Economia

Da ‘bet’ à Bolsa: a importância do resgate da educação financeira em tempos de apostas

Explosão de jogos reforça a relevância de investimentos de construção de patrimônio no longo prazo
Da ‘bet’ à Bolsa: a importância do resgate da educação financeira em tempos de apostas
Número de investidores em renda fixa cresceu 20% entre o segundo trimestre de 2024 e de 2025 no País, segundo a bolsa B3. | Foto: Divulgação/B3

Legalizadas no Brasil em 2018 e regulamentadas desde o ano passado, as apostas on-line, como as bets, rapidamente ganharam a atenção do brasileiro, tanto que o País já desponta como um dos maiores do mundo no setor (veja abaixo). Muitos usam as bets com responsabilidade, apenas por entretenimento e lazer, mas o problema está em quem perde o controle e vê nas plataformas uma maneira de gerar renda extra, o que é um erro.

É o que explica o planejador financeiro da Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar), Harion Camargo. A entidade, que é não governamental e sem fins lucrativos, trabalha pela “qualidade profissional”, a fim de “elevar o padrão do mercado de planejamento financeiro no Brasil”.

Segundo Camargo, o uso de apostas, como as chamadas bets, como forma de ‘renda extra’ é perigoso porque cria uma falsa percepção de geração de renda. Ele lembra que, diferentemente de um investimento, as apostas não são estruturadas para gerar ganhos consistentes ao longo do tempo.

“Pelo contrário, elas funcionam com uma vantagem matemática para as plataformas, o que faz com que, na prática, a maioria das pessoas perca dinheiro quando aposta de forma recorrente. Além das perdas financeiras, há ainda o risco de comportamento compulsivo, descontrole do orçamento e endividamento, especialmente quando a busca por ganhos rápidos passa a substituir o planejamento financeiro”, alerta.

Estimativa de faturamento das bets no mundo em 2025, em US$ bilhões:

  • Estados Unidos: 17,31
  • Reino Unido: 9,9
  • Itália: 4,62
  • Rússia: 4,51
  • Brasil: 4,14 (cerca de R$ 22 bilhões)
  • Austrália: 3,66
  • Canadá: 3
  • França: 2,89
Fonte: Regulus Partners, em estudo obtido pela BBC News Brasil

Apostar em bet não é proibido

Essa, também, é a análise feita pelo economista e educador financeiro Leonardo Baldez Augusto, que considera o ato de apostar, quando feito descontroladamente, um problema de saúde financeira no País (saiba mais sobre o vício em jogos abaixo). “Toda aposta é feita para você perder”, sintetiza.

Apesar disso, se uma pessoa quer jogar em bet, obviamente ela tem esse direito. Para tanto, é recomendado seguir algumas orientações.

“Se você for jogar em bet, deve separar um orçamento para isso, que estará separado dos seus gastos normais. Você só jogará aquilo que separou, sem aumentar as apostas. Mesmo se ganhar, não deve querer apostar cada vez mais, porque se torna um vício. Apostar não é uma renda extra, e sim um gasto extra”, completa Augusto.

Apostar x investir: conceitos distintos

Apostar em jogos, como as bets, e investir recursos (em ações, fundos, títulos, etc) têm um fator em comum: ambos envolvem aplicação de dinheiro com expectativa de ganho futuro. De resto, são atuações distintas. Veja:

Apostar

  • Envolve aplicação de dinheiro com expectativa de ganho futuro;
  • Resultado depende majoritariamente de eventos aleatórios ou imprevisíveis;
  • Vale a lógica de soma zero: o ganho de um apostador corresponde à perda de outro;
  • Por fim, a casa de apostas sempre mantém vantagem estatística.
Nas apostas, resultado depende majoritariamente de eventos aleatórios ou imprevisíveis. | Foto: Pixabay

Investir

  • Envolve aplicação de dinheiro com expectativa de ganho futuro;
  • Resultado ancorado na alocação de recursos em ativos que geram valor ao longo do tempo;
  • Esses ativos podem ser ações, títulos ou fundos;
  • O valor é gerado com base em fundamentos econômicos, desempenho de empresas, juros e crescimento da economia;
  • Vale a lógica da soma positiva: a geração de riqueza decorre do desenvolvimento das empresas e do mercado.

“Para quem deseja construir patrimônio, o caminho mais seguro passa por organização financeira, disciplina e decisões baseadas no longo prazo. Isso envolve desde a formação de uma reserva para imprevistos até a alocação gradual de recursos em diferentes tipos de investimentos, sempre de acordo com o perfil e os objetivos de cada pessoa. Ao contrário das apostas, esse processo não depende de sorte, mas de constância, diversificação e tempo”, explica Harion Camargo.

Leia mais: Depois de avançar mais de 30% em 2025, mercado vê espaço para Bolsa continuar subindo; veja previsões

Onde investir e como começar?

Conforme o economista e educador financeiro Leonardo Baldez Augusto, a indústria de investimento funciona, basicamente, em dois tipos: na renda fixa e na renda variável. A primeira prioriza previsibilidade e segurança, com investimentos como CDBs, LCIs, LCAs e Tesouro Direto, usados geralmente para preservação de capital e planejamento financeiro.

No Tesouro Direto, o cidadão empresta dinheiro ao governo federal e recebe, em troca, uma remuneração definida por juros. | Foto: Reprodução/ Tesouro Direto

Já a renda variável envolve oscilação e risco em troca de maior chance de valorização ao longo do tempo, e incluem ações, fundos imobiliários e fundos de índice (ETF’s). Segundo Augusto, é importante que o interessado em investir aprenda a diversificar os recursos, ou seja, investir tanto nas rendas fixa e variável.

