Estudo da UFMG estima custo da Tarifa Zero, em tramitação na Câmara de BH; entenda a proposta

A folha de salários e encargos de todas as empresas de Belo Horizonte, estimada em R$ 8 bilhões em 2023 pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego, subiria, em média, 0,91% caso a proposta de Tarifa Zero no transporte público por ônibus, em tramitação na Câmara Municipal, fosse aprovada. A conclusão é de um estudo publicado nesta quarta-feira (23) por um grupo de economistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
De acordo com a nota técnica “Tarifa Zero no transporte coletivo, Economias de Aglomeração e ‘Fuga’ de CNPJs: apontamentos e perspectivas para Belo Horizonte”, o valor despendido por todas as empresas com vale-transporte, que representa hoje 0,74% da folha de salários e encargos, subiria para 1,65% com a adoção da tarifa zero – um aumento de 0,91%. Em valores, seria uma elevação de R$ 62 milhões atuais para R$ 137 milhões por mês. As empresas passariam a pagar por todos os seus funcionários e não apenas para aqueles que hoje recebem vale-transporte.
“Aumento vai ocorrer, mas a conclusão da nota é que o impacto econômico da contribuição proposta é baixo em relação aos gastos atuais das empresas. Além disso, o alto percentual de microempresas no município faz com que a maioria dos estabelecimentos seja beneficiada”, afirma André Henrique de Brito Veloso, doutor em Economia e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) e da Faculdade de Ciências Econômicas, ambos da UFMG.
Mas os benefícios são muito grandes, defende o pesquisador ao lembrar que 80% dos empreendimentos instalados na capital mineira são microempresas (têm até 9 trabalhadores) e, portanto, estariam totalmente isentas de pagar a taxa de custeio do serviço de transporte público (defendida pelo Projeto de Lei em valor fixo de R$ 185 por trabalhador, segundo a nota técnica da UFMG*) e também deixariam de pagar o vale-transporte dos seus colaboradores.
“A nossa avaliação é que vai gerar justamente esse círculo virtuoso que constitui a economia: aumento de demanda, disponibilidade das pessoas nas ruas, e empresas que se alocam melhor no mercado porque têm menos custos”, completou Veloso.
* Procurada, a Câmara Municipal de BH informou que o valor fixo presente na justificativa do PL está em R$ 168,82.
Veja quanto custou o sistema de transporte público por ônibus em 2024:
Ano passado, a maior parte do custo do transporte coletivo por ônibus em Belo Horizonte foi custeado pela própria prefeitura, por meio de subsídios (veja abaixo). O Executivo informou que os pagamentos são necessários para evitar uma maior elevação nos valores das passagens de ônibus.
Custo dos ônibus em Belo Horizonte:
- 41%: subsídio da prefeitura (R$ 698 milhões);
- 32%: vale-transporte (R$ 544 milhões);
- 26%: tarifa paga pelo usuário (R$ 455 milhões);
- 1%: passe-livre estudantil (R$ 12 milhões);
- Total: R$ 1.709 bilhão.
O Projeto de Lei 60/2025, que trata da Tarifa Zero, foi proposto por Iza Lourença (PSOL) e outros 21 vereadores. Ele defende que as empresas façam o pagamento de uma taxa fixa por trabalhador para custear o sistema. As empresas com até nove funcionários (que representam 80% em BH) ficariam totalmente isentas. Já as demais receberiam a isenção de até nove trabalhadores. Por exemplo, uma empresa que tem 20 trabalhadores receberia nove isenções e pagaria por 11 colaboradores.
Atualmente, o PL tramita na Comissão de Orçamento e Finanças Públicas da Câmara Municipal. Se aprovado, ele poderá ser incluído na pauta do Plenário, onde necessita de quórum mínimo da maioria dos membros da Casa (21) para avançar. Em caso positivo, como recebeu emendas, ele precisará retornar às comissões onde já havia sido aprovado, porém, em segundo turno. Somente após esse processo, ele vai para votação definitiva e, então, sanção do prefeito.
Pesquisa da FGV encontrou bons resultados em cidades com Tarifa Zero
No estudo, os pesquisadores da UFMG também trazem os resultados de levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que analisou 52 municípios brasileiros que já implementaram a Tarifa Zero. Entre os resultados, houve aumento de 7,5% no número de empresas nas cidades com transporte gratuito. Além disso, foi detectado crescimento de 3,2% no quantitativo de empregos formais e redução de 4,1% na emissão de gases de efeito estufa.
“O transporte público gratuito potencializa o dinamismo da economia ao liberar renda para as famílias mais pobres, que hoje comprometem até 20,7% de sua renda mensal com transporte, conforme o IBGE. Isso significa mais dinheiro circulando no comércio local e maior capacidade de mobilidade para busca de trabalho, estudo e serviços de saúde”, aponta a nota técnica da federal mineira.
Com base nisso, os pesquisadores da UFMG defendem que a Tarifa Zero pode representar mais empresas interessadas em se instalar em Belo Horizonte. “Uma pesquisa muito consistente identificou crescimento significativo de empresas e empregos em cidades com Tarifa Zero, de modo que pode haver atração de CNPJs para o município”, afirmou Veloso.
O estudo da UFMG também mostrou que BH é um município com a chamada rigidez locacional. Ou seja, segundo o estudo, trata-se de uma cidade com características urbanas, logísticas e institucionais que dificultam ou desincentivam a realocação de empresas para outros municípios. “O risco de ‘fuga’ de CNPJs seria insignificante, especialmente diante das vantagens de operar em uma capital bem estruturada e com uma força de trabalho abundante”, declarou a economista Ana Hermeto, professora da UFMG e uma das co-autoras da nota técnica com Veloso.
