Mercado de livrarias se recupera da crise recente e aposta no público jovem para crescer

O mercado de livrarias está passando por um momento de recuperação após um período turbulento, com fechamento de muitas lojas no Brasil. Apesar das boas notícias, como o aumento do interesse dos jovens pela leitura, o setor segue enfrentando algumas dificuldades, com destaque para o risco de monopólio.
O diretor-presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Alexandre Martins Fontes, pontua que a ocorrência de momentos de dificuldades é algo natural em qualquer área, inclusive no mercado editorial e de livrarias. Mas ele também destaca os efeitos causados por essa crise recente e pelo fechamento das principais empresas do segmento.
“Com o fechamento da Saraiva e de unidades da Cultura, além da saída da francesa Fnac do País, o setor de livrarias no Brasil perdeu cerca de 100 mil metros quadrados (m²) de área de venda”, relata.
No entanto, Fontes aponta para outra questão que tem gerado muita preocupação para o setor: a concorrência desleal frente a grandes empresas, como a Amazon. De acordo com o dirigente, o cenário atual é preocupante, com a multinacional dominando o mercado brasileiro de venda de livros.
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Ele pontua que a participação da gigante do e-commerce no mercado tem diminuído em 2024, mas segue muito elevada. Conforme o diretor-presidente da ANL, se esse cenário não mudar, o risco de monopólio do setor será ainda maior, prejudicando, principalmente, as operações em lojas físicas.
“Muitas pessoas costumam ir até a livraria e encontram um determinado livro, mas acabam comprando pela internet, onde o mesmo livro sai a um preço muito mais baixo no site da Amazon”, ressalta.
Competição entre as lojas físicas e o e-commerce
Já o presidente da Livraria Leitura, Marcos Teles, lembra que o mercado mundial de comércio on-line começou, basicamente, com a venda de livros nos anos 1990. Portanto, o mercado de livrarias, segundo ele, já está competindo com o mercado digital há quase 30 anos, diferentemente de outros setores.
“O que aconteceu com o ramo dos livros no passado, está acontecendo com o varejo atualmente. Nós tivemos a manutenção da disputa com as vendas on-line alguns anos atrás, mas, hoje, o nosso mercado já está muito consolidado”, completa.

Ele destaca que o segmento passou por um período de grandes perdas, mas reforça que o momento é de estabilização e que o mercado é bastante resiliente. O empresário também aponta para a prática adotada por muitas empresas que atuam no e-commerce de vender livros com preços mais baixos, mesmo registrando prejuízos.
“Isso tem atrapalhado o mercado, pois nós queremos mais concorrência de livrarias físicas e virtuais, mas não queremos que haja um monopólio”, afirma.
Fontes explica que o fato da multinacional contar com outras fontes de renda e não depender apenas da venda de livros permite que ela possa oferecer preços muito abaixo do mercado, o que acaba caracterizando uma concorrência desleal.
De acordo com Teles, as empresas que tentaram acompanhar essa estratégia de comercializar livros com prejuízo acabaram quebrando. Ele lembra que o Brasil passou de mais de 100 megastores para aproximadamente 40 operações com mais de 1 mil m² de área espalhadas pelo País atualmente.
Já as empresas que apostaram em uma postura mais cuidadosa, como a Leitura, acabaram aproveitando o momento para se expandir. “Isso foi importante durante a crise, pois nós tínhamos uma reserva que nos dava condições até de crescer durante esse período”, relata.
Concentração de mercado
O presidente da Leitura explica que apesar de parecer algo bom para o consumidor no curto prazo, essa prática adotada por empresas como a Amazon tende a gerar concentração de mercado, causando efeitos negativos no futuro.
Segundo ele, a diminuição do número de livrarias, causada pela concorrência desleal, tem impactado na quantidade de livros vendidos.
“O preço do livro chegou a cair, mas nos últimos quatro anos tem subido novamente, por causa dessa concentração nas vendas. Então, isso é uma coisa que parece boa para a população, mas no longo prazo não é, devido a essa falta de concorrência”, completa.
Legislação contra a concorrência desleal
Uma das soluções apontadas pelo dirigente é a aprovação da Lei Cortez, que está tramitando no Congresso Nacional. A proposta visa proporcionar maior equilíbrio no mercado editorial brasileiro. Para Fontes, essa lei poderá contribuir para a melhoria na concorrência entre as empresas.
“Nós não somos contra a Amazon, somos contra o monopólio do setor. Não queremos que o mercado seja controlado por apenas uma empresa, isso não é bom para o setor nem para o País”, ressalta.
Teles explica que essa lei proíbe o desconto exagerado no primeiro ano de lançamento do livro, sendo limitado a, no máximo, 10% do valor total. “Isso evita que as editoras tenham que marcar mais caro o preço do livro por causa de alguma multinacional que exige maiores descontos”, esclarece.

