Hipercentro de Belo Horizonte vive situação de abandono

A mudança de endereço da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), que está se transferindo da avenida Afonso Pena para a Savassi, fortalece os sinais de que o hipercentro de Belo Horizonte está cada dia mais esquecido e abandonado, problema agravado pelo aumento exponencial da população de rua. Ao mesmo tempo, ações da iniciativa privada e do poder público mais uma vez sinalizam a necessidade de revitalização do coração da cidade, fundamental para a economia da própria capital mineira.
Quase 100 anos depois de se instalar na avenida Afonso Pena como arauto da pujança econômica que aguardava a jovem capital mineira, a ACMinas acaba de anunciar que vai se transferir para a rua Paraíba, na Savassi, onde era o antigo Hotel Liberty. A mudança está prevista para o dia 1° de setembro.
O atual imóvel, localizado no primeiro quarteirão da mais importante avenida belo-horizontina, foi adquirido pela entidade em 1919 e inaugurado em 26 de novembro de 1922. O presidente da ACMinas, José Anchieta da Silva, garantiu que o prédio não será abandonado, a exemplo de outros ao redor. “Temos planos bastante audaciosos para o local, que irão garantir receita e futuro não só para a ACMinas, mas também para Belo Horizonte”, afirmou.
No entanto, ele mesmo reconhece que “os tempos mudam e nós mudamos com ele” e que, quando a entidade se instalou no centro da cidade, “o local tinha uma outra relevância econômica e política”. Ao deixar a Afonso Pena, a ACMinas segue assim o caminho de boa parte do comércio, do setor de serviços e do serviço público, que abandonaram o centro de Belo Horizonte nas últimas décadas.
Os motivos e os destinos foram os mais variados: a busca de novas centralidades como solução para os problemas de trânsito, a transferência do comércio para os shoppings em busca de mais segurança, a mudança dos órgãos públicos estaduais para a Cidade Administrativa e o fato de que muitos serviços passaram a ser feitos pela internet, como os bancários e os call centers, entre outros.
A transferência da ACMinas não é um sintoma novo, mas fortalece o alerta de que o centro de Belo Horizonte está agonizando. E se não deu seu suspiro final, adoeceu seriamente durante a pandemia, quando o fechamento do comércio representou o fim ou a redução de várias atividades, entre elas a de profissionais liberais que passaram a trabalhar em home office. O mal é agravado pelo crescimento da população de rua, que se reflete no aumento de ocorrências como invasões de prédios e furtos de fiação.
Na semana passada, a sede da União dos Varejistas, na avenida Paraná, foi invadida por duas noites seguidas e teve, além da fiação, computadores, TV e outros objetos furtados. Dias depois, os invasores voltaram, quebrando o telhado para atingir um outro andar. Quase iniciaram um incêndio, ao queimar papéis para iluminar o local, que estava sem luz.
Indignado, o presidente da entidade, Moacir Muzzi, acredita que os responsáveis sejam pessoas em situação de rua, que se alojam em um imóvel abandonado pelo banco Santander na mesma avenida. “É uma insegurança total. A polícia faz a ocorrência, vai embora e eles voltam”, reclama.
Segundo Muzzi, este é o principal problema enfrentado hoje pelo centro da cidade e se reflete diretamente no comércio local. “Não são marginais, mas pessoas marginalizadas que estão espalhadas pela cidade, nas ruas e em frente às lojas, protagonizando cenas assustadoras, que assustam a população e fazem com que ela evite o comércio da região”, afirma.
Para ele, o poder público está se eximindo da responsabilidade de resolver um problema social, deixando de prestar assistência naquilo que essas pessoas precisam, seja um abrigo para quem não tem casa ou um tratamento para o vício de drogas.
“Outro dia, tiraram os fios de todas as caixas de luz na rua Rio Grande do Sul e todo mundo ficou sem poder trabalhar por falta de luz e internet até que a Cemig chegasse. Isso acontece na Guarani, na Tupinambás, na Tamoios, mas não se repete no entorno do Mercado Central. Sabe por quê? Porque lá tem fiscalização e polícia”,.
