Economia

Justiça suspende edital do Rodoanel Metropolitano

Contagem obtém uma liminar para proteger o manancial hídrico da Várzea das Flores
Justiça suspende edital do Rodoanel Metropolitano
Crédito: Charles Silva Duarte/Arquivo DC

O processo de licitação do Rodoanel de Belo Horizonte foi suspenso pela Justiça de Minas por decisão do juiz Haroldo Dutra Dias, da 3ª Vara Empresarial de Fazenda Pública e Registros Públicos de Contagem, na Grande BH. Ele deferiu por liminar o pedido de suspensão do edital da obra feito pela Procuradoria Geral de Contagem para proteger a região da Várzea das Flores, manancial hídrico que, segundo o município, será impactado pela obra.   

A decisão interrompe o processo ao impedir a habilitação de documentos de empresas interessadas na construção e operação do Rodoanel Metropolitano, prevista para 26 de julho, na B3, em São Paulo. O leilão está agendado, na mesma B3,  para o dia 28 de julho.

Conforme a decisão, a suspensão é válida “até o julgamento do mérito ou até que se realize a readequação do traçado da Alça Oeste do Rodoanel de modo a não perpassar a APA Vargem das Flores, sob pena de multa cominatória diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para o caso de descumprimento total ou parcial…haja vista a complexidade e relevância ambiental da presente demanda”.

“É uma vitória para Contagem, ainda que não definitiva. Mas nós temos o posicionamento de um juiz a nosso favor”, disse a prefeita de Contagem, Marília Campos (PT). “Eu não sou contra o Rodoanel, mas ele não pode ser feito prejudicando uma cidade que tem 700 mil habitantes e pode ficar sem água. Queremos ser uma cidade autônoma e, para isso, temos que ter água”, acentuou.

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A construção do Rodoanel é a obra mais emblemática da carteira de investimentos em concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) do Governo de Minas, calculada em R$ 23 bilhões. O projeto prevê uma rodovia de 100 quilômetros interligando dez municípios na Região Metropolitana de Belo Horizonte ao custo de R$ 5,6 bilhões, que terá um aporte por parte do governo estadual de R$ 3,7 bilhões, originários do acordo com a Vale para compensar danos causados pela tragédia de Brumadinho.

A obra evita que, para cruzar a região metropolitana, seja necessário passar pelo Anel Rodoviário ou pela Via Expressa, o que trará expressiva redução de tempo nos deslocamentos pela região, além de maior segurança para o trânsito. 

PPP licitada na modalidade concessão patrocinada, aquela em que a empresa é remunerada por uma combinação de recursos públicos e dos cidadãos, a rodovia prevê modernos parâmetros tecnológicos.

É o caso, por exemplo, do pedágio eletrônico, pelo qual não haverá praças de cobrança. O carro vai passar pela rodovia e uma tag vai identificar o trecho percorrido, cobrando apenas por ele. Será uma rodovia “classe zero”, com assistências 24 horas, guincho, ambulância e saídas controladas, se conectando com as principais rodovias que cortam a região.

Para o governo estadual, é “o projeto mais robusto, complexo e desafiador de concessões e PPPs que o Estado tem pela frente”, segundo a definição da coordenadora especial de Concessões e Parcerias da Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinfra), Vanice Ferreira, em entrevista recente ao DIÁRIO DO COMÉRCIO.

“Este é o maior projeto da história de Minas; entre outros benefícios, ele irá destravar um imenso gargalo de logística e evitar acidentes no Anel Rodoviário, que já virou uma Via Expressa. Não é uma tarefa fácil conciliar os interesses de tantos municípios, e, só no ano passado, fizemos oito audiências públicas”, disse então a executiva.

As audiências, no entanto, não satisfizeram as prefeituras de Contagem e Betim, que entraram com ações na Justiça. Para a prefeitura de Contagem, o projeto possui erros de planejamento que impactam diretamente a bacia hidrográfica de Vargem das Flores, manancial que abastece o município e parte da RMBH. A Ação Civil Pública é uma das várias ações do município para proteger o ecossistema.

Insegurança jurídica

O município já havia representado contra o projeto do Rodoanel no Ministério Público Estadual e no Federal, além do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG). 

O TCE-MG, por sua vez, retirou o recurso da pauta na reunião de terça (5), o que, segundo Marília Campos, traz insegurança jurídica para o leilão.

“O fato de o tribunal não ter se posicionado mostra que existe uma indefinição sobre se ele vai agir pela suspensão ou não. Da mesma maneira, Contagem não vai dar anuência ao licenciamento ambiental do projeto como ele está, o que é um risco para a empresa que ganhar a licitação”, afirmou a prefeita. “Além da possibilidade de vir a comprometer o abastecimento, o Rodoanel atravessa bairros adensados e pode prejudicar a integração da cidade, que já é cortada por várias rodovias”, acrescentou.

Betim aponta prejuízos

A Prefeitura de Betim, por sua vez, alega que o traçado proposto pelo Governo do Estado, além do impacto ambiental, traz prejuízos sociais e urbanísticos. Segundo a assessoria de imprensa do município, Betim vai perder sistema viário e condomínios industriais, além de ter bairros cortados ao meio pela rodovia. Além das desapropriações devidas a cerca de 200 famílias que serão retiradas de suas casas, a cidade pretende pedir indenização por danos coletivos e individuais que podem chegar a R$ 20 bilhões, ou quase quatro vezes o valor da obra.

Betim chegou a apresentar, com a concordância de Contagem, um traçado alternativo para o projeto que, além de reduzir os prejuízos ambientais, seria menos oneroso para os cofres públicos. Enquanto o projeto do Estado vai custar mais de R$ 5 bilhões, com duas pistas e 100,6 km de extensão, o que está sendo proposto pelos municípios tem três pistas, com extensão de 112,9 km e um custo de R$ 2,99 bilhões.

“Nós queremos diálogo com o governo do Estado. Recorremos a instâncias como o MP e o TCE para eles intermediarem essa relação”, disse a prefeita Marília Campos, para quem a decisão do juiz traz justificativas relevantes. Entre elas, a de que os recursos para a obra, aportados pela Vale para reparar os danos ambientais provocados pelo rompimento da barragem de Brumadinho, “seriam utilizados para promover, em tese, mais destruição ambiental”, como diz a liminar.

Para o ambientalista Apolo Heringer Lisboa, criador do Projeto Manuelzão, a indenização da Vale está sendo utilizada de uma forma que não repara nada do que aconteceu em Brumadinho, já que não houve mudança no sistema de gestão da mineração.    

“Eu vejo de forma positiva a decisão da Justiça estadual suspendendo a licitação do Rodoanel, porque a obra não foi discutida de maneira tranquila, nem com as prefeituras nem com as comunidades atingidas, sobre a questão ambiental e também sobre a questão urbana. Se todas as prefeituras ouvissem mais a população, nós teríamos mais decisões corretas”, disse o ambientalista.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Infraestrutura informou que ainda não foi notificada da decisão judicial.

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