Inspire-se com duas líderes empresariais

Seja por necessidade ou para adquirir independência financeira, vontade de ter o próprio negócio, realização profissional ou melhorar a qualidade de vida e passar mais tempo com a família ou filhos, empreender é o destino de muitas mulheres.
Os desafios da tripla jornada, os preconceitos do mercado de trabalho e da sociedade, as diferenças na remuneração de homens e mulheres, os ambientes tóxicos são temas que, infelizmente, ainda precisam ser debatidos e tratados com verdadeiro empenho dentro das empresas.
Por isso, para celebrar o dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher, o DIÁRIO DO COMÉRCIO convidou duas líderes empresariais de sucesso, a presidente da Água Fresca Lingerie, Juliana Moraes, e a presidente do Bmg, Ana Karina Dias, para falar das suas carreiras e, principalmente, do momento atual em que o mundo avança no debate sobre as questões de gênero e, ao mesmo tempo, enfrenta uma onda de conservadorismo.
O mercado de lingerie é, em boa medida, comandado por empresárias, mas o mundo dos negócios é, ainda, predominantemente masculino. Quais suas principais dificuldades no começo da carreira por esse ponto de vista?
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A experiência na engenharia foi muito mais difícil em termos de discriminação do que quando fui empreender. Essa diversidade de experiências me trouxe segurança. Quando entrei na faculdade eram 58 homens e duas mulheres na sala. Gosto de ressaltar que a competência costuma vencer sempre. Com foco e determinação você vence, com mais ou com menos ou dor, dependendo do caso. No meu trabalho hoje é mais fácil porque eu sou a diretora, eu só contrato mulheres. Na empresa fazemos um projeto de gestão de carreira para elas. (Juliana Moraes)
O mercado financeiro é ainda predominantemente masculino. Quais suas principais dificuldades no começo da carreira por esse ponto de vista?
Tanto na McKinsey quanto no Bmg, por terem políticas muito fortes em relação à equidade de gênero e questões sociais, não lembro de um momento específico que tive mais dificuldades na carreira. Contudo, os desafios estão presentes diariamente de maneira implícita, ou seja, é um problema estrutural. Pode parecer clichê, mas de maneira geral, o fato é que você acaba tendo que provar a toda hora que é a melhor profissional para a tarefa e somos muito mais questionadas. (Ana Karina Dias)

De lá pra cá, o que mudou? As mulheres avançaram nesse mercado?
“Nós já crescemos muito. Nesses últimos 30 anos tivemos muitas mudanças, nem tem tanta diferença mais. As mulheres são a maioria nas universidades, no mercado de trabalho. Com competência estão assumindo os cargos de liderança. O que diferencia é a maternidade e a nossa intuição. Hoje existe uma liberdade que faz a mulher ser mais confiante. A união com o masculino dá resultado. Dando oportunidade de trabalho às mulheres elas se saem muito bem.” (Juliana Moraes)
“Em 2018, um estudo da Catho, que mostrou que 30% das mulheres deixam o mercado de trabalho para cuidar dos filhos, e um da Fundação Getulio Vargas, apontou que metade das mães que trabalham é demitida até dois anos depois após a licença- maternidade por conta da ideia de que os cuidados com os filhos são uma exclusividade das mulheres. Essa é apenas uma das muitas mentalidades que ainda precisam ser transformadas para que se possa atingir a equidade de gênero. Em relação à presença feminina nas corporações, dados do Ministério da Economia mostram que no Brasil elas ocupam 42,4% dos cargos de gerência, 27,3 % de superintendência e 13,9% de diretoria, ou seja, quanto mais alto o nível dentro de uma companhia, menos as mulheres estão presentes. Nesse momento, por exemplo, em um banco brasileiro e de capital aberto, eu sou a única mulher CEO, mas, com certeza, existem outras mulheres muito talentosas que poderiam estar em cargos de presidência também em outras instituições.” (Ana Karina Dias)
Nos últimos anos, o Brasil se revelou um país muito mais conservador do que a nossa autoimagem ou o senso comum mostravam até aqui. Qual o papel de uma executiva do seu porte para a construção de uma sociedade melhor?
“Não gosto de me enxergar tendo um papel diferente como executiva. Tento liderar baseada na competência, no desenvolvimento social, porque no varejo a mão de obra não é tão qualificada assim. Tenho que treinar se quiser ter um profissional melhor. Temos desenvolvimento interno, progressão de carreira. Procuro fazer a melhor gestão fazendo a liderança de pessoas, produtos e cliente final, considerando o meio ambiente. As empresas têm um papel de formação de mentalidade. Um bom ambiente de trabalho, com igualdade de tratamento é muito mais produtivo. Na pandemia a nossa preocupação foi a saúde das nossas colaboradoras. Temos que ter uma preocupação com as pessoas nesse momento.” (Juliana Moraes)
“Vamos considerar alguns dados globais: no estudo plurianual da PwC, apesar de 76% das pessoas considerarem D&I (diversidade e inclusão) como valor ou prioridade, apenas 26% das organizações têm metas de D&I para líderes e somente 17% têm uma função de diversidade no nível executivo. O papel das empresas e dos tomadores de decisão é incentivar e brigar, não só pela equidade de gênero, mas também pela inclusão de pessoas de todos os tipos, mitigando vieses inconscientes sobre orientação sexual e identidade de gênero, pessoa com deficiência, identidade étnico-racial ou sistema e crença religiosa, reduzindo, inclusive, o preconceito na sociedade como um todo.” (Ana Karina Dias)

Infelizmente, não dá para não falarmos na pandemia. Pesquisas no mundo todo apontam para a aceleração nas tendências de consumo e comportamento como trabalho remoto, consumo consciente, valorização da reputação das marcas, digitalização das relações corporativas e pessoais, autocuidado, entre outras. Como a pandemia impactou você como pessoa física?
“É importante enxergar alguma coisa boa. A pandemia foi um grande acelerador digital. Já tínhamos o e-commerce há 10 anos e as vendas aumentaram em 800%. Para cada experiência é importante você tirar o melhor para você e enxergar o seu próprio papel. O que essa vida vale. Em um momento desses, você tem que pensar no coletivo, essencialmente. É hora de uma revisão de valores, o que é verdadeiramente importante. Avançamos na questão do consumo consciente, lançando produtos de melhor qualidade. Todas essas análises era essenciais para continuarmos vivos. Na nossa rotina o convívio social zerou. Tenho pais idosos, ficamos em casa. Valorizando mais a casa, os jantares, as boas conversas, as séries, a leitura.” (Juliana Moraes)
“Tenho uma preocupação especial com a saúde dos colaboradores. Estamos em home office e não vamos voltar enquanto não estivermos seguros. Aproveitamos o momento para evoluir tecnologicamente, reformamos nosso escritório para que o pós-pandemia seja interessante para os colaboradores, adotamos o modelo híbrido, mas não queremos perder a essência dos encontros presenciais, isso é importante para o desenvolvimento das pessoas.” (Ana Karina Dias)
Que dica dá para as meninas que têm interesse em seguir nesse setor?
“Temos que mirar na natureza. O sol nasce todos os dias para todos. A gente tem que saber o que quer, usar as ferramentas disponíveis para o nosso crescimento, ter foco e vontade. Aí a gente vai galgando as etapas. Os jovens de hoje já aprenderam com suas mães. Acredito nem uma sociedade melhor no futuro.” (Juliana Moraes)
“Eu e o Bmg, assim como outras pessoas e empresas, lutamos para transformar a cultura atual e criar um ambiente igualitário e justo para todos. Quero ajudar cada vez mais as mulheres talentosas a poderem escolher o que elas quiserem, pois sucesso é conseguir fazer o que você gosta, não é necessariamente a profissão.” (Ana Karina Dias)
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