Imprevisibilidade no mercado tem impactado empresas do setor de biocombustíveis

Um dos grandes desafios enfrentados pelo setor de biocombustíveis no Brasil é a falta de previsibilidade no mercado. Esse cenário é causado por diversos fatores, como questões macroeconômicas e regulatórias. A imprevisibilidade pode impactar o desempenho das empresas, que, em alguns casos, podem acabar fechando as portas.
O sócio da Equus Capital Felipe Vasconcellos explica que a grande preocupação das empresas que atuam no setor está relacionada ao clima de incerteza presente no mercado nacional quanto à regulação, taxa de juros e de câmbio, dentre outros elementos importantes.
“Enquanto nós convivermos com essas incertezas, os empreendedores terão dificuldades para justificar novos investimentos em plantas adicionais ou até em melhorias das atuais”, avalia.
Segundo o especialista, esse cenário faz com que as empresas do setor de biocombustíveis fiquem mais expostas a ciclos macroeconômicos que podem causar fechamentos inesperados. Além disso, algumas ações do poder público também podem gerar maior imprevisibilidade no mercado.
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Vasconcellos lembra que o governo Federal sancionou, no ano passado, a Lei nº 14.993, também conhecida como “Lei do Combustível do Futuro”, que determina o aumento de um ponto percentual (p.p.) anualmente na mistura de etanol na gasolina e de biodiesel no diesel até 2030.
“Isso foi muito importante porque dá maior previsibilidade para o mercado a respeito de qual deverá ser o volume de biocombustível consumido ano após ano. Com base nessa previsibilidade, o mercado poderia dosar os investimentos e ampliar a capacidade para atender essas etapas de crescimento”, explica.

No entanto, o próprio governo adiou o cronograma mantendo a taxa atual, de 14% de mistura. “Em menos de seis meses após a lei ser aprovada, o governo mudou a regra no meio do caminho e acabou com a pouca previsibilidade que existia. Esse é um elemento que dificulta e atrapalha o mercado como um todo”, diz.
Fatores como esse, contribuem para o fechamento de diversas empresas do setor de biocombustíveis nacional. Um estudo da Equus Capital aponta que 42 empreendimentos fecharam as portas nos últimos 24 meses. Esses negócios possuíam, em média, 16,5 anos de atuação no mercado.
A análise por subsetores revela que a taxa de fechamento na fabricação de biocombustíveis (exceto álcool) foi de 6,11% das empresas, enquanto no setor de fabricação de álcool o índice foi de 4,82%. Apesar da infraestrutura consolidada e incentivos governamentais, que tornam o subsetor do álcool relativamente mais estável, ainda há desafios significativos para a manutenção das operações.
No entanto, o sócio da Equus Capital destaca que o setor de etanol e biocombustíveis encerrou o último ano com 823 empresas operando no País. Além disso, segundo ele, ao considerar o número total de aberturas e fechamentos, o segmento apresentou um saldo positivo de 28 empresas ao longo de 2024.
Em Minas Gerais, duas empresas do setor de biocombustíveis encerraram as atividades, sendo que ambas são do subsetor de fabricação de álcool. O Estado é muito forte no agronegócio, mas Vasconcellos pontua que Minas não possui a mesma representatividade no que diz respeito à produção de soja, um dos principais insumos para bioetanol. Portanto, a indústria mineira de biocombustível não se desenvolveu tanto quanto o mercado em outros estados.
Por outro lado, ele pontua que Minas Gerais tem aumentando a produção de soja, principalmente na região que faz fronteira com o estado de Goiás. “Não me surpreenderia se novas usinas se estabelecerem nesta região”, completa.
Já no segmento de produção de etanol, o especialista relata que o mercado mineiro conta com uma posição mais consolidada no País. Ele espera que o Estado possa registrar um número mais elevado de abertura de empresas frente aos fechamentos nos próximos anos.
Fabricantes de biocombustíveis enfrentam dificuldades em modernização
Vasconcellos ainda relata que muitas empresas do setor sofrem com problemas sucessórios, devido à dificuldade de encontrar membros da família interessados em seguir no comando do negócio. No final das contas, a família que controla a empresa acaba tendo apenas duas opções: vender ou fechar.
“Muitos acabam, por falta de investimento em modernização e pela dificuldade regulatória, não encontrando um comprador, se endividando e, consequentemente, fechando”, relata.
Para o empresário, um produto como o biocombustível deveria contar com uma demanda certa e segura no mercado. Ele ainda afirma que o tempo de vida das empresas do setor poderia ser mais longo, uma vez que esse segmento também deveria ser um dos principais alicerces do agronegócio brasileiro, que está passando por um processo de industrialização.
“Caso as empresas atuais não invistam em modernização, as plantas mais novas e eficientes deverão colocar pressão nas mais antigas. Talvez, possamos acompanhar, nos próximos anos, uma grande mortalidade de empresas mais antigas que não acompanharam esses avanços”, avalia.

O sócio da Equus Capital aponta que uma das iniciativas que podem contribuir para a continuidade do negócio no setor de biocombustíveis é a revisão dos custos, observação da movimentação do mercado e a adoção de uma postura mais cautelosa. Isso porque, investimentos muito arriscados, com grande alavancagem, podem acabar prejudicando as empresas.
No entanto, ele ressalta que aquelas que optarem por não realizar qualquer tipo de investimento em melhorias de gestão e em atualizações nos processos adotados também poderão sofrer duras consequências. “O segredo está em conhecer muito bem o mercado e dosar o risco que a empresa está correndo, buscando sempre melhorar os processos de gestão”, completa.
O levantamento mostra ainda que a taxa de fechamentos é mais elevada entre as grandes empresas do setor. O especialista explica que isso está diretamente ligado aos altos custos operacionais, incertezas regulatórias e dificuldades logísticas, que afetam a competitividade das empresas, independentemente de seu tempo de existência.
Entre as médias e grandes empresas, os desafios se mostraram mais evidentes. No subsetor de fabricação de biocombustíveis, exceto álcool, a taxa de fechamento foi 7%, com dez empresas encerradas. No subsetor de fabricação de álcool, a taxa de fechamento foi de 4,8%, representando 25 companhias. A idade média dessas empresas era de 16,7 anos, o que reforça a influência de fatores estruturais e econômicos.
Expectativas para o futuro do setor de biocombustíveis
Vasconcellos prevê que, no curto prazo, o mercado de biocombustíveis deverá sofrer uma pressão sob o argumento de que ele influencia no aumento da inflação. “Eu vejo pouco espaço, nos próximos meses, para uma mudança relevante no cenário”, avalia.
No entanto, ele demonstra maior otimismo considerando um cenário a médio e longo prazo, proporcionando ainda mais aberturas de empresas. Segundo ele, muitas das empresas que fecharão no futuro, serão negócios de pequeno porte adquiridos por outros players que vão entrar no mercado visando aproveitar as oportunidades.
Dentre os motivos que podem contribuir para o futuro do setor de biocombustível é o processo de industrialização do agronegócio do Brasil nos próximos anos, além da transição energética.
“O melhor momento para investir na transição energética é agora. Considerando que o petróleo é uma fonte energética finita, o mundo precisa ter fontes alternativas para gerar energia”, diz.
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