Economia

Estabilidade fiscal é vital para a responsabilidade social no País

Economistas avaliam que a manutenção do teto de gastos é essencial para definir as despesas necessárias
Estabilidade fiscal é vital para a responsabilidade social no País
As críticas feitas por Lula ao compromisso com a estabilidade fiscal abalaram o mercado financeiro | Crédito: REUTERS/Mohammed Salem

Já é consenso em todo o mundo que empresas não podem mais dissociar resultados financeiro e operacional de ações de sustentabilidade. Já há alguns anos, não apenas a responsabilidade social, como a ambiental e a corporativa, bate à porta do setor privado levando stakeholders de diferentes níveis e setores a cobrarem e colaborarem para o desenvolvimento sustentável, em busca de um mundo melhor.

O termo ESG, que é o conjunto de padrões e boas práticas que acompanha se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada, é frequentemente utilizado e cobrado no meio privado. Mas e nos meios públicos e políticos, como ficam esses compromissos? Como são medidas as ações? Como ponderar os resultados financeiro e operacional sem levar em conta ações de sustentabilidade que envolvam o social, o ambiental e a governança?

Eleito presidente do Brasil para os próximos quatro anos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou conta dos noticiários mundo afora e desestabilizou o mercado, há duas semanas, ao criticar a “estabilidade fiscal”, defendendo que é preciso colocar a questão social na frente de temas que interessam, nas suas palavras, apenas ao mercado financeiro.

“Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal deste País? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste País?” – disse Lula, ao discursar em encontro com parlamentares aliados no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, onde funciona a transição de governo, no último dia 10.

Desde então, muito se fala sobre a busca por um equilíbrio entre a responsabilidade fiscal e social do País. O DIÁRIO DO COMÉRCIO conversou com economistas a fim de entender caminhos e, porque não, propor soluções para que o tão desejado desenvolvimento sustentável e construção de um mundo melhor seja, definitivamente, um papel de todos os agentes da nação.

Países com responsabilidade social e fiscal

“De que adianta as empresas seguirem a cartilha, cumprirem com compromissos ambientais e sociais e o País, não? As organizações não estão numa bolha. Se as empresas precisam ter essas preocupações, um país também tem que estar atento. Não adianta falar em responsabilidade fiscal e não incentivar o uso de combustíveis renováveis ou não evitar que as pessoas se afastem da capacidade produtiva por miséria ou condições desiguais de trabalho”, alerta a professora de economia do Ibmec, Vivian Almeida.

Ao mesmo tempo, a professora pondera que enaltecer o social sem responsabilidade também é ponto de preocupação. “Um país precisa de gente produtiva e a responsabilidade fiscal é um instrumento para acompanhar os caminhos que levam às condições dessa produtividade. Investidores precisam saber em que chão estão pisando, mas esse chão precisa ser pisado por todos. Daí a importância de termos uma responsabilidade social sem que, para isso, os gestores públicos sejam irresponsáveis em seus gastos”, diz.

E foi, justamente, a dicotomia de como fazer um sem prejudicar o outro que culminou com as eleições mais polarizadas da história do Brasil, disputadas no fim de outubro por Jair Bolsonaro (PL) e Lula. Neste quesito, Vivian Almeida lembra que governos são eleitos para representar ideologias políticas, que não são exclusivas de apenas um lado. E que é natural que as políticas sociais tenham uma características bem distintas entre o governo que chega ao fim e o que assumirá a partir do ano que vem, já que o viés de um se aproxima mais da redução da participação do Estado na vida do cidadão, enquanto o do outro trata da ampliação do leque de políticas públicas.

“O que também não quer dizer que elas não tenham existido nos últimos quatro anos. De toda forma, a preferência por um em detrimento de outro, revela a busca pela priorização das políticas públicas pela maior parte da população”, avalia.

Para especialista do Ibmec, é preciso que quem discute teto de gastos discuta também pobreza | Crédito: Divulgação

O equilíbrio está na visão de longo prazo

O economista Paulo Paiva, ex-secretário de Planejamento de Minas e ex-vice-presidente do Banco Mundial, por sua vez, observa que a relação da sigla ESG do setor privado com o público faz sentido. Porém, sua aplicação é mais complexa. Ele reforça a premissa de que não é mais possível crescer sem olhar para o lado. Mas também tentar avançar olhando para trás não é o melhor caminho.

“Preocupa-me ver Lula rodeado de pessoas do passado. Precisamos superar o que passou. Precisamos de um governo diferente, com pessoas mais jovens, com cabeças diferentes e que tenham percepção de um futuro que vão viver. Aqui no Brasil, ainda temos muita dificuldade de olhar o longo prazo, mas este é o caminho e o momento”, afirma.

E, talvez, a melhor forma de encontrar um equilíbrio entre responsabilidade fiscal e social, acredita Paiva. Para o economista, não há incompatibilidade entre as áreas, embora se discuta a respeito em todo o mundo. Isso porque a globalização tem levado a um aumento da desigualdade entre os países. E cada vez mais se fala em buscar formas de crescimento que atentem para a sustentabilidade, reduza a emissão de carbono e inclua as pessoas.

“Crescer para depois distribuir não é o ideal. Os países têm que crescer distribuindo. Mas isso leva tempo e precisa de transparência. E no caso do atual contexto do Brasil, o novo governo precisa mostrar para a sociedade e para o mercado qual será o horizonte não apenas dessa transição, mas dos próximos anos. Por isso, defendo que uma coisa é a PEC de transição, outra, bem diferente, é a PEC da transição. Algo que se estabeleça prazo para o aumento temporário de gastos, indique mudanças na realocação da receita, cortando gastos ineficientes como subsídios, isenções, entre outros, e proponha uma nova âncora fiscal mais eficiente”, defende.

Teto de gastos precisa ser mantido

O economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, reforça o coro, mas inverte a ordem: “Não existe responsabilidade social sem responsabilidade fiscal”. Ele defende a continuidade do teto de gastos como uma ferramenta importante para que o governo avalie anualmente quais gastos são necessários e eficientes e quais trazem pouco retorno para a sociedade.

Uma das funções do teto é mostrar que o Orçamento é finito e, por isso, é preciso fazer escolhas. A função do teto não é gastar pouco, mas forçar uma discussão sobre qual gasto é prioritário. E, por ora, não estou vendo essa discussão acontecer”, argumenta.

Para o especialista, o aumento dos gastos sociais precisa vir acompanhado de contrapartidas. Sem elas, a dívida pública vai subir e a camada mais pobre da população é que vai sofrer. Salles analisa que as promessas feitas durante a campanha eleitoral levarão à exclusão das despesas sociais do cálculo do teto de gastos. Segundo ele, para o médio prazo, será necessário discutir cortes de gastos em algumas áreas.

“Exemplo disso são os gastos tributários, que são uma renúncia de receitas com impostos das quais o governo abre mão em prol de determinados setores. Essas renúncias somam mais de R$ 300 bilhões. Uma possibilidade seria ver quais dessas renúncias são realmente necessárias e cortar aquelas que geram menos retorno para a sociedade”, diz.

Sobre o aumento do gasto social a que se propõe o futuro governo, o economista-chefe do C6 Bank argumenta que é preciso saber se esse aumento vai ser feito com contrapartidas ou não. “Responsabilidade social e responsabilidade fiscal andam juntas. Se não houver responsabilidade fiscal, a inflação acaba subindo, isso gera concentração de renda e afeta a população mais carente. Os gastos sociais são bem-vindos e necessários, chegam a quem mais precisa. Mas nem todo gasto é social. O ideal é que haja corte de despesas nas áreas menos eficientes”, reforça.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas