Falta de estoque afeta Vale da Eletrônica

Se a pandemia de Covid-19 e os recorrentes lockdowns na China acabassem hoje – normalizando imediatamente a fabricação e a entrega de insumos -, o Vale da Eletroeletrônica, em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas, ainda demoraria de oito a dez anos para retomar o ritmo de produção de 2019, tamanho o impacto desses acontecimentos no setor. A avaliação é do presidente do Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica (Sindvel), Roberto de Souza Pinto.
Segundo ele, a escassez de insumos eletrônicos em todo o mundo – refém da produção maciça de semicondutores e chips em países como China e Taiwan – continua a provocar “curtos-circuitos” na fabricação dos 16.500 produtos que saem das empresas do Vale da Eletrônica. Souza Pinto não revela o tamanho do rombo causado pela pandemia e seus efeitos, mas garante que o prejuízo na produção é grande.
Tudo começou em 2020, quando os primeiros lockdowns pararam a fabricação nos grandes fornecedores mundiais. “Mas os distribuidores continuaram vendendo enquanto tiveram estoque. Passou a valer a lei da oferta e da procura: quem tinha para vender, se autovalorizava, e quem precisava, pagava o que mercado pedia”, contou.
De lá para cá, a situação está cada vez pior. Segundo Souza Pinto, não há mais estoque de reserva e as fábricas só conseguem abastecer 40% do mercado. Os custos não param de crescer e um exemplo são os de logística: o valor do metro cúbico em um contêiner aumentou 30 vezes, exemplifica o dirigente. Os fornecedores chegam a pedir 50 semanas para entregar semicondutores e chips e nenhuma empresa do Vale da Eletrônica conseguirá recebê-los antes do segundo semestre de 2023.
Para piorar a situação, desde o fim do ano passado, os auditores da Receita Federal do Brasil fazem uma operação-padrão, aquela em que a checagem da carga é feita de maneira mais lenta, como pressão por melhores salários. Não são poucas as empresas de Santa Rita do Sapucaí que estão com cargas paradas nos aeroportos de Confins e Viracopos ou nos portos secos de Pouso Alegre e Varginha.
Situações como a que pressiona o Vale da Eletrônica impactam importantes segmentos do setor produtivo. As montadoras, por exemplo, estimam que deixaram de produzir 150 mil veículos neste ano por falta de semicondutores vindos de países asiáticos e também sofrem com a falta de componentes produzidos no Vale da Eletrônica.
Para Roberto de Souza Pinto, 100% dos setores são reféns da eletrônica, e, com a crise de insumos, parte deles está perdendo o bonde da indústria 4.0, a exemplo das máquinas do agronegócio. Santa Rita tem, segundo ele, a maior concentração de indústrias do setor de radiodifusão, produzindo transmissores digitais, antenas e torres. O parque industrial da cidade abastece ainda 70% do mercado brasileiro de segurança eletrônica, oferecendo itens como interfones, cerca elétrica e alarmes.
O cluster eletroeletrônico de Santa Rita do Sapucaí reúne mais de 150 empresas, que faturaram, em 2019, R$ 3,2 bilhões. Nenhuma delas está funcionando regularmente, obrigadas, pela escassez de insumos, a grandes reduções de jornada e consequentes quedas na produção.
Sem previsão
O presidente do sindicato garante que o mundo permanece afetado pela Covid-19, o que cria um ambiente em que não é possível prever a regularização da oferta de insumos nem onde chegarão os custos de produção. Ou seja, não é possível estimar como será o desempenho das empresas do Vale da Eletrônica este ano.
A solução, segundo Souza Pinto, é construir independência internacional – uma necessidade que desafia qualquer setor que depende de fornecedores do outro lado do mundo. “A autossuficiência é um caminho difícil, longo e custoso, mas um dia ele vai acontecer”, concluiu.
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