Intensificação de conflito no Líbano pode afetar Minas Gerais

O conflito no Oriente Médio entrou em uma nova fase com a intensificação dos ataques de Israel ao Hezbollah no Líbano e tem aumentando o risco de uma “guerra total” na região. Para entender de que forma essa escalada pode afetar a economia mineira, o Diário do Comércio ouviu especialistas que avaliam que os impactos dependem do quanto o conflito vai escalar.
Para o professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec, Mario Schettino, caso os conflitos realmente se intensifiquem, o mercado de energia e as questões migratórias seriam as áreas mais impactadas. Mas, na visão do especialista, para que essa escalada aconteça seria necessário a entrada de países árabes e muçulmanos no conflito.
Ele lembra que a região já possui tensões significativas como na Síria e no Iêmen, que poderiam ser agravadas com a entrada de países como o Irã e a Arábia Saudita. É que tradicionalmente rivais, eles podem se unir contra a expansão territorial de Israel pelo Sul do Líbano e parte da Síria, para o domínio total das regiões que abrigam as Colinas de Golã, de forte interesse israelita.
“Irã e Arábia Saudita são grandes produtores de petróleo e é no Golfo Pérsico que passa a maior parte da produção de petróleo mundial. Oitenta e cinco por cento do petróleo que passa lá, vai para a China. Dessa forma, haveria uma busca dos chineses por outros mercados, aumentando o preço do petróleo e da energia como um todo”, explica.
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Quanto à economia brasileira, e consequentemente a mineira, Schettino afirma que poderia acontecer também o que houve com a guerra da Ucrânia. “Desde esta época, o Brasil tem importado muito diesel da Rússia. Uma estratégia que segurou o preço por aqui”, diz.
O segundo impacto caso houvesse a intensificação dos conflitos, na opinião do professor, seria o mercado de alimentos, já que o Oriente Médio é um dos principais consumidores da indústria no Brasil, principalmente, de carne congelada. “Toda guerra envolve uma perda de distribuição de recursos e isso acaba impactando”, comenta.

Dados do governo de Minas mostram que, em 2023, o fluxo comercial entre o Estado apenas com Israel foi de US$ 50,6 milhões. As exportações somaram US$ 23,6 milhões e as importações US$ 27,09 milhões. No caso de conflito, a tendência do fluxo não só de Israel, mas de qualquer país envolvido em guerra, é reduzir essa relação, já que a população de uma nação em guerra tende a consumir e produzir menos do que se estivesse em paz.
Nesse sentido, a professora do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Una, Andrea Resende, reforça que não apenas Minas Gerais, mas todo o Brasil, possui grandes parceiros comerciais no Oriente Médio. “São parceiros agrícolas e minerais que podem sofrer com a alta das taxas de importação e exportação, o que acabaria impactando o consumidor final”, avalia.
Em escala menor, o professor do Ibmec lembra que Minas Gerais poderia sofrer também um impacto logístico, já que a mineradora Vale possui um centro de distribuição em Omã. Omã é um país com localização estratégica, geograficamente perto da Europa, Ásia e África, e com um porto de águas profundas que consegue receber embarcações de grande porte e permite à empresa distribuir 40 milhões de toneladas de minério de ferro e pelotas por ano. “Poderia haver um impacto logístico, mas acredito num risco menor”, pondera.
Andrea Resende ainda pontua que as taxas de seguro aumentam muito em zonas de conflito. “Estamos falando de comércio marítimo e os seguros aumentam infinitamente em regiões de conflito. Então, pode ser que os produtos comecem a ter alterações nos preços em função disso”.
Conflito pode produzir onda migratória
Pelo lado sociocultural, o professor do Ibmec ressalta a presença significativa da comunidade sírio-libanesa no Estado, sobretudo em Belo Horizonte, que poderia ser impactada, mais uma vez, com uma onda migratória. “Eles fazem parte da nossa formação social e já tivemos várias ondas de migração para cá. A mais recente em 2015, com a Guerra da Síria”, comenta.
Caso os conflitos avancem, ele acredita que a sociedade mineira poderá observar, mais uma vez, uma nova onda desse tipo de migração. “Há uma contribuição rica dessa comunidade para a história de Belo Horizonte. Já assistimos à expansão de restaurantes e negócios em diversos momentos e esse é um impacto que poderemos observar novamente”, avalia.

Andrea Resende concorda que o fluxo de migração poderá aumentar. “Já observávamos um aumento de refugiados libaneses e, agora, se intensificados os conflitos, deve aumentar ainda mais. O Brasil não recebe grande parte deles porque eles acabam indo para a Europa pela proximidade, mas o número de libaneses chegando por aqui pode aumentar em função do histórico social”.
Falta articulação entre países
As relações políticas também acabam estremecidas na visão da professora. Na avaliação dela, há uma demora dos países em articular um cessar-fogo interferido pelos Estados Unidos. “Na assembleia geral das Nações Unidas vimos que é de comum acordo a necessidade de uma interferência em Israel. Entretanto, isso não irá para frente enquanto os países árabes mais relevantes não se posicionarem contra eles”, opina.
É o que também avalia o economista e doutor em Relações Internacionais Igor Lucena. Para ele, a economia do Líbano é muito pequena e muito pouco relacionada com o Brasil, já que é um país que produz pouco e depende de ajudas internacionais. Entretanto, na visão de Lucena, não é interessante países como o Irã entrarem em um conflito aberto.
Porém, o especialista pondera que a partir do momento que a Arábia Saudita ou outros membros se sentirem ameaçados dentro desse conflito, que envolve organizações terroristas, como o Hezbollah e o Hamas, isso não impedirá que as nações se defendam.
“Aí você tem um conflito generalizado no Oriente Médio. Esse seria o pior dos momentos e sim, veríamos um grande impacto, até chegando às piores análises do barril de petróleo a US$ 150”, projeta.
Apesar disso, o economista não acredita nessa hipótese e defende que o conflito ficará localizado entre o Líbano e Israel.
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