Economia

Governo vai perder receita de R$ 110 bi

Especialistas alertam para os riscos fiscais e as pressões inflacionárias a médio prazo com a redução de impostos
Governo vai perder receita de R$ 110 bi
Crédito: Bruno Domingos/Reuters

Brasília – A implementação de uma série de medidas que envolvem cortes de tributação significará uma perda de receita de ao menos R$ 110 bilhões aos cofres federais em 2022, com a maior parte das iniciativas adotadas neste ano eleitoral sob justificativa de que ações emergenciais são necessárias para reduzir a inflação.

Especialistas alertam, no entanto, que o movimento do governo embute riscos fiscais que geram pressões inflacionárias a médio prazo. A reversão de medidas temporárias a partir de janeiro de 2023 também empurra parte da inflação para o próximo governo. É esperado ainda que mesmo este ano os cortes de tributos não sejam repassados integralmente ao consumidor.

O levantamento das perdas reúne as medidas implementadas nos últimos meses e listadas pelo Tesouro Nacional por gerarem renúncia de receita. Inclui também o pacote anunciado e articulado pelo governo para baixar preços de combustíveis, que ainda depende de aprovação do Congresso e representa o maior custo estimado, num total de R$ 64,8 bilhões apenas para a União este ano –a maior parte das ações vale apenas até dezembro.

O ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, que deixou o cargo no ano passado após o governo sinalizar que driblaria o teto de gastos para reforçar programas sociais, afirma que a maior preocupação é com o efeito que será produzido pelas medidas em 2023, quando mais da metade dessas renúncias terá perdido a validade.

“Vamos ter o seguinte dilema no ano que vem: ou teremos uma inflação maior do que o projetado para 2023 (com a reversão dos cortes de tributo) ou teremos um fiscal pior do que o projetado para manter desonerações”, disse Bittencourt, que é economista da ASA Investments. Ele estima que 0,9 ponto percentual de inflação será empurrado deste ano para 2023 por conta das medidas.

O governo federal já havia zerado alíquotas de Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins) sobre diesel e gás de cozinha até dezembro, a um custo de R$ 14,9 bilhões. Agora, por mais R$ 17 bilhões, decidiu zerar também tributos sobre a gasolina, medida que era criticada pela equipe econômica por beneficiar famílias de classes média e alta.

O relator da proposta do Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), ainda incluiu no texto uma isenção sobre etanol e álcool anidro (usado na mistura da gasolina) até 2027, ao custo de R$ 3,3 bilhões neste ano.

O pacote, que está em análise pelos parlamentares e ainda pode ser alterado, vai além ao definir, em outra medida, um repasse de até R$ 29,6 bilhões da União aos governos regionais que aceitarem zerar cobranças de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) sobre diesel e gás de cozinha até dezembro deste ano. O pagamento será feito por fora da regra do teto de gastos, que opera no limite.

Com o novo cenário, Bittencourt acredita que cresce a pressão para que o Banco Central, que está agora inteiramente focado na inflação de 2023, mantenha a taxa básica de juros elevada por mais tempo, considerando os efeitos inflacionários a médio prazo.

“Claro que se a gente joga uma inflação imprevista de 2022 para 2023, com todos os custos de inércia, o Banco Central vai ter que começar a se preocupar e colocar isso na mesa para tomar suas decisões”, afirmou.

Corte de IPI

Na lista de medidas com maior perda de arrecadação para a União está ainda o corte permanente, já em vigor, de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 35%, com renúncia de R$ 23,4 bilhões neste ano.

Outra iniciativa tratada como emergencial pelo governo para segurar a inflação foi o corte linear das tarifas de importação, reduzidas em 20% de maneira unilateral pelo Brasil, sem o aval dos membros do Mercosul. Com ela, o Tesouro estima que deixará de arrecadar R$ 6 bilhões  em Imposto de Importação neste ano.

A economista da XP Tatiana Nogueira afirma que o governo deve conseguir um efeito de baixa da inflação neste ano, mas que o movimento pode se inverter em 2023 após a retomada da cobrança de tributos reduzidos temporariamente.

“Você resolve um problema em 2022, mas encomenda um problema maior em 2023“, disse. ”Além disso, em um segundo momento, aumenta o risco fiscal”, acrescentou, ressaltando que grande parte da recente alta da arrecadação foi motivada por questões conjunturais como a inflação e a disparada de preços de commodities.

Na última semana, avaliação feita pela agência de classificação de risco Moody’s após os anúncios do governo sobre combustíveis apontou que a aprovação do pacote dos combustíveis com pagamentos fora do teto seria negativa para o crédito do Brasil.

“Controlar os gastos para cumprir o teto ajudou o governo a desenvolver força fiscal: exceções diminuem sua capacidade de controlar os gastos e preservar a credibilidade fiscal, especialmente antes das eleições de outubro”, disse.

Segundo Tatiana Nogueira, da XP, a expectativa é que mesmo neste ano, o corte de tributos chegue ao consumidor final apenas parcialmente, com uma fatia das reduções sendo internalizada pelas cadeias do mercado. No caso de combustíveis, a XP estima que o repasse ficará entre 60% e 80%.

Em um exemplo dessa dificuldade, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mencionou na semana passada que o corte de Imposto de Importação de alimentos pelo governo com o objetivo de baixar preços não será sentido de imediato pelo consumidor.

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