O dirigente da União dos Varejistas e outros moradores atingidos reuniram-se esta semana com autoridades para discutir a falta de segurança na área. Participaram representantes da polícia e da sociedade civil. “A polícia está trabalhando na busca dos reais proprietários do prédio, que deverão ser responsabilizados pela segurança, mas nós ainda nos sentimos impotentes diante da situação”, diz Muzzi.
O presidente da Associação dos Lojistas do Hipercentro, Flávio Assunção, concorda que o número de moradores de rua – 9 mil pessoas, segundo levantamento da UFMG, quase 7 mil segundo a Prefeitura – realmente aumentou. E que a sujeira contribui para o aspecto de abandono do centro, reforçado pelas lojas fechadas. Segundo ele, 50% dos prédios na região central estão vagos ou ociosos.
Assunção, porém, não acredita que isso represente menos segurança. “Vou e volto todo dia para a loja e nada acontece. Antigamente o centro tinha muito arrombamento e batedores de carteira, que praticamente não existem mais”, garante.
Para o presidente da entidade, o centro precisa buscar uma nova vocação. “A pandemia ampliou um esvaziamento que vem de anos e que agrava essa sensação de violência, que é mais sensação mesmo, já que estamos há 247 dias sem nenhum crime fatal na região”, informa.
“O centro pode ser ocupado por uma população mais jovem, mas para isso a legislação tem que se atualizar também. Não adianta o jovem querer ir pra lá e a nossa legislação ser de 1910. Temos que destravar os impedimentos e, com isso, diminuir essa sensação de abandono e de sujeira, que é fortalecida pelo aumento da pobreza. Temos que voltar a criar apelos para o centro, que é o coração da cidade”, diz Assunção, citando exemplos de outras cidades, como o Porto Digital em Recife.
União pode recuperar a região
A “morte” econômica do centro foi anunciada em vários momentos nas últimas décadas, assim como novos tratamentos para um mal que, até agora, não apresenta cura definitiva. A boa notícia é que, mais uma vez, o setor produtivo e o poder público estão se unindo para criar e executar projetos de desenvolvimento econômico, que focam toda a cidade, inclusive a região central.
Seguem na mesma trincheira iniciativas como o P7 Criativo, hub de inovação e economia criativa instalado na Praça 7 desde 2016, a partir de uma articulação que envolveu a Fiemg, o Sebrae e o governo do Estado. Ou que transformaram um espaço praticamente abandonado em um empreendimento arrojado: caso do Mercado Novo, que está se tornando uma forte referência para a vida gastronômica, social e cultural da cidade.
Para o vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcos Innecco, tudo está apenas começando e “a revitalização ainda é uma esperança, já que nada ainda está estruturado para trazer de volta o potencial do centro da cidade”. Segundo o empresário, “até agora, não se fez absolutamente nada de forma pensada para reduzir esse êxodo e atrair novos negócios”.
Innecco acredita que as soluções passam por menos burocracia e por ações efetivas de redução de impostos (ITBI e IPTU, por exemplo) e incentivos como a troca de potencial construtivo. O que poderá viabilizar projetos de retrofit, entre outros que hoje enfrentam problemas com os órgãos de licenciamento.
“Precisamos de um projeto conjunto, com gestão e governança”, diz Innecco, que deposita grandes esperanças na disposição para o diálogo do prefeito Fuad Noman, em torno principalmente de dois projetos que estão sendo desenvolvidos na cidade.
Codese e Invest BH ganham apoio
A Prefeitura de Belo Horizonte acaba de aderir e confirmar apoio à InvestBH e ao Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável e Estratégico de Belo Horizonte (Codese-BH). Os dois programas são de iniciativa do setor privado e buscam captar investimentos para a cidade e elaborar planos estratégicos de desenvolvimento urbano, social e econômico.
A InvestBH, parceria da CDL/BH com o governo estadual, tem como modelo o Invest Minas e tem como propósito atrair a atenção dos investidores nacionais e internacionais para a cidade. Já o Codese pretende entregar à cidade um plano com ações estruturantes, cujo objetivo é colaborar para decisões estratégicas referentes ao desenvolvimento da capital mineira.
“Minas atraiu investimentos acima do esperado, de mais de R$ 200 bilhões e quase nada veio para Belo Horizonte. A cidade estava ficando para trás e precisava de uma agência de desenvolvimento. O objetivo principal é a atração de negócios no setor de serviços, comércio, turismo, que são as nossas principais vocações”, afirma Marcos Innecco.
Segundo ele, o centro da cidade precisa de incentivos que o tornem atraente para a população morar, visitar, empreender. Exemplo disso é a flexibilização de normas para projetos de retrofit, que possam abrigar por exemplo a população estudantil – hoje calculada em cerca de 30 mil pessoas que moram no local. Ao mesmo tempo, a prefeitura tem que assumir o compromisso de realojar a população de rua. “A rua não pode ser lugar de viver”, conclui o empresário.
Ações da PBH
Para a Prefeitura de Belo Horizonte, o movimento de esvaziamento dos prédios de salas e escritórios que se vê no centro não constitui um fenômeno local. E sim uma situação que se repete nos grandes centros urbanos de modo geral e que tem relação direta com as mudanças nas relações de trabalho decorrentes da pandemia. A partir da qual, houve grande redução da demanda por imóveis corporativos e daqueles destinados a atender necessidades cotidianas dos trabalhadores, como lojas e restaurantes.
Em nota encaminhada ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, a PBH argumenta que a necessidade de adaptação de edificações existentes a novos usos não é uma novidade. E, nesse contexto, o novo Plano Diretor, reforçando uma política que foi criada por meio da Lei Municipal nº 9.326/2007, previu condições especiais para a adaptação de edifícios ao uso residencial na área central – o popular retrofit.
Essas regras estão previstas no art. 218 da Lei nº 11.181/2019 e incluem a redução da exigência de vagas de garagem e dos critérios de iluminação e ventilação das unidades, tendo em vista que os padrões exigidos para as edificações em geral dificilmente são obtidos nas obras de adaptação das edificações existentes.
A PBH reconhece a necessidade de avanço no sentido de aprimorar a normativa existente, bem como de atualizar as informações relativas aos imóveis desocupados, que sofreram grandes alterações em virtude da pandemia.
“Nesse sentido, reforçando seu compromisso com a preservação do Centro como espaço de referência para a população de BH, a prefeitura vem buscando avançar na implementação dos instrumentos voltados para promover a utilização desses imóveis, associada à melhoria das condições de ocupação do solo e conversão das edificações a novos usos ou atividades”, diz a nota.
No que se refere à segurança, o Executivo municipal informa que a Guarda Municipal realiza patrulhas preventivas, espontaneamente, em todos os dias da semana, por toda a cidade, com atenção especial voltada para a região do centro. As rondas são feitas a pé e também em viaturas e têm como objetivo garantir a segurança da população nos espaços públicos, a fluidez de trânsito e ainda coibir atos de vandalismo.
Uma iniciativa neste sentido é a Operação Sentinela, que, desde março de 2017, coloca um efetivo de 75 guardas municipais no patrulhamento das praças do hipercentro de BH que concentram maior fluxo de pessoas e que vinham sendo palco de ocorrências constantes de roubo a transeuntes. São elas a Praça Rui Barbosa e a Praça da Estação. Os agentes realizam abordagens a pessoas com atitude suspeita e fazem a repressão dos flagrantes de furto, roubo e outros delitos.
Quanto às pessoas em situação de rua, a prefeitura informa que tem desenvolvido ações e intervenções nos campos de inclusão produtiva, assistência social, saúde, educação, moradia, trabalho e emprego, entre outras necessidades que se apresentam diante da complexidade atual. Segundo o Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal, que é atualizado pelas prefeituras, existem entre 4,6 mil e 5,8 mil pessoas morando nas ruas da Capital – ainda em 2022, a PBH fará um censo deste grupo populacional.
Nos últimos anos, o município reconheceu a atuação com a população em situação de rua como uma pauta intersetorial e prioritária. Entre as políticas municipais desenvolvidas pela Prefeitura de Belo Horizonte, estão desde a abordagem continuada para proteger crianças e adolescentes a centros de referência, unidades de acolhimento e programa Bolsa Moradia, cursos de qualificação, restaurantes populares, entre vários outros.
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