Empresária de BH defende Tarifa Zero: ‘economia para todos’, diz
Keyla Pitanga fundou o restaurante Jacinta, no bairro Santa Efigênia, na região Leste de Belo Horizonte, em 2018. O espaço conta com 12 funcionários fixos. Por receberem vale-transporte, cada um deles tem descontado até 6% do salário, o que dá aproximadamente R$ 150 por mês cada. O restante do valor da passagem é pago pela empresa, que gasta cerca de R$ 6.300 mensalmente para custear a condução de toda a equipe.
Após fazer simulações, a empresária afirma que a aprovação da Tarifa Zero seria benéfica para ela, para o trabalhador e para a sociedade como um todo. Se o PL for aprovado, como tem 12 funcionários e direito a nove isenções, Keyla passaria a pagar a taxa fixa para cada um dos três colaboradores.
“Eu teria uma economia mensal grande, dinheiro que poderia ser usado para investir em melhorias no meu negócio. Meu funcionário, que hoje tem descontado em folha cerca de R$ 150 por mês, passaria a ver 0 de desconto e poderia usar esse dinheiro a mais para circular, para consumir na cidade. Como resultado, a gente ganharia um número maior de pessoas consumindo, no comércio. É também um ganho para a cidadania, já que as pessoas poderiam usufruir mais da cidade, do lazer”, afirmou.
Tarifa Zero no Brasil e no mundo
Atualmente, 154 municípios brasileiros têm transporte público por ônibus gratuito em modo universal (todos os dias e em todas as linhas). Desse total, a grande maioria deles (79%) têm até 100 mil habitantes e somente 12 cidades extrapolam esse quantitativo populacional. Os dados são do relatório “Tarifa Zero nas Cidades do Brasil”, publicado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em 17 de julho.
No contexto global, o Brasil é o país com mais cidades com Tarifa Zero, seguido pelos Estados Unidos, Polônia e França, conforme estudo do professor Wojciech Kębłowski, da Universidade Livre de Bruxelas. Segundo a pesquisa, a cidade com o maior contingente populacional e passagem gratuita é Belgrado, capital da Sérvia, com 1,2 milhão de habitantes com acesso à Tarifa Zero.
A reportagem procurou a Prefeitura de BH para falar sobre o tema, mas não obteve retorno até o fechamento.
Como é a cobrança do vale-transporte no Brasil
Regulado pela Lei nº 7.418/85, o vale-transporte é um benefício obrigatório, cujo custo é compartilhado entre a empresa e o empregado. Para definir quem paga quanto, o empregador se baseia no cálculo de até 6% do salário bruto do trabalhador: se uma pessoa tem um rendimento bruto de R$ 2.000, e gasta R$ 200 com passagens de ônibus, o empreendimento pode descontar até 6% (R$ 120) do salário do trabalhador para oferecer o vale. O restante do valor (R$ 80) é pago pela empresa.
O vale é pago em cartões ou tíquetes. O pagamento em dinheiro é proibido, exceto em situações excepcionais previstas em convenção coletiva.
Bares e restaurantes se posicionam sobre medida
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel MG) declarou que a substituição do vale-transporte por uma contribuição patronal fixa pode representar uma economia significativa para a maioria dos estabelecimentos do setor de alimentação fora do lar, sobretudo os pequenos negócios, que compõem a maior parte da base da associação.
De acordo com Karla Rocha, presidente da entidade, outra vantagem da proposta é a perspectiva de que o número de ônibus seja ampliado no período noturno, permitindo mais pessoas nas ruas, “o que pode beneficiar diretamente bares, restaurantes e toda a cadeia do turismo e entretenimento”.
Apesar disso, a entidade informou que ainda não tem uma “resposta final” sobre o tema e que espera que a Tarifa Zero seja discutida de forma ampla, envolvendo todos os órgãos públicos responsáveis, de forma a garantir a segurança para trabalhadores, clientes e empresários.
“Assim como diversas entidades, estamos em processo de entendimento sobre o tema. Seguiremos acompanhando de perto as discussões na Câmara Municipal e participando ativamente dos espaços de diálogo, como a audiência pública marcada para esta semana. Nosso compromisso é com uma cidade mais acessível, dinâmica e segura para todos”, encerrou.
Outro lado: estudo aponta estagnação do modelo de Tarifa Zero
Uma pesquisa publicada neste mês pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) apontou que a implantação da gratuidade no transporte coletivo por ônibus, embora com potencial positivo para a economia local e para a vida das pessoas, precisa ser pensada em uma política nacional, com financiamento estável e planejamento. O estudo citou que Caucaia (CE) e Assis (SP) precisaram reduzir o número de ônibus em circulação e em São Luís (MA) o programa foi suspenso por falta de recursos.
“A tarifa subsidiada – incluindo a tarifa zero, que é a tarifa plenamente subsidiada — só está funcionando, hoje, em cidades pequenas, com redes simples e orçamentos superavitários. Para crescer, precisa deixar de ser ação isolada de alguns prefeitos e se transformar em política pública nacional”, afirmou Francisco Christovam, diretor executivo da entidade.
De acordo com a NTU, 79% das cidades que adotaram a tarifa zero possuem até 100 mil habitantes no Brasil. Belo Horizonte, caso a gratuidade seja aprovada, será a primeira com mais de 500 mil moradores, e a primeira capital.
Procurada, por representar um setor com segmentos intensivos em mão de obra, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) informou que não dispõe de dados sobre o assunto e não tem posicionamento a respeito do Tarifa Zero.
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