Exclusão não deve ser o preço a pagar pelas mudanças
Leipzig, Alemanha – A edição de 2023 do ITF teve como tema “o transporte permitindo economias sustentáveis”. Mas nem tudo foi sobre carbono. O evento também discutiu economia circular, formas de reduzir a disparidade entre homens e mulheres no setor, e o combate a desigualdades.
Young Tae Kim, secretário-geral do ITF, destaca que o termo sustentável é associado ao verde, mas também inclui questões como acesso, inclusão e distribuição de oportunidades.
Segundo ele, o debate exige paciência e, por paciência, ele quer dizer realismo. “As questões estão se tornando mais complicadas, porque temos mais coisas a considerar. No passado, nós focávamos num número menor de variáveis. Agora nós temos que pensar em sustentabilidade, também enfrentamos uma rápida digitalização, questões de distorção de gênero”, elenca.
Um dos painéis do fórum deste ano foi sobre o papel dos transportes para enfrentar a pobreza. O debate teve a presença do atual ministro dos Transportes, Renan Filho, que destacou em sua fala que os desafios são completamente diferentes a depender da região do globo.
“A transição para um transporte verde traz uma dificuldade grande. Em transporte a gente precisa garantir o acesso, a custos baixos e verificar quem paga”, disse.
“Ora, se a discussão do planeta é que ainda existe muita gente que não tem transporte, mesmo o mais barato, imagina encarecer na média o custo do transporte”, acrescentou.
O ministro disse que esse é um desafio brutal e que a grande questão é o equilíbrio. As mudanças que a crise climática exigem não podem vir às custas da exclusão dos mais pobres.
“Precisamos encontrar um caminho em que os recursos públicos permitam sustentar o sistema acessível, barato e que permita a transição verde. É fácil de dizer, mas muito difícil de fazer.”
O painel contou com representantes de outros países em desenvolvimento, que falaram sobre algumas das camadas de complexidade que essa jornada apresenta.
Amanda Ngabirano, presidente do conselho nacional de planejamento fiscal da Uganda, mencionou o episódio em que um investidor bem-intencionado providenciou cem ônibus para oferecer “transporte público eficiente”. O resultado, ela diz, foi um desastre, porque não se trata apenas de ter novos ônibus.
“É preciso infraestrutura, estradas, pontos de ônibus, sistema de emissão de passagens”, elencou Amanda Ngabirano.
A indiana Kalpana Viswanath, CEO da startup Safetipin, também deu um exemplo de como as discussões que ocorrem na Europa não se aplicam a outros países em desenvolvimento.
m dos temas em alta no continente europeu é o incentivo a caminhar como meio de transporte. O próprio ITF teve um painel sobre isso, com discussões sobre os benefícios à saúde física e mental, apresentando como uma alternativa ao trânsito nas metrópoles.
Sem fazer menção direta ao painel, Viswanath comentou que deve ser “muito irritante” para uma pessoa que caminha 40 quilômetros por dia ouvir que andar é saudável ou que é um meio de transporte melhor.
A executiva indiana também abordou o foco em eletrificação que domina a atual discussão sobre transportes no Norte global. Segundo ela, isso mostra um pouco das disparidades regionais envolvendo o setor, já que em muitos países talvez na maioria deles um carro elétrico está longe de ser uma opção nos próximos anos.
O comentário faz eco à crítica de um executivo presente no evento. Segundo ele, ao chamar de sustentável uma série de soluções que não está disponível para a maior parte do mundo, o setor parece esquecer o significado da palavra sustentável.
Indústria fóssil
O quebra-cabeça da descarbonização do setor de transportes ainda passa pela velocidade de transição para veículos de baixa emissão.
O hidrogênio verde, por exemplo, virou o termo “mais sexy” do setor, como disse Kris Peeters, vice-presidente do Banco Europeu de Investimento, mas ainda está longe de ser uma realidade.
O combustível ainda não está consolidado em termos de tecnologia e falta muito para conseguir ser produzido em larga escala. Ainda que venha a atingir esse patamar rápido, a construção de veículos adaptáveis ao hidrogênio verde duraria décadas. Fabricar um novo avião ou navio, por exemplo, costuma exigir investimentos de vários anos.
Diante da urgência climática, a indústria fóssil quer disputar espaço com soluções menos poluentes embora não tão verdes.
Melissa Williams, presidente da Shell Marine, ponderou que não dá para evitar o bom esperando o ótimo. Segundo ela, é importante considerar opções que já estão na mesa, que aliadas à eficiência energética podem ajudar a reduzir as emissões desde já.
Ela menciona o gás natural, que emitiria menos carbono sem necessidade de uma mudança tecnológica muito grande. Seria, nas palavras dela, um combustível de transição, dado que a descarbonização precisa começar agora.
Anna Mascolo, vice-presidente executiva da Shell, também citou os biocombustíveis, produzidos a partir de lixos e resíduos.
“Quando analisamos de ponta a ponta, vemos que há menos carbono emitido. Em alguns casos, pode ser significante: entre 50% e 80% de redução”, disse. “Eu costumo dizer que é preferível ter progresso em vez de perfeição”, acrescentou. (Thiago Bethônico/Folhapress*)
*O repórter viajou a convite do ITF
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