O investimento na Bolsa de Valores, inclusive, é um dos tipos de renda variável. “Investir na Bolsa é investir em empresas. Ou seja, você escolhe empresas que são lucrativas, e investe só um percentual do seu investimento. É algo para longo prazo. Não é algo para você pegar nos próximos três, quatro anos porque há risco, inclusive, de perder capital. O tempo acaba diminuindo esse risco”, detalha Leonardo Baldez Augusto.

O planejador financeiro da Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar), Harion Camargo, lembra que investir na Bolsa de Valores é uma das formas mais conhecidas e eficientes de acumular patrimônio ao longo dos anos.

Segundo ele, ao comprar ações, o investidor se torna sócio de empresas e passa a participar do crescimento desses negócios. “É verdade que o mercado oscila e pode trazer volatilidade no curto prazo, mas, no longo prazo, a Bolsa tende a refletir o crescimento das empresas e da economia, o que não existe em jogos ou apostas”, afirma Camargo.

Como começar a investir na Bolsa de Valores

A B3 cria e administra sistemas de negociação, compensação, liquidação, depósito e registro para todas as principais classes de ativos. | Foto: Reprodução/B3

“Para quem está começando, o mais importante é dar os primeiros passos com calma. Hoje é possível investir com valores baixos, por meio de corretoras digitais, o que facilita o acesso ao mercado”, ressalta Harion Camargo. Antes disso, porém, é preciso organizar as finanças e entender o próprio perfil de risco.

“Há muitos cursos e conteúdos disponíveis na internet que ajudam nesse aprendizado inicial. Começar investindo pouco é não apenas recomendável, mas saudável, pois permite aprender na prática sem comprometer a segurança financeira. Com o tempo, disciplina e aportes regulares, o investimento deixa de ser algo distante e passa a fazer parte da construção de patrimônio”, destaca Camargo.

Em agosto, em seu boletim trimestral de Pessoa Física, a B3, bolsa de valores sediada em São Paulo, considerada uma das principais empresas de infraestrutura de mercado financeiro do mundo, com atuação em ambiente de bolsa e de balcão, informou que o número de investidores em renda fixa cresceu 20% entre o segundo trimestre de 2024 e o segundo trimestre de 2025 no País.

  • Investidores em renda fixa: 100,2 milhões de CPF’s registrados | R$ 2,8 trilhões (alta de 23% no período)
  • Investidores em renda variável: 5,4 milhões | R$ 588,3 bilhões (alta de 7% no período)

Transtorno do Jogo é condição séria

Pessoas com histórico familiar de dependência ou baixa tolerância à frustração devem evitar começar a jogar. | Foto: Freepik

O vício em apostas está incluído no chamado Transtorno do Jogo, condição reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme explica a professora de psicologia do UniArnaldo Centro Universitário, Rachel Sette.

“Jogos de azar ou games competitivos liberam grandes doses de dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer e à motivação. No cérebro de um dependente, cria-se um ciclo onde ele precisa de estímulos cada vez maiores para sentir o mesmo prazer”, afirma a especialista, que defende que a condição seja tratada com seriedade científica e empatia.

Outro fator que ajuda a entender o vício em jogos está no fato de que as apostas, muitas vezes, acabam servindo, em algumas pessoas, como um mecanismo de fuga utilizado para lidar com ansiedade, depressão ou traumas, pois oferece alívio temporário para dores emocionais.

De acordo com a psicóloga, existem pessoas que são mais suscetíveis a vícios e, portanto, elas precisam evitar começar a jogar. Essa predisposição pode ser genética e hereditária, mas também há fatores de personalidade, como a impulsividade e a busca por sensações. Além disso, pessoas com outros transtornos mentais, como TDAH ou depressão, apresentam maior vulnerabilidade neurobiológica.

“Para indivíduos com histórico familiar de dependência ou baixa tolerância à frustração, o ideal é a abstenção ou o monitoramento rigoroso. O cérebro vulnerável tem dificuldade em acionar o ‘freio’ inibitório (localizado no córtex pré-frontal) uma vez que o estímulo começa”, ressalta Rachel Sette.

A psicóloga elenca alguns sinais de que uma pessoa pode estar perdendo o controle e tornando-se viciada:

  • Preocupação excessiva: o indivíduo passa o dia pensando no jogo ou em como conseguir recursos para jogar;
  • Tolerância: necessidade de jogar por mais tempo ou com apostas maiores para obter excitação;
  • Irritabilidade: mudanças bruscas de humor quando é impedido de jogar;
  • Mentiras: ocultar de familiares o tempo ou o dinheiro gasto com a atividade;
  • Prejuízo funcional: o jogo começa a interferir no sono, no rendimento profissional ou no autocuidado.

Por fim, a professora de psicologia do UniArnaldo Centro Universitário, Rachel Sette, explica que amigos e familiares podem ajudar uma pessoa que está em risco de vício por apostas com uma abordagem baseada no acolhimento (não no julgamento), e com limites firmes. Veja as orientações da estudiosa:

  • Diálogo sem acusação: use frases como “Estou preocupado com você” em vez de “Você está destruindo sua vida”;
  • Não financiar o vício: famílias muitas vezes “ajudam” pagando dívidas de jogo, o que retira a consequência natural do comportamento e impede que o indivíduo perceba a gravidade;
  • Estimular o tratamento especializado: o Transtorno do Jogo exige intervenção de psicólogos (preferencialmente da Terapia Cognitivo-Comportamental) e, em muitos casos, psiquiatras;
  • Cuidado com o cuidador: o familiar também adoece (codependência). Por isso, buscar grupos de apoio como terapia familiar é fundamental.

Para auxílio especializado, deve-se buscar grupos como o Jogadores Anônimos ou o SUS, que oferece tratamento para dependências comportamentais e químicas.

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