Entenda os desafios da corrida pela energia limpa no Brasil

Rio de Janeiro – Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um boom no setor de energia renovável, com a implantação de centenas de projetos de parques de geração eólica e solar. Trata-se de um importante passo rumo à descarbonização de diversos setores, ainda que em termos de energia limpa, o País seja modelo para muitas nações. Mas, em janeiro, 29 organizações sociais ou de proteção ao meio ambiente divulgaram uma proposta de novas regras para autorizações de projetos do tipo.
O objetivo é debater mecanismos de proteção contra os riscos e os impactos que esses projetos impõem aos territórios e aos seus habitantes. É que a corrida pela energia limpa tem intensificado conflitos socioambientais, principalmente no Nordeste.
“Embora carreguem o rótulo de energia limpa, a forma como as grandes usinas eólicas e solares e suas
linhas de transmissão vêm sendo instaladas no Nordeste brasileiro está longe de ser inofensiva”, diz o documento, intitulado “Salvaguardas Ambientais para Energia Renovável”.
As preocupações vão desde o impacto sobre comunidades tradicionais e pequenos agricultores a questões ambientais, como ameaça a espécies nativas e à flora. Em 2022, a plataforma MapBiomas detectou pela primeira vez desmatamento por usinas eólicas e solares no Nordeste, por exemplo.
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“O Brasil tem condições de dar uma imensa contribuição para a descarbonização mundial”, diz o texto. “Mas isso não pode ser feito às custas de povos e de populações historicamente exploradas, marginalizadas e vulnerabilizadas.”
Conheça algumas das propostas para os projetos de energia limpa
Uma das propostas é a definição de zonas de exclusão para os empreendimentos, definidos a partir do diálogo com os habitantes e das premissas ambientais de cada território, incluindo os princípios da precaução e prevenção.
“O uso da terra para produção de alimentos e água, conservação ambiental e manutenção dos territórios, culturas e modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais não podem ser impossibilitados em detrimento da produção comercial e em larga escala da energia.”
Nesse sentido, o grupo propõe que nesses territórios, a geração seja pautada em modelos solares descentralizados, comunitários e autogestionados, com menor impacto sobre o modo de vida e produção do que os grandes parques geradores, que ocupam vastas áreas.
O documento propõe também regras para os contratos entre empreendedores e proprietários de terra, considerados pelas entidades abusivos, pelos longos prazos, restrições para uso da terra e pelos valores pagos aos proprietários.
Nesse sentido, propõe apoio jurídico às comunidades, maior remuneração e mitigação de danos também a vizinhos, que muitas vezes sofrem os impactos, mas não recebem compensação financeira.
“O modelo de exploração desenvolvido no País é implementado mediante o desapossamento de comunidades”, afirmou, no evento de lançamento do documento, o defensor público federal da Paraíba Edson Andrade. “Precisamos de um modelo mais democrático, que divida a riqueza com essas comunidades.”
As entidades questionam ainda o processo de licenciamento dos projetos, na maior parte dos casos feito por órgãos ambientais estaduais. Segundo eles, o modelo é ineficaz, gera confusão regulatória e falta de transparência processual e tem pouca participação social.
“O licenciamento ambiental deveria ser um importante instrumento para mitigar e compensar impactos e danos. Mas, na prática, o processo existente tem sido insuficiente para responder ao avanço das centrais de geração de energia eólica e solar no Nordeste”, afirma o texto.
Relação entre energia renovável e desmatamento
Em 2022, segundo o MapBiomas, energias renováveis foram responsáveis pelo desmatamento de 4.291 hectares. “O dado é especialmente preocupante pela expansão se dar em dois biomas altamente ameaçados e pouco protegidos, o cerrado e a caatinga”, dizem as entidades.
Elas pedem ainda que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) considere aspectos socioambientais na análise da outorga dos empreendimentos, que hoje considera principalmente restrições do setor elétrico brasileiros.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em dezembro, a presidente da Associação Brasileira de Empresas de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoun, reconheceu problemas na implantação de projetos iniciais, mas disse que o setor vem atuando para resolvê-los e evitar sua repetição no futuro.
A associação prevê lançar este ano um guia de boas práticas para tentar melhorar o desenvolvimento dos projetos e sua relação com as comunidades, sugerindo inclusive modelos de contratos de arrendamento.
Já a Absolar, que representa geradores solares, disse em nota que “ampla maioria destes empreendimentos é construída em locais com menor densidade demográfica e em terrenos já antropisados e de baixa produtividade, que normalmente não seriam aproveitados para outras atividades”.
A implantação dos projetos, continuou, “atende a rigorosos requisitos legais, regulatórios e ambientais, inclusive quanto ao seu licenciamento, mitigação e compensação de eventuais impactos ao entorno” e é acompanhada de interações com comunidades locais.

Um dos países com grande potencial para liderar a transição energética, o Brasil dobrou sua capacidade de produção de energia eólica e aumentou em seis vezes a capacidade de geração solar nos últimos cinco anos.
E o ritmo deve se manter intenso nos próximos anos: apenas em 2023, a Aneel já concedeu outorga a 1.614 novos parques solares e 317 eólicos. Com boa incidência de luz e sol, a região Nordeste e o Norte de Minas Gerais concentram a maior parte dos projetos.
“O Brasil precisa decidir se a transição energética justa é de interesse nacional ou não”, dizem as entidades signatárias do documento.
“Caso seja, precisa tratar também seus territórios geradores de energia como prioritários, para que os impactos na geração e na transmissão de energia sejam mitigados, danos sejam evitados e a reparação esteja à altura.” (Nicola Pamplona)
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