Economia

Projetos de lítio reescrevem a vida de comerciantes no Vale do Jequitinhonha

No rastro do 'ouro branco', empreendedores da região mais pobre de Minas Gerais vivem uma nova fase de prosperidade
Projetos de lítio reescrevem a vida de comerciantes no Vale do Jequitinhonha
Foto: Sarah Torres / ALMG | Arte: Diário do Comércio/ Isa Cunha

“Antes eu tinha um pequeno restaurante de duas portas. Hoje, tenho uma churrascaria, especializada em entregas e no atendimento a empresas. Saí de um funcionário para mais de cem. Meu faturamento mensal foi de R$ 30 mil para R$ 1 milhão”, diz, orgulhoso, um comerciante de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. A região mais pobre de Minas Gerais vive um ciclo inédito de desenvolvimento, impulsionado pela mineração de lítio.

A trajetória de Charles Santos, proprietário do Gonzaga’s Grill, exemplifica como a corrida pelo “ouro branco” tem mudado os rumos da economia local. Com 85% das reservas nacionais de lítio, segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), o Vale do Jequitinhonha passou a ser conhecido como “Vale do Lítio”, atraindo empresas de todas as partes do mundo, com bilhões já investidos e novas promessas que podem transformar a região.

Ele relata que, desde que os investimentos em mineração de lítio se intensificaram no Vale do Jequitinhonha, por volta de 2021, seu estabelecimento ganhou força e se tornou referência em refeições corporativas. Atualmente, a churrascaria fornece alimentação para funcionários da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), MGLIT – subsidiária da Lithium Ionic –, Atlas Lithium e construtora Fagundes, que opera junto à Sigma Lithium.

O Gonzaga’s Grill também adquiriu know-how – algo “que ninguém tira”, como o dono faz questão de pontuar. Essa experiência tem, inclusive, rendido convites para que o restaurante passe a atender empresas em locais até distantes de Araçuaí, como em Montes Claros.

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Santos enfatiza que os projetos de lítio na região abriram oportunidades reais para que as pessoas prosperem. O empresário afirma que mudou de vida e vislumbra novas conquistas no futuro, estimuladas pelas operações de extração do mineral. Ainda assim, faz questão de destacar que o dinheiro não é tudo. Para ele, ter um negócio sólido e financeiramente saudável é o que garante estabilidade e permite deixar frutos para as próximas gerações.

Vale pontuar que os aportes da indústria do lítio no Vale do Jequitinhonha superam a marca de R$ 6,3 bilhões, conforme o governo estadual. Até 2029, mais R$ 5 bilhões devem ser investidos na região, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Interior da churrascaria Gonzaga's Grill
Churrascaria se especializou na entrega de refeições corporativas e cresceu significativamente | Foto: Reprodução/Facebook Gonzaga’s Grill

Estamos sendo privilegiados, diz comerciante

Proprietário da churrascaria Cabana Raízes, Wilson Martins teve sua trajetória diretamente impactada pela chegada de empresas ao Vale do Jequitinhonha em busca do “ouro branco”. “Melhorou demais a nossa vida. Eu não tenho do que reclamar, só agradecer. Parece até que foi Deus mesmo quem mandou, porque antes isso aqui era o ‘Vale da Miséria’. Aí, quando vemos uma coisa dessas acontecendo com a gente, é maravilhoso demais”, afirma.

Wilson Martins
Wilson Martins remodelou churrascaria | Foto: Divulgação Cabana Raízes

O estabelecimento, que antes atendia majoritariamente ao público familiar, passou a realizar eventos corporativos, recebendo executivos de alto escalão e investidores. Martins relata que, nos últimos três anos, o faturamento do restaurante cresceu cerca de 45%, e hoje metade da receita anual vem desses eventos privados.

Para o comerciante de Araçuaí, a região está sendo privilegiada. Segundo o empreendedor, muitos negócios locais enfrentavam dificuldades para se manter e não podiam arriscar. Agora, porém, é possível investir, assim como ele próprio tem feito. O Cabana Raízes ganhou recentemente uma câmara fria, receberá novos freezers e geladeiras até setembro e, no ano que vem, passará a contar com um forno combinado.

Martins ressalta que essas e outras melhorias visam não apenas aprimorar as operações, mas também preparar o estabelecimento para o que vem pela frente. Ele espera que a demanda cresça com as obras de expansão das mineradoras que atuam na região, a instalação das que ainda não produzem e o surgimento de novos projetos.

