosso trabalho agrega na agilidade e criatividade das entregas”, pontua Rhayda.
As equipes se reúnem presencialmente uma vez por ano, encontro sempre muito aguardado, segundo Rhayda. Além disso, a empresa mantém um endereço comercial para quando as profissionais precisam fazer uma reunião presencial com algum cliente.

Embora a empresa tenha uma jornada de trabalho definida, o horário é flexível, de modo que as colaboradoras podem se organizar melhor no dia a dia.
“As pessoas ficam mais à vontade neste ambiente. Algumas coisas que no mercado ainda são uma questão, aqui, não precisam nem de justificativa. Uma mãe que precisa mandar o filho pra escola às 11h, por exemplo, ou que tem uma reunião na escola. Ela se adapta de acordo com o horário dela e isso não chega nem a ser um assunto pra gente”, diz.
A prova de que um trabalho entre mulheres que entendem e respeitam suas questões diversas – mas também em comum – é eficaz, são os resultados da empresa. Além de um portfólio de respeito, a satisfação das colaboradoras se reverte em reconhecimentos como o Great Place To Work (GPTW), no qual a Sophí foi considerada a melhor pequena agência para se trabalhar no Brasil, em 2023, e a 5ª melhor pequena empresa para se trabalhar em Minas Gerais, em 2022.
Reparos, obras e autoescola para mulheres
Quando Larissa Ribeiro começou a trabalhar com reparos domésticos ela tinha 19 anos. Hoje, com 28, a criadora da empresa Working Girl expandiu seus serviços para obras e reformas de casas, atendendo exclusivamente mulheres.
Vinda de Iturama, no Triângulo Mineiro, ela chegou a Belo Horizonte em 2016, e começou a trabalhar com o que sabia fazer: pequenos reparos domésticos como troca de tomadas e de chuveiro. O filtro para atendimento ao público feminino foi para sua própria segurança já que, na época, trabalhava sozinha.

“Como não conhecia ninguém e era nova na cidade, eu filtrei para atender só mulheres, e acabou sendo assim até hoje. O pessoal até pergunta se com isso faltam clientes ou demanda, mas a verdade é que sempre tem um movimento muito bom. As pessoas indicam, tem o boca a boca, e a gente tem esse diferencial de dar mais segurança a uma mulher que está recebendo alguém em casa sozinha. Sem falar que, algumas vezes, o profissional acaba cobrando mais caro por ver que a cliente é uma mulher e considerar que ela não entende nada daquele serviço”, explica.
Os serviços de pequenos reparos domésticos que envolvem hidráulica e elétrica, costumam render até dez atendimentos por dia. Já as obras e reformas de casas, exigem períodos mais longos de trabalho.
“Às vezes temos cinco obras acontecendo ao mesmo tempo e cada uma tem um passo a passo. Tem a parte da demolição, da infraestrutura, do acabamento, que é onde eu gosto de ter um olhar mais clínico”, diz.
Apesar de restringir o atendimento ao público feminino, a Working Girl não descarta atender chamados masculinos. “Desde que haja uma mulher no ambiente. Caso a técnica chegue ao local e se depare somente com homens, ela é orientada a não permanecer”, pontua Larissa.

A Working Girl também promove cursos de reparos domésticos para mulheres. “São quatro módulos essenciais de ferramentas, pintura, elétrica e hidráulica. É um curso bem completinho para a pessoa saber fazer esses pequenos reparos em casa como trocar a resistência do chuveiro. E também tem a parte teórica, para a mulher não ser enganada quando solicitar um serviço. Às vezes, o prestador de serviço chega na casa dela por causa de um fio queimado, e quer trocar toda a fiação”, alerta.
Outra área na qual os homens costumam predominar é a de autoescolas. Não por acaso, é raro encontrar instrutoras mulheres. Ruselaine Guerra é uma delas. Especializada em aulas de direção para habilitados, ela conta que, atualmente, seu público é 90% feminino.
“Trabalho com isso há 22 anos. Quando eu comecei, era a única instrutora feminina da região. Piadinhas sobre mulher não saber dirigir eram comuns. A minha estratégia é mostrar para a pessoa que sei o que estou fazendo, que eu detenho o conhecimento. E quem tem conhecimento tem poder”, relata.

