Economia

Linha de transmissão em Minas Gerais pode causar falta de energia no Sudeste

Saiba por que a construção de trecho de uma das maiores linhas de transmissão do Brasil é motivo de disputa entre a proprietária de uma fazenda em Minas Gerais e a empresa responsável pelas obras
Linha de transmissão em Minas Gerais pode causar falta de energia no Sudeste
Foto: Bruno Batista/VPR

A construção de trecho de linha de transmissão em Belo Monte, uma das maiores do Brasil, está sob suspeita de crimes ambientais e é motivo de uma briga entre a proprietária de uma fazenda em Minas Gerais e a empresa responsável pelas obras. O impasse, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), coloca sob risco o fornecimento de energia no sudeste do país.

O cenário da disputa é o município de Delfim Moreira, região Sul de Minas, a 472 quilômetros de Belo Horizonte, onde está a fazenda São Francisco dos Campos de Jordão, cortada por 18 torres de linhas de transmissão construídas pela empresa portuguesa de energia EDP.

A concessionária afirma que seguiu a legislação e que o empreendimento foi devidamente licenciado pelos órgãos ambientais, com todas intervenções feitas dentro dos limites das autorizações.

A companhia foi a vencedora do leilão do lote 18 para obras da ligação entre a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e São Paulo.

O lote 18 é o último do trecho. Começa em Estreito, no município de Tiros, no Alto Paranaíba, em Minas Gerais, e vai até Cachoeira Paulista (SP), próximo a Guaratinguetá, percorrendo 740 de um total de 2.832 quilômetros entre Belo Monte e o município de São Paulo.

Em Delfim Moreira, dentro da fazenda São Francisco dos Campos de Jordão, as obras da EDP tiveram que ser feitas em área de preservação ambiental, a APA Serra da Mantiqueira, envolvendo impactos inclusive nos chamados campos de altitude, uma formação vegetal rara.

Uma das proprietárias da fazenda, a advogada Lavinia Moraes de Almeida Nogueira Junqueira, herdeira juntamente com outros familiares de Francisco de Paula Vicente de Azevedo, o Barão de Bocaina, afirma que as obras para construção das torres não seguiram determinações ambientais dentro de área protegida.

As irregularidades, conforme Lavínia, começaram a ser notadas em 2021. Segundo a advogada, durante as obras para a construção das torres e de estradas de acesso, árvores centenárias, entres as quais araucárias, espécie ameaçada de extinção, foram arrancadas.

Também ocorreram, conforme a advogada, escavações em morros com nascentes e poluição de cursos d’água, o que provocou a morte de peixes.

Lavinia disse ter acionado o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Ao mesmo tempo, entrou com processos na Justiça, fez boletins de ocorrência, criou um canal no Youtube para mostrar a atuação da EDP na região e contratou especialistas ambientais para produção de laudos sobre impactos das obras.

O levantamento contratado pela advogada acusou a derrubada de 378 árvores, de forma ilegal, conforme a proprietária da fazenda.

O Ibama, no início deste mês, informou à proprietária da fazenda que uma vistoria foi realizada. O instituto disse ainda que um documento técnico com a “descrição das inconformidades observadas” está sendo produzido.

A inspeção foi feita entre 27 e 30 de novembro de 2023. “Este documento fornecerá subsídios para eventual aplicação de sanções administrativas cabíveis pela diretoria de proteção ambiental do Ibama e adoção de medidas corretivas no licenciamento do empreendimento”, afirma o Ibama, no despacho repassado à Folha pela advogada.

As obras do lote 18 foram concluídas em maio de 2022, conforme informações da EDP.

Belo Monte e o risco ao sistema

Encerradas as obras, as equipes da EDP precisam passar pela área da fazenda, usando estradas que abriram, para manutenção das torres de transmissão. A proprietária afirma, porém, que a empresa fez mais acessos que o necessário.

Um dos processos que abriu é por conta disso. A advogada chegou a conseguir decisão judicial para que a empresa não utilizasse uma dessas estradas que, conforme afirma, passava em frente à sede da fazenda, provocando dificuldade de permanência na casa. A advogada mora em São Paulo, mas a propriedade é constantemente visitada pela família.

Questionada pela advogada sobre o uso da estrada em processo administrativo, e após ouvir posicionamento da EDP, a Aneel apontou risco no fornecimento de energia caso a manutenção das torres não fosse feita.

A Aneel disse que o pedido da proprietária da fazenda, de não uso da estrada, “pode colocar em risco a segurança do sistema interligado nacional e a prestação do serviço público de transmissão de energia”. Com o posicionamento da Aneel, a empresa assegurou o direito de usar a estrada. O processo, porém, segue na Justiça.

A estrada foi aberta a partir de resolução autorizativa da Aneel que declarou de utilidade pública a área usada para construção da via.

A empresa portuguesa diz em nota que as obras para construção do lote 18 foram realizadas dentro da legislação.

“A EDP esclarece que o empreendimento denominado Lote 18 (EDP SP-MG) foi construído em estrita observância à legislação vigente e às regulamentações emitidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), autarquia vinculada ao Ministério das Minas e Energia que regula o setor elétrico brasileiro”, afirma a empresa, em nota.

“Além disso, o empreendimento foi devidamente licenciado pelo órgão ambiental competente (Ibama), de modo que toda e qualquer intervenção foi realizada dentro dos limites das autorizações concedidas”, segue o comunicado da EDP.

A advogada Lavínia afirma haver em todo o imbróglio também a necessidade de indenização por parte da empresa em relação ao uso da fazenda para as obras. Diz, porém, que não é essa a causa do impasse. “Protegemos essa área há 140 anos”, afirma.

A reportagem enviou questionamentos ao Ibama, que afirmou em nota que “não constam multas ou embargo pelo Ibama à empresa relatada. Por se tratar de APA, sugerimos que a solicitação seja encaminhada ao ICMBio”.

Em nota, o ICMBio disse que “investiga a denúncia recebida, a fim de adotar medidas para inibir crimes ambientais dentro da unidade de conservação federal”. (Leonardo Augusto)

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