Economia

Dívida da Vale com municípios supera R$ 9 bi

Fiscalização feita pela Amig junto ao setor eleva o valor do passivo tributário da mineradora
Dívida da Vale com municípios supera R$ 9 bi
Crédito: Muyu Xu/Reuters

A Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig) divulgou ontem o resultado de uma apuração fiscal iniciada em 2005 com o objetivo de investigar possíveis irregularidades tributárias no setor. Com a fiscalização efetivamente aberta em 2017 e concluída em 2018, foi identificada uma diferença de R$ 7 bilhões em dívidas somente por parte da Vale S.A. No entanto, segundo a entidade, a cobrança gerada em 2019 ainda não foi regularizada pela mineradora.

“A agência sempre foi muito atuante e bem correta com as suas fiscalizações. Acontece que, dessa vez, foi realizada uma grande força-tarefa, e de uma forma robusta para fiscalizar todas as mineradoras. Com isso, a agência apurou as divergências existentes, as pendências tributárias e foi constatada a irregularidade da Vale, que possui a primeira pendência não quitada desde outubro de 1998, ou seja, 24 anos. Isso gera uma dívida que ultrapassa os R$ 9 bilhões”,  explica a consultora tributária da Amig, Rosiane Seabra.

Em agosto deste ano, o DIÁRIO DO COMÉRCIO chegou a mostrar uma campanha lançada pela entidade para pressionar a mineradora pelo pagamento de uma dívida na ordem de R$ 2,3 bilhões O valor deveria ser pago em royalties aos 28 municípios onde a companhia opera atividades. No entanto, a empresa não destinava corretamente a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cefm), que é de 3,5% conforme previsto em lei.

A Amig esclarece à sociedade que a dívida de R$ 2,3 bilhões originou-se de levantamentos feitos há quase 18 anos. Os processos de cobranças iniciados em 2005, em sua maioria, ainda estão em recursos administrativos dentro do órgão regulador.

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Segundo a entidade, são quase 110 processos de cobranças, que perfazem esse montante. Destes, dez estão em dívida ativa, com a Certidão de Dívida Ativa (CDA), cobrados pela Procuradoria Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU). Os demais ainda estão em recursos administrativos na Agência Nacional de Mineração (ANM).

 Rosiane  Seabra alerta que o comportamento irregular da Vale tem prejudicado diretamente os municípios mineradores. Essas mesmas cidades dependem do recolhimento correto da alíquota da Cfem, de maneira que possam realizar a distribuição de benefícios aos setores de saúde e educação, que enfrentam severas reduções e cortes.

“Vemos aí o Brasil que está bloqueando a destinação de recursos para a educação. Se tivéssemos o recolhimento correto do Cfem por parte das mineradoras, não precisaríamos ter que bloquear recurso algum. Porém, a nossa fiscalização por parte do governo é falha. Inclusive, orientamos aos municípios que reforçassem a fiscalização independentemente da agência ou não”, ressalta a especialista.

Pelotização

Os municípios cobram o recolhimento da Cfem referente à pelotização do minério de ferro por parte da Vale. Das 28 cidades presentes nesta lista, 17 são de Minas Gerais. Já as outras 11 cidades estão distribuídas por Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará e Sergipe.

“Atualmente a maior alíquota do Brasil é exatamente a do minério de ferro. Acontece que ao invés de cumprir regularmente a destinação dos 3,5%, a Vale determina a própria base de cálculo e faz a contribuição que ela mesma bem entender. Ou seja, na visão dela, a incidência da Cfem em relação à pelota não necessita de ser paga, pois segundo ela, a pelota não trata-se de um produto mineral, mas de um produto industrializado. E, na prática, o que é considerado um produto industrializado não precisa ser pago”, explica Rosiane Seabra.

“Por outro lado, a Lei nº 7.990, que é do ano 1989, e a Lei nº 8001, do ano de 1990, que define a forma de cálculo da Cfem, são leis da fase de beneficiamento, e compreendem que a pelota é sim um produto mineral. Ou seja, a Vale não cumpre a própria lei”, adverte a consultora da Amig.

De acordo com as apurações realizadas pela entidade, a maior evasão é representada por 60% em irregularidades nos repasses da Cfem às cidades mineradoras. Já os outros 40% da dívida, são de tributos incidentes da base do Programa de Integração Social (PIS),  Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).

“O que vemos é que à medida que a Vale aumenta a sua produção e exportação, as diferenças apuradas pela agência são astronômicas. Isso vale também diante do crescimento do mercado internacional e da valorização do minério de ferro. Quando isso ocorre, os valores vão só se distanciando”, destaca Rosiane Seabra. A associação alerta que a evasão da Cfem aos municípios impede investimentos em áreas fundamentais para o crescimento e bem-estar da população.

Tratativas

Para o consultor de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico da Amig, Waldir Salvador, foram realizadas várias tratativas com a empresa para a negociação da dívida, mas a associação e os municípios não têm mais o que aguardar.

“Queremos que se cumpra a lei. Ela deve pagar. A Amig não faz essa cobrança pública feliz. Essas mazelas só dão subsídios para quem é inimigo da atividade mineradora. A associação não é adversária da mineradora e muito menos da mineração. Só queremos que seja uma atividade íntegra, decente e sustentável para ambas as partes (mineradoras e municípios)”, pontua.

Rosiane Seabra enfatiza que a dívida está em análise na fase recursal administrativa, num processo que já se estende por 15 anos sem julgamento, favorecendo a companhia.

Vale

Em nota, a Vale afirma que efetua, regularmente, o recolhimento da Cfem e observa tanto as normas aplicáveis quanto os limites constitucionais existentes. “Há pontos controversos na legislação”, ressalta a mineradora.

Por meio de nota, a Vale disse que efetua, regularmente, o recolhimento da Cfem e observa tanto as normas aplicáveis quanto os limites constitucionais existentes.

A empresa ponderou aida que há pontos controversos na legislação que estão sendo discutidos por todo o setor mineral e aguardam manifestação definitiva pelo Poder Judiciário.

Segundo a mineradora, nos últimos nove anos, seus recolhimentos de Cfem chegaram a R$ 21 bilhões, distribuídos aos municípios pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

“A Vale continua empenhada em gerar valor compartilhado e sustentável para todos os municípios onde atua, bem como contribuir para o crescimento das economias locais, nacionais e global, através de suas operações, investimentos, tributos e royalties. O recolhimento de suas obrigações é parte fundamental da relação com a sociedade e divulgada de forma transparente em seu TTR – Relatório de Transparência Fiscal”, finalizou no documento.

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