Ela percebe que as mulheres ficam mais à vontade e mais seguras com ela no carro. “Antigamente, quando as meninas vinham fazer aula comigo, elas reclamavam que sofriam muito assédio dentro do carro. Foi assim que eu descobri esse nicho”, lembra.
“Elas ficam bem à vontade aqui, algumas vêm até de pijama, de shortinho, com descolorante de pelos na perna, preparando a mão pra fazer unha, sacola na cabeça fazendo banho de creme. Já peguei de tudo. Além disso, muitas gostam de desabafar também e eu sou uma boa ouvinte. Eu dou essa liberdade para a pessoa ficar à vontade, acho isso importante para não provocar um trauma. Ela tem que ver que é gostoso dirigir, que é confortável”, completa.
Conexões internas e com o mundo
Criado em 2016 pela professora Paola Brito, o estúdio de dança Afrodite, de Belo Horizonte, é um espaço seguro para mulheres e membros da comunidade LGBTQIA+ se descobrirem por meio do movimento do corpo.
“O estúdio nasceu como um espaço dedicado a mulheres, porque já existem muitos espaços onde nossos corpos não são respeitados. Então, eu quis proporcionar esse lugar de acolhimento pra gente. SSabemos da importância de ter um espaço pra gente, de conexão, conforto, segurança e troca. Cada um vive na sua individualidade, mas é inegável que as nossas dores são muito coletivas quando se trata de mulher”, explica.
Nesses quase dez anos de existência do Afrodite, pelo menos 4 mil mulheres já passaram por ali. As conexões, no entanto, ultrapassam as paredes do estúdio.

“A gente tem um grupo com mais de 250 mulheres no WhatsApp desde 2018, onde trocamos informações e dicas, vendemos coisas, pequenas empreendedoras compartilham seus produtos e nós compramos, tiramos dúvidas. Muitas se tornam amigas. As minhas maiores amizades hoje, e as coisas que eu aprendi ao longo desses anos, vieram do estúdio”, conta Paola Brito.
Há, ainda, outro tipo de conexão que emerge de um grupo de mulheres que tiram algumas horas por semana para movimentar o corpo em conjunto. “É a conexão interna, onde as pessoas conseguem se enxergar mais capazes, conseguem entender melhor quem elas são, onde estão no mundo e a sua importância. Essas mulheres se descobrem mais fortes, não só fisicamente, mas emocionalmente também. É difícil até verbalizar isso, é preciso estar ali para entender”, diz.
Já para explorar as conexões com o mundo, um grupo de mulheres também se uniu para criar o Mulheres na Trilha. A ideia partiu da jornalista Fabiana Senna que, ao começar a fazer trilha em 2015, teve dificuldades para obter informações a respeito.
“Quando comecei a intensificar a prática, não encontrei conteúdo de trilha voltado para mulheres. Lembro de ter pesquisado no Google ‘mulheres na trilha’ e encontrar alguns poucos conteúdos de mulheres praticando motocross. Daí veio o insight para criar o Mulheres na Trilha, em 2017. Meu objetivo era compartilhar meus aprendizados sobre trilha para tornar a prática mais acessível e segura para outras mulheres”, lembra.
Nesses quase oito anos de existência, o grupo cresceu e passou a ser chamado para participar de palestras e mesas redondas, fazer parcerias com marcas do segmento, produzir camisas personalizadas, e percorrer novos roteiros de passeios e viagens exclusivos para mulheres.

“Ao longo desse tempo, fizemos parte da história de muitas mulheres. Mulheres que não tinham companhia para viajar, que se divorciaram ou que só depois dos ‘filhos crescidos’ tiveram a oportunidade de viver suas próprias experiências. Mulheres que tiveram algum problema de saúde físico ou mental e encontraram nesse contato com a natureza um processo de cura”, conta Fabiana Senna.
Uma das integrantes do grupo, Raquel Domingues, relata que sempre gostou de fazer trilhas e estar na natureza. No Mulheres na Trilha ela encontrou um espaço de segurança, confiança e acolhimento.
“Nas nossas andanças mundo afora, percebo que estamos conseguindo criar espaços de trocas preciosas, em que nos sentimos mais à vontade para sermos quem somos e compartilhar vivências de forma mais tranquila e natural, pois muitas dessas experiências já foram vividas por outras mulheres também. Acredito que estar entre mulheres é uma forma de nos posicionar no mundo. É criar espaços seguros e compartilhados pra gente que ama estar na natureza e explorar aventuras, viver o que queremos viver”, observa.
O grupo já passou por aventuras como subir o terceiro ponto mais alto do Brasil, o Pico da Bandeira, trajeto compartilhado por 40 mulheres. Também fizeram a Travessia do Descobrimento, percorrendo o litoral sul da Bahia, de Cumuruxatiba a Porto Seguro, em cerca de 100 km de caminhada e a expedição ao Monte Roraima, em três dias de subida e dois de descida.

E é descobrindo novas formas de explorar o mundo, que o grupo Mulheres na Trilha tem crescido. Nos últimos anos, a trupe passou de dois eventos por ano (as trilhas do Mês da Mulher e do Outubro Rosa) para mais de 40, entre expedições, viagens e palestras. As camisas personalizadas, antes vendidas apenas para grupos de amigas, hoje rodam o Brasil. São quase 1.000 peças comercializadas por ano.
“O Mulheres na Trilha nasceu como uma comunidade, virou uma marca e, agora, está se tornando uma agência de turismo de aventura. Enfim, somos mulheres ‘comuns’, não somos atletas. Com o grupo acredito que mostramos para outras mulheres que é possível começar algo novo, mesmo que pareça desafiador. Que a história de uma pode inspirar a de muitas. E que, juntas, conseguimos nos apoiar, ajudar e acolher” conclui Fabiana Senna.
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