Medida rigorosa de isolamento social tem impacto mais forte na economia

Três meses após a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil, em 26 de fevereiro, são grandes os impactos econômicos em todo o País. E mesmo com a adoção de medidas de distanciamento social recomendadas pelos órgãos de saúde, incluindo a suspensão de atividades de comércio, serviços e até industriais, algumas cidades não tiveram outra saída, senão a adoção do chamado lockdown para tentar conter a disseminação da doença.
Conforme especialistas consultados pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO, o impacto na economia global é inevitável e o mais preocupante sob o ponto de vista econômico, diante da medida mais restritiva, diz respeito ao fluxo de caixa e, consequentemente, à sobrevivência das empresas. E, como a definição concreta das medidas cabe ao prefeito de cada município, as consequências econômicas serão variáveis, mas não menos impactantes.
No Brasil, cidades de pelo menos 16 estados adotaram alguma medida de isolamento mais restrito. O distanciamento é a mais eficaz forma de prevenção da doença, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em Minas Gerais, que contabiliza, até o momento, 6.962 casos confirmados e 230 óbitos, cidades como Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e Toledo, no Sul do Estado, já chegaram a adotar a medida. Por outro lado, representantes do governo mineiro dizem não ver, por enquanto, necessidade de uma maior restrição para conter a proliferação do vírus em âmbito estadual.
A capital mineira iniciou ontem (25) a flexibilização das medidas do distanciamento, liberando o retorno de algumas atividades, que poderão funcionar com protocolos preestabelecidos pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A expectativa é que o Comitê de Enfrentamento à Pandemia autorize outros setores no final desta semana. No entanto, o Executivo municipal já informou que em casos extremos de avanço da curva epidemiológica da cidade, o lockdown não está descartado.
De acordo com o especialista em Finanças e Mercado Financeiro, da Fipecafi, instituição ligada à FEA-USP, George Sales, o limite das companhias para suportar um tipo de apagão econômico, aqui no Brasil, é de no máximo 27 dias. O número, conforme ele, se baseia na saúde financeira das empresas.
“As empresas conseguem se manter na medida em que elas conseguem ter fluxo de dinheiro para movimentar seus recebimentos e pagamentos, ou seja, elas têm que antecipar seus recebimentos e postergar seus pagamentos. Um estudo mostrou que as empresas norte-americanas conseguiriam sobreviver cerca de 30 dias. Traçando um paralelo entre os mercados, a capacidade de sobrevivência dos negócios brasileiros é ainda menor”, explicou.
Sales lembrou que no caso de alguns setores o nível de receitas não chegou a zero, mas diminuiu drasticamente. Ele citou, por exemplo, a queda aproximada de 30% nas receitas do varejo nacional, de 50% nos setores de bares e restaurantes (porque conseguiram, de alguma forma, direcionar suas vendas para o delivery), e de 90% no turismo, que praticamente parou.
“Neste ponto, ressalta-se que pequenos e médios negócios estão sofrendo mais e são eles que concentram boa parte da massa de trabalho do País. Daí a expectativa de aumento forte no desemprego, o que poderá dificultar ainda mais a retomada”, alertou.
PIB – O professor também disse que os países que aderiram o lockdown vão colaborar com o número previsto de redução do Produto Interno Bruto (PIB) mundial entre 1% ou 2%. Já no Brasil, estados e municípios que já entraram com a medida radical de isolamento, ou ainda irão adotar, devem contribuir com a estimativa do governo federal da queda de até 5% do PIB nacional.
O tributarista Eliézer Marins concorda que a situação poderá derrubar o PIB brasileiro e fez um comparativo com os rumos que a economia estava tomando antes da pandemia:
“No início do ano, quando a pandemia do coronavírus estava concentrada na China e não se sabia ao certo quando e como chegaria ao Brasil, os especialistas estimavam crescimento econômico para este ano na casa de 2,3%. Agora a previsão é de queda robusta e a situação é preocupante”, afirmou, relacionando o desempenho às medidas mais restritivas adotadas por algumas cidades brasileiras.
“Com a evolução da doença, algumas regiões já começam a adotar o sistema de lockdown. E, caso outros estados adotem medidas mais duras de combate a pandemia, as projeções para o PIB devem se retrair ainda mais, podendo haver uma queda acima dos 7% para o PIB deste ano”, estimou.
Cenário pós-pandemia é nebuloso
O coordenador do curso de Economia do Ibmec-BH, Eduardo Coutinho, relatou que os impactos no curto prazo já estão sendo sentidos fortemente por alguns setores e em menos intensidade por outros, mas ponderou que, no médio e longo prazos, ainda não é possível saber em que medida as consequências do distanciamento social – seja ele brando ou acirrado – ocorrerão.
“Certo é que todos vão ter algum tipo de impacto, sobretudo se considerarmos que algumas pesquisas já mostram o receio do consumidor quanto à manutenção do emprego e da renda. Três a cada quatro pessoas afirmam que vão manter o padrão de consumo mais restrito mesmo com a flexibilização das medidas, exatamente por temerem o futuro”, ressaltou.
Segundo Coutinho, é preciso considerar que qualquer parada não programada é danosa para um negócio. Empresas que trabalham com sistema de férias coletivas, por exemplo, se preparam um ano inteiro para o período, seja em termos de formação de estoques ou de programação dos equipamentos. Ele lembrou, por fim, que as empresas vinham tentando se recuperar após passarem por um período profundo de recessão.
“É difícil quando uma empresa está embalada, com projetos estruturados e, de repente, é obrigada a parar. Sobretudo, se tratando de um contexto de crescimento econômico baixo ou até negativo, como vinha sendo o brasileiro. Agora, a retomada vai depender da intensidade das medidas de isolamento social em todo o País e até da velocidade com que vai ocorrer a flexibilização. Mas sabemos que não será rápida”, finalizou.
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