Cuidado com meio ambiente reduz custo industrial em MG

A Confederação Nacional da Indústria não divulga o Indicador de Custos Industriais (ICI) desde o início de 2021. O índice está passando por uma revisão metodológica e seu último registro é do terceiro trimestre de 2020, já na pandemia, quando subiu 8,6% em relação ao trimestre anterior. E ninguém duvida que, de lá para cá, os custos da indústria tenham crescido ainda mais. Altas dos combustíveis, dos insumos importados, dos produtos intermediários – os aumentos se aceleraram com a pandemia, mas, ao contrário da Covid, não dão mostras de que vão arrefecer.
A variação cambial é uma montanha russa: se a desvalorização do real traz novos custos para a indústria brasileira – já que é praticamente impossível fabricar um produto cujos componentes sejam 100% nacionais – ela também aumenta a competitividade do que é feito aqui. Já custos como o do capital de giro, que não incomodaram nos últimos dois anos, passaram a subir junto com os juros. Agora, com a guerra na Ucrânia, as cadeias globais se ressentem e os produtos começam a faltar. E a aumentar.
Nessa espiral de despesas que persistem em crescer, o que a indústria pode fazer para equilibrar a conta? Com margens cada vez mais achatadas, o setor industrial precisa rever a planilha de custos, para garantir a sustentabilidade de suas operações. E não só a sustentabilidade financeira. Iniciativas da indústria na área de economia circular, além de economizar, podem ser boas para as pessoas e o planeta.
Nesta série de reportagens, o DIÁRIO DO COMÉRCIO mostra como as empresas estão aplicando o conceito dos 5 Rs – repensar, reduzir, recusar, reutilizar e reciclar – para proteger o meio ambiente e, por que não, também o saldo de suas contas correntes. Trata-se de exercitar um outro tipo de economia, que tem por objetivo manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor.
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A Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) iniciou suas ações na área em 2009 com o Programa Mineiro de Simbiose Industrial, seguido pelo Programa de Economia Circular em Distritos Industriais, criado em 2017. Em 2020, lançou a Rede de Economia Circular da Indústria de Minas Gerais, envolvendo indústrias em todas as dez regionais do Sistema Fiemg no Estado.
“A Fiemg lançou a Rede de Economia Circular com o objetivo de atenuar o impacto das empresas no meio ambiente. Com isso, as empresas estão conseguindo ser mais produtivas e reduzir custos, ou seja, cuidados com o meio ambiente deixam de ser despesa para se tornar receita. Esse é o melhor dos mundos”, informou o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe.
Adotar a cultura da Economia Circular no negócio está relacionado diretamente à competitividade das indústrias, garante o coordenador do programa, Guilherme Zanforlim. Segundo ele, o programa, atualmente integrado por 74 indústrias (44 das cidades de Sete Lagoas e Uberaba e outras 30 do Norte do Estado), mantém pautas em sintonia com a agenda ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas.
“A indústria precisa investir-se de sua responsabilidade e repensar processos produtivos, de maneira a contribuir para a redução de emissões de gases que agravam o efeito estufa”, diz Zanforlim. “Com as estratégias de economia circular somadas à inovação, retiramos menos matéria-prima original da natureza e geramos valor para a sociedade. Uma melhoria de processos, produtos e novos serviços que geram redução de despesas e aumento de receitas”, completou.
O programa já envolveu mais de 760 empresas do Estado, em uma engrenagem colaborativa de negócios que propiciou a economia de R$ 8,7 milhões em custos para as participantes. Algumas delas aumentaram sua lucratividade em até 20%. E além disso, 140 mil toneladas de resíduos deixaram de ir para aterros sanitários; 200 mil toneladas de recursos naturais virgens foram poupadas; 90 mil toneladas de carbono deixaram de ser emitidas e 13 milhões de metros cúbicos de água foram reutilizados.
Economia circular da batata e da celulose
Empresas como a Bem Brasil Alimentos, fabricante de batata frita congelada em Araxá, descobriram, ao fazer os levantamentos para integrar o programa da Fiemg, que já tinham muitas ações na área. A empresa lista entre outras iniciativas uma estação de tratamento de efluentes, a economia de 84 mil metros cúbicos de água por mês com um sistema de fertirrigação e biomassa gerada a partir de cavaco de madeira, que contribuem para que a Bem Brasil deixe de emitir aproximadamente 24 mil toneladas de CO2 por ano.
A parceria com uma fazenda, a Água Santa, destina 150 toneladas por dia de resíduos de batata, que dão origem a 30 mil toneladas por ano de composto orgânico, aplicados em dez mil hectares de cultivos diversos, inclusive de novas batatas, que acabam retornando à Bem Brasil, perfazendo o ciclo completo, com melhoria da qualidade do solo.