Vista do interior da churrascaria Cabana Raízes
Churrascaria Cabana Raízes passou a receber eventos corporativos, elevando o faturamento | Foto: Reprodução/Facebook Cabana Raízes

De ‘Vale da Pobreza’ a polo de oportunidades

“Não existe crescimento sem aborrecimento, mas muita gente enxerga só o lado ruim da mineração. Eu vejo o lado bom. Era um lugar onde não tinha nada, e hoje há uma grande esperança diante de tudo que as empresas estão trazendo”, ressalta Bruno Lages, empresário do ramo hoteleiro no Vale do Jequitinhonha.

Dono da Pousada das Araras, em Araçuaí, ele destaca que, durante a construção da primeira planta industrial da Sigma, entre 2022 e 2023, os apartamentos do estabelecimento ficaram 100% ocupados, assim como a maioria dos hotéis locais. Ele diz que a demanda foi tão alta que seu outro empreendimento, o Jequitiara Hotel, em Itaobim, também se beneficiou.

Segundo Lages, a taxa de ocupação do Jequitiara voltou aos níveis anteriores, mas a de Araras segue relativamente alta para a região – cerca de 60%. Além disso, o faturamento anual da pousada cresceu cerca de 35%.

O comerciante revela que, em julho, inaugurará um novo anexo no estabelecimento em Araçuaí, ampliando o número de apartamentos de 35 para 79. O investimento visa modernizar o local para atender à demanda atual e prepará-lo para o que está por vir.

Para ele, o “Vale do Lítio” transformou sua vida, abrindo portas, proporcionando novas amizades e conhecimentos, e despertando um novo pensamento. Lages afirma que, embora o Vale do Jequitinhonha seja conhecido como o “Vale da Pobreza”, hoje há uma quebra de paradigma, revelando ao mundo o valor local, sua rica diversidade cultural e produtiva. O empreendedor diz que as pessoas estão cada vez mais interessadas em conhecer a região.

Vista da Pousada das Araras, em Araçuaí
Taxa de ocupação da Pousada das Araras segue alta | Foto: Reprodução/Site Pousada das Araras

Esses empreendimentos viabilizaram a nossa continuidade, afirma empresário

O comerciante de Araçuaí Gilvane Almeida, proprietário da Ideal Máquinas – loja especializada em máquinas e equipamentos para instalações comerciais –, relata que ainda há desconfiança entre moradores do Vale do Jequitinhonha quanto à transformação da região impulsionada pela mineração de lítio. Segundo o empresário, boa parte da população desacredita do próprio potencial e, com isso, acaba desperdiçando oportunidades.

Almeida afirma que algumas pessoas dizem já ter testemunhado ondas de desenvolvimento que não se concretizaram, e acreditam que esta será apenas mais uma. O empreendedor, que vivenciou todos os ciclos anteriores, discorda e garante que, desta vez, é diferente. Conforme ele, o desemprego praticamente desapareceu em Araçuaí, e a economia local está aquecida, enquanto, sem os investimentos, o cenário seria de fragilidade.

Para o empresário, se não fossem os projetos para extração do “ouro branco”, muitos comerciantes teriam fechado as portas. O comerciante ainda pondera que os efeitos positivos não se limitam a segmentos específicos, alcançando todo o setor comercial.

“A economia é uma corrente: quando um elo se quebra, todos são afetados; mas se um elo se fortalece, todos se fortalecem”, pontua. Almeida explica que, quando um restaurante vende mais, ele compra mais, movimento que se repete em outros setores, e como reflexo, aumentou a procura por itens vendidos em sua loja. Ele também observa que a alta nas contratações na região impulsiona o comércio, já que os salários tendem a circular no local.

Proprietário da Ideal Máquinas posa para foto
Demanda da Ideal Máquinas subiu com o aquecimento da economia local | Foto: Divulgação/Ideal Máquinas

Balanço dos efeitos é positivo

Cleuber Francisco, dono da Casa das Antenas e Alarmes – loja especializada em segurança eletrônica e iluminação em Araçuaí –, avalia que a CBL teve papel importante no Vale do Jequitinhonha, pela geração de empregos e pelo fortalecimento da economia. Contudo, destaca que a empresa, presente há mais de três décadas na região, sempre manteve uma atuação discreta, o que dificultou a percepção da população sobre os impactos reais.

Com a chegada da Sigma, acompanhada por um trabalho de comunicação mais robusto, as expectativas dos moradores da região passaram a ser maiores. De acordo com ele, esperava-se uma transformação significativa na vida dos araçuaienses e na economia local.

O empreendedor relata que seu estabelecimento teve aumento de receita em determinados momentos, ao prestar serviços para as mineradoras e empresas terceirizadas, e que alguns ramos, como o de hotelaria e de restaurantes, registraram crescimento exponencial de demanda. Porém, até agora, o comércio em geral ainda não sentiu os resultados que se imaginavam no auge das especulações. Ainda assim, ele faz um balanço positivo dos reflexos dos projetos de lítio, reconhecendo que trouxeram oportunidades.

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