Já o diretor-presidente da ANL cita alguns exemplos de leis semelhantes a essa em outros países, com destaque para a Alemanha e Argentina. Segundo ele, a legislação desses países impede as ações de concorrência predatórias adotadas por empresas como a Amazon, protegendo o mercado local.
“Muitos costumam falar que a Alemanha é um caso muito diferente do nosso, é um país desenvolvido e de outro continente, mas nós também temos o exemplo da Argentina. Eles possuem uma lei que evita que algo parecido com o que estamos passando no Brasil ocorra por lá”, pontua.
Fontes reforça que as livrarias físicas servem como vitrine para vários livros. Além disso, o dirigente destaca a importância que o setor possui não só para a economia, mas também para a cultura e, consequentemente, para a sociedade, de forma geral. “Como dizia o autor inglês Neil Gaiman, ‘uma cidade sem livrarias pode até se considerar uma cidade, mas ela não está enganando ninguém’”, declara.
Quanto às expectativas para 2025, Fontes afirma estar mais otimista. Ele espera que, ao longo do ano, a Lei Cortez possa ser aprovada e que o domínio da Amazon no mercado possa diminuir ainda mais, melhorando o ambiente de competitividade no mercado.
Importância dos jovens para o setor de livrarias no Brasil
Com a popularização da internet e dos meios digitais, muitos chegaram a decretar o fim do livro físico. No entanto, a realidade é de um crescimento na demanda entre os mais jovens, o que pode representar um cenário otimista para o futuro do setor. As redes sociais, que eram apontadas como concorrentes, estão se mostrando uma grande aliada.
Fontes ressalta a importância desse movimento não só para o setor de livrarias, mas também para a cultura do livro, já que o jovem interessado em leitura de hoje será um leitor adulto no futuro. Ele também relata que o setor vem buscando firmar parcerias com algumas redes sociais para a realização de ações voltadas para o incentivo à leitura.
“Estamos realizando algumas reuniões como a equipe do TikTok no Brasil para definir o que podemos fazer para divulgação dos livros. Um exemplo que podemos adotar é a criação de estandes nas lojas físicas com os livros mais populares nas redes sociais”, diz.

Já o presidente da Leitura relata que nos últimos 20 anos um dos segmentos que mais crescem no mercado editorial são os livros voltados para o público infantil e juvenil. Ele lembra que a previsão na época era de que o digital fosse distanciar este público dos livros físicos, mas o cenário atual é exatamente o oposto.
“Eles preferem o livro impresso e comprar nas livrarias, e eu acredito que as séries e os filmes, muitos baseados em livros, têm contribuído para o aumento das vendas. Temos também o fenômeno das indicações nas mídias sociais, que tem contribuído para o sucesso de alguns livros”, explica.
Teles ainda destaca que, antes, os jovens liam os livros que eram indicados pela escola, mas, hoje em dia, essa parcela do público tem feito escolhas baseadas no gosto pessoal, na indicação de influenciadores digitais, amigos ou influenciados por algum filme ou série. Para o empresário, esse interesse da nova geração pelos livros é algo muito notável.
“Se observarmos as bienais do livro no Rio de Janeiro e em São Paulo, veremos que elas foram ‘invadidas’ pelos jovens. É incrível como elas vêm batendo recordes de público e crescendo a cada ano, com mais da metade sendo jovens e crianças”, celebra.
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