“Nós levamos os resultados deles para a Conferência Mundial das Mudanças Climáticas, a Cop 26. São ações que irão contribuir com a meta de zerar as emissões de CO2 até 2050 ”, aponta Zanforlim.
Antes de formar a rede, nos dois anos em que o Programa de Economia Circular em Distritos Industriais atuou junto a empresas da região metropolitana de Belo Horizonte, os resultados foram consideráveis. Entre eles, a reciclagem de 1,93 milhão de toneladas de resíduos por ano, redução de custos de R$ 1,77 milhão por ano e redução de emissões de 139,44 toneladas de carbono equivalente por ano.
Celulose reciclada
Uma dessas empresas é a DVG Precon, do grupo DVG, em Pedro Leopoldo. Hoje, parte da matéria-prima virgem de celulose utilizada no processo de fabricação das telhas de fibrocimento é substituída na empresa por celulose reciclada, proveniente de embalagens tetra pak. As embalagens descartadas são enviadas para o fornecedor que, por meio de um processo industrial de reciclagem, obtém a celulose. A celulose reciclada reduz em até metade do preço o processo, quando comparada à matéria virgem e a qualidade é mantida. Esse insumo é um dos principais componentes na produção das telhas.
A empresa implantou um sistema automático de reposição de água no processo de produção das telhas de fibrocimento, que controla a reposição de água proveniente do poço artesiano, mantendo um circuito fechado de circulação. Com isso, não há desperdício de água, além de menor tempo de funcionamento da bomba do poço artesiano, com redução do consumo e do custo com energia elétrica e aumento da vida útil do lençol subterrâneo.
Na DVG Sical, outra empresa do grupo, os resíduos coletados durante a fabricação do Bloco de Concreto Celular Autoclavado, que antes eram descartados, passaram a ser reaproveitados na criação de dois outros produtos: brita expandida e pó secante. A brita expandida é usada na produção de concreto leve e paisagismo; já o pó secante (em processo de homologação), é um composto mineral para ser usado em leitões recém-nascidos.
“Cerca de 3% da matéria-prima do Bloco CCA era perdida e, com essa reutilização, passou a ser transformada em novos produtos para o mercado, fazendo com que 100% do corte retornem à produção”, informa a diretora do grupo DVG, Kelly Teixeira.

Fábrica de cosméticos investe em energia solar
Na Bio Extratus, empresa familiar de cosméticos com mais de 30 anos de mercado, as ações de Economia Circular foram implementadas desde o início da história da empresa e foram se intensificando ao longo do tempo. Entre as várias ações de reaproveitamento e reciclagem, se destaca a utilização de energia fotovoltaica, que acontece em todo o processo de fabricação desde 2016.
Foram instalados 2.159 módulos para geração de energia em um investimento de mais de R$ 3 milhões. “No fechamento de 2021, constatamos a recuperação de 51% do valor investido, o que corrobora a estimativa inicial de 10 anos para o payback. Considerando-se a vida útil dos módulos fotovoltaicos, podemos afirmar que a partir de 2026 iremos operar obtendo lucro por no mínimo mais 15 anos”, calcula o coordenador de meio ambiente da empresa, André Alves Cruz.
Desde o início dos anos 2000, a empresa fabrica separadores de seus produtos nas embalagens, a partir do corte das caixas de papelão que recebe dos fornecedores. São fabricados cerca de 45 mil destes separadores por ano. “A reutilização das caixas de papelão promove a redução do consumo de água, de energia e da geração de resíduos que aconteceria para fabricação dos mesmos separadores a partir de matérias-primas extraídas diretamente da natureza. Do ponto de vista econômico, reduz o nosso custo de fabricação”, informa Cruz.
Desafio
Para o professor-doutor Walter Morais, do Curso de Ciências Contábeis do Ibmec, o grande desafio para as indústrias brasileiras está em substituir processos e recursos que impactam negativamente o meio ambiente por insumos ecológicos. “Em alguns segmentos industriais, os insumos e matérias-primas voltadas a não agredir ao meio ambiente ainda têm custos altos e não contam com incentivos do governo, o que reduz o interesse dos investidores neste primeiro momento”, observou.
“Poucos setores já concluíram as novas plantas industriais para abarcar produção mais eficiente e com menos agressão ao meio ambiente, mas esta é uma forte tendência. Produtos como latas de bebidas, embalagens plásticas de refrigerantes, canudos de plásticos, têm sua produção cada vez mais engajada em efetivar a economia circular com o fim de minimizar os impactos ao meio ambiente”, concluiu
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